A
breve era Collor é mais lembrada pelos fatos negativos. Porém, houve os
positivos de peso. Um foi a Lei 8080/1990, que cria o SUS; e o outro a Lei
8112/1990, o Estatuto do servidor público aprovado por concurso de provas e
títulos.
As
duas leis paralelas têm algo em comum. Antes das emendas constitucionais (ECs),
a CF-1988 previa serviços a serem prestados por servidores públicos
estatutários em um serviço público universal em todo o território nacional. Mas
as ECs a partir de 1998 mudariam o quadro aos poucos.
De
estáveis para temporários
Entre 2003-14, uma chuva de concursos públicos garantiu milhares de posses de
cargos públicos efetivos, mais atrativos pela estabilidade do que pelos valores
salariais, reforçando um Estado enfraquecido pela privataria indiscriminada da
era FHC.
Com
o megaconcurso de 2005, a saúde federal viveu sua melhor fase qualitativa de
serviços ofertados graças aos novos servidores que entraram. Mas ela iria
sofrer depois, aos poucos, após Lula sancionar PL que oportuniza a contratação
temporária por calamidade através de CTU¹ e terceirização², por tempo
determinado.
Enquanto
esses trabalhadores temporários aos paulatinamente substituíam servidores
aposentados, cedidos, removidos ou mesmo exonerados, nos bastidores dos altos
escalões se movia um burburinho que viria em 2011.
Ebserh
Enquanto servidores lutavam por novo concurso para
efetivos para suprir a defasagem crescente de pessoal por falta de concursos na
saúde federal, uma novidade vazou de Brasília. A mesma se referia à gestão dos
hospitais universitários (HUs) federais.
A Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh foi pensada em um projeto de gestão de serviços de saúde pública por uma equipe de administradores na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em tempo antes de sua fundação ser aprovada e autorizada pelo governo federal, o que se deu através da Lei 12.550 de 15/12/2011.
Por se ligar ao MEC, a criação da citada empresa é fundamentada, segundo seus idealizadores e políticos favoráveis de então, na solução da crise dos serviços oferecidos pelos HUs das universidades públicas. Além da gestão de recursos materiais, a estatal também cuidaria do aperfeiçoamento e recrutamento de recursos humanos em saúde. Mas há um problema.
Contratação celetista
A Ebserh é uma estatal de capital 100% público, mas de direito privado, nos moldes do
decreto-lei 900/1969, que versa sobre empresas estatais. Portanto, a contratação de seu pessoal é pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, o mesmo regime operante nos empregos da iniciativa privada.
Em 13
anos de existência, o pessoal da Ebserh já domina nos HUs, ainda que haja uns poucos estatutários, que já se veem preocupados, por pelo menos dois motivos.
O
primeiro é a CLT fragilizada após alterações desde 2017, com aumento de
rotatividade de empregados já comum no meio privado. O segundo é sequente: com
a rotatividade e mais contratados celetistas cuja qualificação pode não seguir o padrão FIFA, se teme a precarização dos
serviços de ensino e serviços de saúde.
Mas há um terceiro motivo por trás: a Ebserh como um meio pelo qual se forma a ameaça de extinção em definitivo dos servidores estatutários nos serviços de saúde pública federal. E agora, 13 anos depois, se insurge nova ameaça.
Rede
da saúde federal
Além dos HUs, a saúde federal conta com rede hospitalar própria. Capital
federal até 1960, o Rio concentra a maior parte dessa rede, com seis hospitais
(HFs) e três institutos nacionais (INs).
Originariamente
pela CF-1988, antes das primeiras alterações do Art. 37, o recrutamento era por concurso público de provas e títulos para servidores RJU do
Ministério da Saúde. Somente o INCA se liga à pasta de Ciência e Tecnologia, algo pleiteado também por INTO e INC.
Os
HFs cariocas são: do Andaraí (HFA), de Bonsucesso (HFB), Cardoso Fontes (HFCF),
de Ipanema (HFI), da Lagoa (HFL) e dos Servidores do Estado (HFSE). Os INs são: do Câncer (INCA), de Cardiologia
(INC) e de Traumato-Ortopedia (INTO). Todos em nova linha de mira.
Do
escândalo à ameaça
Há
50 anos, o programa dominical global Fantástico tem grande audiência e
atrai por reportagens especiais que enfatizam escândalos na seara pública, nos
serviços públicos essenciais ou na política.
Nada
contra, se sabemos que existem, sim, casos de malversação de recursos públicos
pelas cúpulas dos poderes públicos. Mas a grande mídia, especialmente O
Globo e Estadão, se tornou especialista no tema ao ponto do exagero.
O Fantástico
cobriu a situação crítica dos HFs do Rio, sem menção aparente aos INs, como se
fosse um problema recente. Só que a crise na saúde federal existe há décadas e
atinge os INs, mesmo em menor gravidade.
Em
2020, fora as carências habituais, um HF teve princípio de incêndio e pacientes
internos com Covid foram removidos para fora por causa da fumaça. Outro HF
também teve incêndio inicial. E a grande mídia não alardeou nisso. Só agora que veio cobrar. Por quê?
Coincidência? – imediatamente
após a cobertura do Fantástico, se noticiou que a ministra Nísia
Trindade, da Saúde, montou um comitê de crise e fez trocas no Dpto de Gestão
Hospitalar (DGH) na sede do MS no RJ, colocando gente da Ebserh no lugar –
evidenciando o plano do governo de estender a Ebserh para gerir os HFs.
Do Fantástico
ao governo, é tudo coincidência, só que não. Quando foi anunciada ao público em
2011, a Ebserh como gestora dos HUs foi tratada pela grande mídia como “uma
revolução na administração do SUS”. Naquela época, servidores efetivos já temiam
pelo pior.
Ebserh
nos HFs: futuro de fim –
Já são quase 20 anos desde o último grande concurso RJU na saúde federal. E
Temer e Bolsonaro deram fim a vários cargos, em especial os de nível
intermediário, sobrecarregando os remanescentes devido à forte rotatividade entre
os terceirizados e os CTUs a cada fim de contrato.
Agora,
com Nísia Trindade (Fiocruz) na pasta da Saúde, a ameaça Ebserh é mais
palpável. Já impactados por defasagem crescente de pessoal e piora das condições
salariais e de trabalho, os efetivos da saúde federal se tornam uma espécie em alerta
vermelho de extinção.
É certo
que a Ebserh coloque os seus nos HFs se os gerir de fato. Aos efetivos RJU há 2
hipóteses. 1ª: realocação para os INs que lutam para ser C&T (só o INCA o
é). 2ª: uma possível transferência para outras instituições públicas, ou cessão
ou remoção para instituição da AP direta.
De
qualquer forma, isso só servirá para disfarçar o problema. A ameaça de extinção
das carreiras RJU na saúde pública é uma realidade. Terceirizados são só tapumes
que, como asfalto mal colocado tapando buracos numa via, se vão bastando os primeiros
motivos ou interesses dos poderosos.
A categoria
de servidores públicos que tantos serviços tem prestado à sociedade, sendo
crucial na pandemia de Covid já vislumbra, ainda que ao longe, o paulatino
aproximar do seu fim. Fim de um túnel que entra em definitivo na nova era, a de
um monstro destruidor de carreiras públicas consagradas, de nome Ebserh.
Um monstro
que não fagocita só os servidores RJU da saúde. Ela engole também as amplas
possibilidades de uma saúde pública dada de forma honesta para o povo brasileiro.
Esse é o problema maior do monstro Ebserh.
Mas o monstro Ebserh não deve nos impor medo. Seguiremos na luta por nossas carreiras, que não foram conquistadas por bobagem. Na luta entramos, e na luta sairemos. Frustrante será perder na passividade mais completa.
Nota da autoria
¹ Contrato
Temporário da União, via ministério competente, por calamidade pública, nos
termos legais de âmbito federal.
²
nas três esferas – União, Estados e Municípios, com intermédio de fundação
pública ou empresa de RH.
Para saber mais
- https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/278/427 (artigo da história da Ebserh)
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