Quando se fala em saúde pública, logo se pensa nas
unidades municipais e estaduais. Normal: elas estão em mais de 5000 cidades do
país. Mas há também a saúde federal. Só que esta não é tão difundida.
Com 70% de instituições e servidores
concentrados no Rio de Janeiro, somente com Lula 3 ela entra no debate político
no tema SUS-Ministério da Saúde – o que expressa sua imensa importância.
Referências nacionais
A saúde federal se compõe de diversas instituições: fundações (inclusas as de pesquisa e de combate a endemias, vigilância em saúde, e toda a rede hospitalar universitária
e independente.
Exceto os hospitais universitários (HUs), só o Rio de Janeiro tem 6 hospitais
federais (HFs, gerais) e 3 institutos nacionais (INs, especializados),
todos eles referências nacionais em atenção de alta complexidade em saúde pública. Essas unidades cariocas representam 70% do ramo no Brasil.
Carências – a
rede federal sempre sofreu carências de recursos estruturais, materiais e
humanos. Concursos de 1983, 1995, 2005 e 2010 e manutenções estruturais cobriam
parte de uma crise existente desde que existe saúdepública.
Em momentos de greve, os servidores eram
acusados de mercenários pela mídia – em eufemismos, claro. A eterna desculpa da
falta de grana dura até hoje. Mas as greves sempre foram além dos salários: os
servidores sabiam das ameaças por trás da desculpa.
De olho –
na era FHC, o ministro Bresser Pereira escreveu os Cadernos MARE, nos
quais propôs a privatização dos serviços nas pontas dos ministérios (escolas e
universidades, de postos e UPAS aos grandes hospitais). A publicação abriu a porteira do
desmonte.
Ameaças – a
rede federal foi abordada em dois artigos, Um monstro chamado Ebserh, e Saúde
federal, futuro incerto. O primeiro trata sobre o risco de entrega dos HFs,
e o segundo, sobre a incerteza do destino dos servidores federais em caso de
cessão da rede.
Após o último grande concurso RJU para saúde
federal (2005), Lula assinou a Lei de Contratos Temporários da União
(CTUs) para Calamidade Pública para suprir hospitais de campanha das
FFAA. Hoje, a saúde federal tem mais profissionais CTUs e cargos administrativos terceirizados do que servidores efetivos.
A criação da Ebserh em 2012 para gerir
hospitais universitários foi intuída pelos servidores como uma nova fase de
desmonte no setor. Apesar da mobilização na época, todos os HUs conhecidos são hoje
geridos pela Ebserh – que está insaciável.
2024: a reportagem do Fantástico
sobre a crise da saúde federal no RJ “reeditou” a reportagem de 1985 que culpou
os servidores pela crise. Este ano a Globo se cuidou, mas sabemos que ela é
favorável ao fim do RJU. E depois, na desculpa governamental de resolver problemas de gestão, vieram três repentes.
Três HFs cariocas foram entregues: o de Bonsucesso
ao Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do Andaraí ao município, e o de Servidores
do Estado (HFSE) fundido ao HU Gaffrée-Guinle da Unirio, engolido pela
Ebserh. Neste último ainda falta a canetada. Tudo isso sem diálogo com os servidores neles lotados.
Os HFs da Lagoa e de Ipanema estão na mira do
município. Entre os INs, parte do INCA foi entregue à integração
público-privada (IPP). O INTO e o INC estão sob ruidoso silêncio do governo
e até do Congresso, exceto as vozes esparsas e solidárias do PSOL.
Expectativa –
Após o revés quase paralisante da era 2019-22, muitos servidores da saúde federal votaram
em Lula. Por sobrevivência e esperança diante do discurso de campanha pelo SUS.
Mas eis que deparamos com o desenrolar do fatiamento da rede.
Servidores lotados nos HFs estão indignados (com
razão) com o ocorrido e em expectativa de seu futuro incerto. Se as empresas de
saúde da Prefeitura e do Estado relutam dividir espaço com servidores RJU, eles
não sabem para onde ir. Restarão INC e INTO? Não sabemos.
Ainda há outra razão da indignação dos servidores da saúde federal: a indiferença aparente do governo à tão esperada carreira da PST (previdência, saúde e trabalho), com direito ao adicional de qualificação, dado que a maioria dos que ocupam cargos intermediário tem, ao menos, graduação superior completa.
Parte da saúde entrou em greve não unânime,
elogiada por uma parte e criticada por outra. Uma terceira parte luta
informando os usuários sobre o desmonte em andamento enquanto os atendem. Nessa
luta diversa há o combustível esperança.
Fracassada em experiência anterior, a municipalização
pode dar ruim de novo. A amarra legal da lei 8112/1990 pode complicar o sonho
privatista de todos os lados, especialmente o envolvimento da Ebserh, que pode
ser abortado se houver ilicitude no contrato que ainda não foi assinado.
Seja como for, os servidores da carreira PST
(previdência, saúde e trabalho, o escalão mais baixo da esfera federal) se
moldam na luta. A atenção ao povão é um exemplo de luta que dá sobrevida ao
sistema público e amplo. Cansa, mas vale a pena, “hasta la vitória”.
Para saber mais
- https://bibliotecadigital.economia.gov.br/handle/777/634
(Cadernos MARE, Bresser Pereira).
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