Reflexão: a penúria do impeachment
Os primeiros pedidos foram entregues ao presidente da Câmara Rodrigo Maia coincidindo com o envio de denúncias contra Bolsonaro ao TPI1 (crimes contra a humanidade), em referência ao genocídio de indígenas pela destruição das reservas e pela C19. Isso, em 2019 e 2020.
Maia recebeu no total 64 pedidos - recorde em dois anos de mandato de Bolsonaro. Mas, cabeça do centrão, que teve acordos com o líder da República o líder da Câmara "não viu nenhum crime", apesar do desfile de uma montanha deles diante de seus olhos e dos da nação.
Mas, um em especial chamou a atenção da mídia, bem no momento em que TPI abre as folhas do enorme arquivo com acréscimos de crimes novos, aprovando as denúncias.
-> O ponto de partida
Qualquer pessoa pode abrir petição para impichar agente político. Desde trabalhadores de todas as categorias ativos e aposentados (incluindo servidores) a profissionais liberais, juristas de hierarquias várias e políticos ativos e inativos, conforme constado na Lei 1079/1950, ou Lei do Impeachment.
Essa lei dispõe sobre o abortamento do mandato de agente público (político ou não), por motivação sobretudo política, em especial instabilidade sociopolítica ligada a crimes de responsabilidade, que por sua vez se expressam em uma série de atentados à liturgia e ao pudor do cargo de líder nacional.
Elaborados pelas citadas autorias, os documentos foram protocolados e entregues ao Congresso, a maioria em análise. Dos 64 pedidos, 50 são originais, 5 aditamentos e 9 duplicados, havendo até agora apenas 5 desconsiderados.
Os primeiros são de 2019, denunciando ataques à liberdade de cátedra, de imprensa, de gênero e de cultura, várias interferências nas investigações da morte de Marielle, indecoros chulos, atentados contra reservas e povos indígenas, apologia às ditaduras, ataques ao Fundo Amazônia e a líderes da UE2, publicações impróprias em rede social, etc.
Além dos citados crimes, novos pedidos vieram com outros, mais graves, como corrupção, lavagem de dinheiro, interferência nas instituições, improbidade administrativa, ligação com milícias, ecocídio além do centrado na Amazônia, promoção da sindemia de C193, etc.
Enquanto isso, o TPI...
Não bastasse o clamor agora público pelo impeachment, movimentos diversos enviaram petições ao TPI em fins de 2019. Segundo uma liderança do grupo Juristas pela Democracia, as petições têm base no art. 15 do Estatuto de Roma4 no qual se encaixam os crimes cometidos por Bolsonaro.
Apesar de protocoladas, as petições esperaram até setembro de 2020 para serem finalmente aceitas pelo TPI. Nesse mês foram rejeitadas, alegando-se insuficiência de dados para configurar indiciar o presidente de crime contra a humanidade. Era preciso haver novos cenários.
E vieram os novos cenários: ecocídio e mais investidas contra a vida indígena com homicídios e a C19, que sozinha matou mais de 920 pessoas. E a tragédia nacional da C19 promovida pelo próprio Bolsonaro com repercussão global, o que tornou a situação do país insustentável. O TPI aceitou as denúncias em dezembro.
Representado pelo jurista francês Willian Bourdon, o cacique Raoni enviou nova denúncia contra Bolsonaro mencionando mais ecocídio e assassinatos, além de descaso maior na C19 em transferências forçadas de doentes com nova variante do Corona pelo país, com risco de novo contágio nacional.
A procuradora do TPI, Fatou Bensouda, prometeu abrir inquérito devido ao somatório de crimes de repercussão global graças à internet e à imprensa. O que pode fragilizar ainda mais Bolsonaro. Agora é aguardar, enquanto por aqui a coisa pega fogo.
-> Fogo no parquinho: reflexão final
Nesse esquema, o Congresso tem se agitado em torno das eleições. Enquanto no Senado Bolsonaro 'se garantiu' com Rodrigo Pacheco eleito, na Câmara há fogo no parquinho entre Maia e Lira. Tudo por conta do PT: este entra ou não no bloco de apoio a Baleia Rossi (MDB)?
Diante da ameaça de debandada das bancadas de apoio a Rossi, Rodrigo Maia recuou na abertura de impeachment de Bolsonaro, após reunião com o petista Enio Verri. Mas, Rossi prometera apreciar os pedidos de impeachment, dado ser cada vez mais absurdo ignorar o crescente clamor popular.
Nesse processo, o PT pode se sair bastante chamuscado pela opinião pública, pois dará a entender que virou a casaca, se optou por convencer Maia a desistir do impeachment. E Maia, por sua vez, pode se sentir a sair pela porta dos fundos, sem ter fechado nada a seu favor pessoal.
Afinal, ele teve fechado acordo com o ministro Barroso, presidente do TSE, sobre o destino da chapa Bolsonaro-Mourão para este ano, no intuito de evitar as eleições diretas, que poderiam abrir brecha para a esquerda - tudo o que ele não queria de forma alguma.
Bem, diante de todo esse imbróglio, no fim das contas a situação acaba de se encerrar na Câmara: Arthur Lira (PP-AL) vence na presidência da casa por 302 votos, no 1º turno. Vitória aparente de Bolsonaro, que o apoia. O que pode não apagar o fogo no parquinho local.
Também apoiado por Bolsonaro e 11 partidos, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se torna presidente do Senado no 1º turno, sem muito alarde. O que não surpreende, pois as coisas no Senado parecem mais equilibradas, talvez por ter menos gente do que na Câmara.
As vitórias de governistas podem significar uma virada de Bolsonaro sobre adversários e população que quer vê-lo na poeira da História. E deixa a sensação ruim de que tudo ainda vai piorar. Calma, as coisas não são tão simples quanto parecem.
Vale salientar que ambos são do Centrão, uma direita tradicional tão avessa ao arditismo reacionário de Bolsonaro et caterva quanto à possibilidade (remota) da esquerda no poder. Seu anseio é dominar os espaços que ocupa. Daí o nome.
Isso porque o Centrão se vale no poder pelo poder: não importa o viés ideológico do líder nacional, importa mesmo é manter o seu domínio político, via negociação de cargos em ministérios de peso, ou dinheiro de emendas. Ele é a "prostituta" (com todo respeito às originais, é só analogia) política.
O impeachment pode estar mais distante e penoso agora, mas tudo pode mudar. Dependerá dos fatos nos próximos meses. A pressão popular está a um estalo de explodir, e também preocupa: o estrago de Bolsonaro pode se virar contra a própria insensibilidade dos agentes políticos envolvidos.
E a culpa será de Maia, por não ter aberto caminho do impeachment. Porta dos fundos.
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Imagens: Google (no artigo, fotomontagem)
Notas da autoria
1. Tribunal Penal Internacional, especializado em julgar crimes de guerra e contra a humanidade.
2. União Europeia, com 27 países.
3. Pela "atividade plena", aglomerações sem proteção, fake news sobre vacina, sabotagem contra Butantã e Fiocruz, kit de tratamento precoce, aumento de imposto sobre oxigênio hospitalar e não fornecimento do mesmo, corte de grana da C19, etc.
4. Estatuto ligado aos Tribunais Internacionais, será tema de artigo próximo.
Para saber mais
- https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/ (histórico de pedidos de impeachment)
- https://apublica.org/2021/01/exclusivo-raoni-denuncia-bolsonaro-em-corte-internacional-por-crimes-contra-a-humanidade-leia-denuncia/
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/12/15/interna_politica,1220716/tpi-analisa-denuncia-contra-bolsonaro-por-crime-contra-a-humanidade.shtml
- https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/tribunal-penal-internacional-rejeita-denuncia-contra-bolsonaro-por-crime-contra-humanidade/
- https://blogdacidadania.com.br/2021/02/pt-pode-ter-convencido-maia-a-nao-aceitar-impeachment/
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