quarta-feira, 3 de abril de 2024

ANÁLISE: Um monstro chamado Ebserh

 

       A breve era Collor é mais lembrada pelos fatos negativos. Porém, houve os positivos de peso. Um foi a Lei 8080/1990, que cria o SUS; e o outro a Lei 8112/1990, o Estatuto do servidor público aprovado por concurso de provas e títulos.
            As duas leis paralelas têm algo em comum. Antes das emendas constitucionais (ECs), a CF-1988 previa serviços a serem prestados por servidores públicos estatutários em um serviço público universal em todo o território nacional. Mas as ECs a partir de 1998 mudariam o quadro aos poucos.

De estáveis para temporários 

            Entre 2003-14, uma chuva de concursos públicos garantiu milhares de posses de cargos públicos efetivos, mais atrativos pela estabilidade do que pelos valores salariais, reforçando um Estado enfraquecido pela privataria indiscriminada da era FHC.
            Com o megaconcurso de 2005, a saúde federal viveu sua melhor fase qualitativa de serviços ofertados graças aos novos servidores que entraram. Mas ela iria sofrer depois, aos poucos, após Lula sancionar PL que oportuniza a contratação temporária por calamidade através de CTU¹ e terceirização², por tempo determinado.
            Enquanto esses trabalhadores temporários aos paulatinamente substituíam servidores aposentados, cedidos, removidos ou mesmo exonerados, nos bastidores dos altos escalões se movia um burburinho que viria em 2011.

Ebserh

            Enquanto servidores lutavam por novo concurso para efetivos para suprir a defasagem crescente de pessoal por falta de concursos na saúde federal, uma novidade vazou de Brasília. A mesma se referia à gestão dos hospitais universitários (HUs) federais.
            A Empresa Brasileira de Serviços HospitalaresEbserh foi pensada em um projeto de gestão de serviços de saúde pública por uma equipe de administradores na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em tempo antes de sua fundação ser aprovada e autorizada pelo governo federal, o que se deu através da Lei 12.550 de 15/12/2011.
            Por se ligar ao MEC, a criação da citada empresa é fundamentada, segundo seus idealizadores e políticos favoráveis de então, na solução da crise dos serviços oferecidos pelos HUs das universidades públicas. Além da gestão de recursos materiais, a estatal também cuidaria do aperfeiçoamento e recrutamento de recursos humanos em saúde. Mas há um problema.

Contratação celetista

            A Ebserh é uma estatal de capital 100% público, mas de direito privado, nos moldes do decreto-lei 900/1969, que versa sobre empresas estatais. Portanto, a contratação de seu pessoal é pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, o mesmo regime operante nos empregos da iniciativa privada. 
            Em 13 anos de existência, o pessoal da Ebserh já domina nos HUs, ainda que haja uns poucos estatutários, que já se veem preocupados, por pelo menos dois motivos.
            O primeiro é a CLT fragilizada após alterações desde 2017, com aumento de rotatividade de empregados já comum no meio privado. O segundo é sequente: com a rotatividade e mais contratados celetistas cuja qualificação pode não seguir o padrão FIFA, se teme a precarização dos serviços de ensino e serviços de saúde.
            Mas há um terceiro motivo por trás: a Ebserh como um meio pelo qual se forma a ameaça de extinção em definitivo dos servidores estatutários nos serviços de saúde pública federal. E agora, 13 anos depois, se insurge nova ameaça.

Rede da saúde federal 
 
           Além dos HUs, a saúde federal conta com rede hospitalar própria. Capital federal até 1960, o Rio concentra a maior parte dessa rede, com seis hospitais (HFs) e três institutos nacionais (INs). 
            Originariamente pela CF-1988, antes das primeiras alterações do Art. 37, o recrutamento era por concurso público de provas e títulos para servidores RJU do Ministério da Saúde. Somente o INCA se liga à pasta de Ciência e Tecnologia, algo pleiteado também por INTO e INC.
            Os HFs cariocas são: do Andaraí (HFA), de Bonsucesso (HFB), Cardoso Fontes (HFCF), de Ipanema (HFI), da Lagoa (HFL) e dos Servidores do Estado (HFSE).  Os INs são: do Câncer (INCA), de Cardiologia (INC) e de Traumato-Ortopedia (INTO). Todos em nova linha de mira.

Do escândalo à ameaça 

            Há 50 anos, o programa dominical global Fantástico tem grande audiência e atrai por reportagens especiais que enfatizam escândalos na seara pública, nos serviços públicos essenciais ou na política.
            Nada contra, se sabemos que existem, sim, casos de malversação de recursos públicos pelas cúpulas dos poderes públicos. Mas a grande mídia, especialmente O Globo e Estadão, se tornou especialista no tema ao ponto do exagero.
            O Fantástico cobriu a situação crítica dos HFs do Rio, sem menção aparente aos INs, como se fosse um problema recente. Só que a crise na saúde federal existe há décadas e atinge os INs, mesmo em menor gravidade.
            Em 2020, fora as carências habituais, um HF teve princípio de incêndio e pacientes internos com Covid foram removidos para fora por causa da fumaça. Outro HF também teve incêndio inicial. E a grande mídia não alardeou nisso. Só agora que veio cobrar. Por quê?

            Coincidência? – imediatamente após a cobertura do Fantástico, se noticiou que a ministra Nísia Trindade, da Saúde, montou um comitê de crise e fez trocas no Dpto de Gestão Hospitalar (DGH) na sede do MS no RJ, colocando gente da Ebserh no lugar – evidenciando o plano do governo de estender a Ebserh para gerir os HFs.
            Do Fantástico ao governo, é tudo coincidência, só que não. Quando foi anunciada ao público em 2011, a Ebserh como gestora dos HUs foi tratada pela grande mídia como “uma revolução na administração do SUS”. Naquela época, servidores efetivos já temiam pelo pior.

Ebserh nos HFs: futuro de fim – 

            Já são quase 20 anos desde o último grande concurso RJU na saúde federal. E Temer e Bolsonaro deram fim a vários cargos, em especial os de nível intermediário, sobrecarregando os remanescentes devido à forte rotatividade entre os terceirizados e os CTUs a cada fim de contrato.
            Agora, com Nísia Trindade (Fiocruz) na pasta da Saúde, a ameaça Ebserh é mais palpável. Já impactados por defasagem crescente de pessoal e piora das condições salariais e de trabalho, os efetivos da saúde federal se tornam uma espécie em alerta vermelho de extinção.
            É certo que a Ebserh coloque os seus nos HFs se os gerir de fato. Aos efetivos RJU há 2 hipóteses. 1ª: realocação para os INs que lutam para ser C&T (só o INCA o é). 2ª: uma possível transferência para outras instituições públicas, ou cessão ou remoção para instituição da AP direta.
            De qualquer forma, isso só servirá para disfarçar o problema. A ameaça de extinção das carreiras RJU na saúde pública é uma realidade. Terceirizados são só tapumes que, como asfalto mal colocado tapando buracos numa via, se vão bastando os primeiros motivos ou interesses dos poderosos.
           A categoria de servidores públicos que tantos serviços tem prestado à sociedade, sendo crucial na pandemia de Covid já vislumbra, ainda que ao longe, o paulatino aproximar do seu fim. Fim de um túnel que entra em definitivo na nova era, a de um monstro destruidor de carreiras públicas consagradas, de nome Ebserh.
            Um monstro que não fagocita só os servidores RJU da saúde. Ela engole também as amplas possibilidades de uma saúde pública dada de forma honesta para o povo brasileiro. Esse é o problema maior do monstro Ebserh.
            Mas o monstro Ebserh não deve nos impor medo. Seguiremos na luta por nossas carreiras, que não foram conquistadas por bobagem. Na luta entramos, e na luta sairemos. Frustrante será perder na passividade mais completa.

Nota da autoria
¹ Contrato Temporário da União, via ministério competente, por calamidade pública, nos termos legais de âmbito federal.
² nas três esferas – União, Estados e Municípios, com intermédio de fundação pública ou empresa de RH.

Para saber mais
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