quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A frase de Damares: uma reflexão crítica

     Diante de inegáveis números alarmantes de gravidez na adolescência no Brasil, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, recentemente falou sobre a sua proposta de abstinência sexual nos primeiros anos da adolescência.
     É compreensível a iniciativa, à primeira vista e aos que não apresentam um senso crítico.
     Para justificar a sua política, Damares disse que "a vagina de uma menina de 12 anos ainda não está preparada para ser possuída". 
     A consequência mais imediata foi cair nas redes sociais, uma vez que nesse mundo conectado, as mídias noticiosas de massa têm seus canais no Facebook, Youtube e WhatsApp, nas quais são divulgadas e acessadas em tempo recorde.
     A ministra emendou uma resposta às críticas: "se provarem que vagina de menina de 12 anos está pronta para ser possuída, paro de falar". Resultado? Mais bombardeio crítico ainda.
     Antes da análise crítica deste blog, vale fazer alguns apontamentos prévios sobre a proposta de abstinência da ministra.
     Ela não é inédita. A ministra teria se embasado em supostos estudos científicos nos EUA e no Chile segundo os quais haja eficácia. Mas não há comprovação disso, a ciência contradiz a fala da ministra. 
     Jamil Chade, no Uol de 29/1, cita a OMS segundo a qual abstinência em si não é efetiva, vê DSTs, HIV-SIDA e gravidez precoce como problemas morais e não de saúde pública, e não contempla variáveis sociais mais amplas e complexas. 
     Entre essas variáveis estão a questão comportamental dos jovens e a falta de uma educação sexual que incite amadurecimento psicológico aos jovens para viver experiências responsáveis. E entre a maioria dos jovens há muita reprovação.*
     Damares, porém, declarou no seu Twitter, linha governamental online, que a abstinência é uma ideia complementar, pois "ninguém vai deixar de oferecer preservativos".
     Agora, o foco principal das críticas é como soou a declaração da ministra para justificar a sua política.
     Entre os críticos mais notáveis foi o linguista Gustavo Conde, cujo artigo foi publicado no Brasil 247  em 26/01. Segue-se citação (adaptada para resumo):
"A fala de Damares Alves é uma monstruosidade [...]. Primeiro, ela objetifica uma criança de maneira assustadora. Fala em 'vagina'. Segundo, usa o verbo 'possuir' dando um sentido místico à violência sexual. Terceiro: transfere ao macho adulto a portabilidade da referência moral para se decidir se uma criança deve ou não fazer sexo [...]. Quarto: não cita os meninos de 12 anos que sofrem quase tanta violência sexual quanto as meninas - ela enquadra, portanto, até a violência sexual sob a lente homofóbica de sua pasta [...]".
     A supervalorização do macho adulto em relação à menina objetificada expõe o arcabouço de valores sexuais em que a ministra foi inserida. Daí tamanha necessidade de cautela em analisar criticamente a sua postura.
     Filha de pastor evangélico, Damares sofreu os abusos cometidos por pastores de sua própria igreja, antes dos 12 anos. Um dia, cansada, subiu numa goiabeira na qual teria visto Jesus. Nesse universo tão marcado pela dedicação à sua fé, virou pastora.
     Tinha vontade de ser mãe. Adotou uma índia ainda bebê, o que causou polêmica nas redes sociais, e notícias sobre acusações de sequestro de bebês indígenas. Hoje a geral esqueceu disso, mas também não houve desmentidos online a respeito.
     Talvez o trauma da vivência sexual absurda a tenha levado a nunca se casar: sexo se tornou sujidade. Nada mais compreensível. Sem educação digna, nem a ajuda profissional adequada tão necessária, sua psique aprendeu a processar os fatos basicamente na distorção dos valores de sua fé.
     Talvez nessa conjuntura entendamos que, por trás do absurdo aparente na proposta, reine a boa intenção de estender a mão ao outro, se não recebeu a sua parte. Mas, sempre há poréns nessa vida. 
     Primeiro: boa intenção não é tudo; cada cabeça é uma sentença por mais homogênea que seja uma nação. E o Brasil, além de ser um dos locais mais diversos do mundo, tem milhões de seres pensantes, mesmo acriticamente.
     Segundo: uma extensão do primeiro, refere-se que o teor de suas propostas não deve ser uma extensão de suas visões pessoais.
     Terceiro: ela é ministra de Estado, e como tal deve ter noção dos requisitos éticos básicos exigíveis de sua ocupação. O teor da fala, publicada no Yahoo notícias de 26/01, pode produzir recrudescimento na cultura machista que já atrasa a vida dos brasileiros.
     Se temos que ter cautela nas análises críticas, que Damares - e demais colegas da equipe e até o presidente da República - se policiem ainda mais nas suas expressões, pois a ética social é o mais valioso reflexo de uma equipe de governo.

* Foi a única matéria relativa ao tema que consegui acessar na Folha. 



     


     

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Geosmina, a culpada

     Nesse momento em que a população sabe da água impregnada de geosmina, surge na rede a nova notícia: o composto é muito atraente ao Aedes aegypti.
     A notícia, divulgada pelo O Globo em 26/1/2020, trata-se de uma pesquisa desenvolvida em uma universidade da Suécia.
     De acordo com Nadia Melo, coordenadora da pesquisa, a geosmina atua como estimulante poderoso para a reprodução do mosquito transmissor de chicungunya, dengue e zika.
     Seria a citada substância um afrodisíaco? Não como pensamos, diz o estudo.
     Melo acrescenta em seu estudo que o Aedes percebe a geosmina como sinalizador de haver rica disponibilidade de alimento para as larvas. E daí, o fato a estimula a pôr os ovos em água
     O alimento das larvas são microorganismos. Embora normais mesmo em água potável, eles abundam muito em águas contaminadas por esgoto e outros resíduos orgânicos.
     A cientista alerta que, embora a geosmina resulte de ação microbiológica no solo, não há por parte da pesquisa intenção de apontar qualquer toxidade desse composto ao organismo.
     Órgãos como a OMS e a Anvisa também não possuem registros toxicológicos relativos a esse composto isolado para a saúde humana.
     Mas, como demonstrado, esse composto representa um nutriente aos microorganismos de que as larvas do Aedes (e outros mosquitos) se alimentam.
     Além disso, a substância na água pode entrar facilmente em contato (químico e físico) com poluentes como esgoto, chorume de lixo, baterias de eletrônicos e efluentes industriais.
     Dessa forma, a geosmina não é tóxica, apenas se torna um veículo microbiológico em meio ao qual pode haver eventuais patógenos oportunistas.

     Spoiler final: a coitada da geosmina é como o PT: causa pânico e mesmo não trazendo em si risco à saúde, se torna a culpada de tudo. :)
     

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/nenhuma-substancia-no-mundo-atrai-estimula-proliferacao-do-aedes-aegypti-como-geosmina-diz-universidade-sueca-24212100

domingo, 26 de janeiro de 2020

A geosmina e o seu verdadeiro produtor

     Em mais de duas semanas deste mês de janeiro, recorrem notícias relativas à água alterada do rio Guandu que tem saído das torneiras com odor e sabor terrosos, e em alguns lugares, com cor marrom-amarelada.
     Análises noticiadas apontam polêmicas quanto à origem da alteração da água, mas nota-se unanimidade entre diferentes mídias e autoridades: a constatação da presença de geosmina na água.
     Mas, bem, o que é geosmina? Que organismos a produzem? Eles podem prejudicar a saúde? É complicado entender isso? Não. Vamos por tópico.
     Etimologicamente, o termo geosmina significa "perfume da terra", em grego. É um composto orgânico aromático, de molécula álcool bicíclico, derivado da reação da água com o composto decalina, presente no solo.
     A geosmina é solúvel em água, o que favorece a sua disseminação em cursos d'água com as chuvas.
     Não há relatos na literatura que apontem toxidade da geosmina à saúde humana, nem controle do Ministério da Saúde à substância. O que tem sido dito pela Cedae e pelas mídias.
     As mídias e a Cedae têm atribuído a produção da geosmina às cianofíceas. Mas o que são as cianofíceas?
     As cianofíceas ou cianobactérias, são um grupo de bactérias fotossintéticas. São o mais antigo grupo de organismos fotossintéticos da história da Terra, tendo surgido há perto de 3,4 bilhões de anos atrás.
     As cianoficeas respondem pela transformação da atmosfera do planeta, injetando doses colossais de oxigênio, gás que interferiu em numerosos processos químicos e físicos na água, nas rochas e no próprio ar. Agradeçamos a elas por existirmos.
     De vida livre, essas bactérias formam grandes colônicas verde-azuladas em corpos de água doce, salobra e salgada. Secretam seguidas camadas de carbonato de cálcio, a compor o estromatólito.
     Muitos estromatólitos por aí denunciam a antiguidade das cianofíceas. Embora bem menos abundantes hoje, elas ainda são comuns em águas bem iluminadas como na costa oeste da Austrália e muitas lagoas limpas por aí.
     O estromatólito é a grande evidência de como esses organismos são antigos. Embora mais restritas hoje, as cianofíceas ainda existem em relativa abundância em águas cristalinas, como a costa oeste da Austrália e lagoas limpas no mundo.
     Mas, a despeito da ênfase nas cianofíceas, não há ligação entre elas e a geosmina. Quem produz essa substância é o Streptomyces coelicolor, um fungo microscópico do solo. Ele produz a já citada decalina.
     Em período de calor úmido o S. coelicolor se reproduz muito banhando o solo de decalina, que reage com a umidade saturada (e ozônio). E vem o apreciado "cheiro de terra molhada": a geosmina.
     Sim, por sua natureza aromática a geosmina pode conferir o odor e gosto terrosos à água. Mas, conforme outros dados no artigo anterior, vale refletir se vale mesmo a pena dar ponto final a ela como causa das citadas alterações.
     Em tempo: vale refletir também se os profissionais das mídias têm consultado os profissionais adequados quando se trata do organismo relacionado à substância. E isso pode causar mais dúvida na confiabilidade nas análises da Cedae.    

     
     

sábado, 25 de janeiro de 2020

Cedae: reflexos de um genocida

     Neste mês, surgiram as primeiras reportagens sobre a possível contaminação da água abastecida à capital e adjacências da Baixada pela Cedae, a companhia estadual de água.
     A água abastecida vem do rio Guandu, de 106 km, que nasce da convergência dos rios Santana e Ribeirão das Lages, vindos da Serra do Mar, entre as cidades de Japeri e Paracambi. Mais à frente está a estação da Cedae.
     Mais ou menos esparsamente tem surgido notícias de contaminação da água graças a relatos de mal gastrintestinal. O motivo ora era esgoto, ora um corpo boiando. Ou um surto de enterovirose.
     Mas havia aparente resolução rápida, pois logo se esvaíam os relatos de água turva ou males à saúde.
     O evento atual seria só mais um não fosse a soma de mal gastrintestinal, cor turva e sabor terroso muito divulgada pelas mídias. O que geraria muita polêmica de um lado e indignação e pânico no outro. 
     Nas redes sociais, textos de notas institucionais depois dadas como fake news. Nos comércios, estoques de água mineral encarecida se esgotam. Afinal, a galera precisa de saúde para continuar tocando o dia.
     Tais notas (supostamente da UFRJ e UERJ) diziam não haver comprovação entre o atual estado da água e queixas sintomáticas, levando alguns a acreditar em possível link psicossintomático.
     Mas, verdades ou não, todas as matérias apontam a geosmina, composto ligado a odor e gosto terrosos, inócua à saúde e atribuída às microscópicas cianofíceas - tema a ser tratado no próximo artigo.
     Mas, com a continuidade dos relatos de mal-estar gastrintestinal, entra o O Globo com fotos aéreas da área da estação exibindo as águas da lagoa poluída e do rio juntas. 
     No centro da mixórdia, o governador Wilson Witzel, que nomeou novo presidente da Cedae que demitiu 54 profissionais experientes envolvidos nas análises regulares de potabilidade.
     Sem explicar a demissão, Witzel continua a promessa de resolução do problema em uma semana, que se multiplica por quase três. Para ele, "a Cedae privatizada terá mais qualidade nos serviços".
     Denuncia-se possível substituição por pessoas sem a devida qualificação, o que explicaria a denúncia de falta de análises regulares. Não há provas concretas disso, mas...
     Nesse sentido, a total falta de transparência sobre as demissões e na gestão da crise hídrica pelo menos fazem o bem de revelar à população fluminense mais um reflexo da necropolítica de Witzel. 
     Não bastam as balas "perdidas" ou achadas, tem que vir a água suja também.
     
      
     

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Alvim "nazista": ousadia ou revelação?

     Nessa semana foi noticiada a demissão do secretário especial de Cultura Roberto Alvim. O motivo foi Alvim em vídeo, parafrasear um famoso dizer de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista.
     A notícia foi largamente divulgada pelo telejornal vespertino Jornal Hoje em 17/1. 
     Bolsonaro alegou em público tê-lo demitido em função da apologia do nazismo, negada por Alvim, que disse ter achado a frase inspiradora para a visão do atual governo sobre a arte.
     Mas, quem é Roberto Alvim? O que tornaria um nome aclamado na dramaturgia para ser bem visto por Jair Bolsonaro?
     Roberto Alvim é nome artístico do carioca Roberto Rego Pinheiro, nascido em 1973 e formado dramaturgo pela Casa de Artes Laranjeiras (CAL), no bairro do mesmo nome.
     Foi diretor do Teatro Ziembinski e co-fundador do Club Noir de São Paulo. Este clube foi fechado quando ele foi convidado por Bolsonaro para presidir a Funarte.
     Ainda à frente do Club, contraiu um tumor intestinal, extirpado em cirurgia. Considerou a notícia de cura um milagre e se tornou terrivelmente cristão - perfil que atraiu Bolsonaro, que o convidou para presidir a Funarte e, depois, a Secretaria Especial da Cultura.
     Nas duas direções não fez nada senão viralizar na internet com suas pérolas fatalistas sobre certos gêneros musicais e a fatal paráfrase. A proposta de arte nacionalista? Nem escreveu.
     Assim como o colega atual da Funarte viralizou ao dizer que rock e funk são "satânicos" por "incitar ao sexo [...], ao aborto", com largo apoio de Marco Feliciano, Alvim viralizou com a paráfrase a Goebbels, única nota escrita sobre a tal arte nacionalista.
     Quando a coisa bombou nas redes sociais, Alvim correu para justificar que não foi levado por simpatia ao nazismo, mas por inspiração "romântica" na frase.
     Embora seja verdade o caráter fatal da paráfrase como gota d'água para a demissão, muita calma nessa hora: gota d'água não é a causa obrigatória. Complicado? Não.
     Roberto Alvim já estava demissionário ainda quando da paráfrase. Foi divulgado pela mídia que ele sorria ao receber carta de demissão, levando à interpretação geral de ousadia do agora ex-secretário. Mas....
     A despeito da mídia ter divulgado a nota governamental pela qual "não tolera extremismo de qualquer forma", é bom saber que Bolsonaro e Hitler partilham características em comum.
     Racismo, LGBTQIfobia, porofobia (aversão aos pobres), cristocentrismo, cristofascismo, intolerância religiosa, anticomunismo extremo, pseudomoralismo, anticiência, políticas de extremos, ambição de guerra e autoglória são destaques.
     Não é mera teoria: em numerosos momentos em 1 ano de governo, essas características se ressaltaram através de declarações do presidente, propostas aprovadas e práticas políticas em andamento.
     Hitler se inflava em muitos discursos e gestos eufóricos levando multidões à catarse. Aqui, Bolsonaro faz o mesmo, insultando qualquer um diferente, recebendo aplausos fervorosos.
     Hitler culpava os judeus, comunistas, intelectuais e LGBTQs pela estagnação da economia e da moral alemãs. Bolsonaro culpa os artistas, os das esquerdas e os LGBTQs pela mesma crise.
     Os seguidores de Hitler praticavam violência gratuita contra quem fosse de qualquer dos grupos-alvo; os "bolsominions" fazem o mesmo, e ganham novos alvos: os músicos de rock e funk (incluindo aqui rap e hip-hop, "tudo funk").
     Enfim, com tantos e outros apontamentos não postos aqui para não alongar demais o texto, a conclusão mais aceita será a de que a paráfrase de Alvim a Goebbels serviu para revelar qual é a personalidade do governo e do presidente e família.
     
     
     
     
     
     
     

domingo, 19 de janeiro de 2020

Escola do Rio e livros: descarte ou descaso?

     O Jornal Extra on-line de 16/1/2020 publicou notícia sobre uma escola carioca localizada em Santa Tereza que havia descartado várias caixas de livros. O fato barulhento despertou a atenção da vizinhança.
     Jogadas de janela do terceiro andar do prédio, as caixas foram destruídas pelo impacto, no chão de um ginásio vazio, mostrando grande quantidade de conteúdo.
     A maior parte fora previamente picotada, mas havia um ou outro quase inteiro revelando, entre outros temas, clássicos de nossa literatura, como A Moreninha.
     Foi feito um vídeo de catadores de cooperativa de recicláveis recolhendo os restos. O vídeo foi enviado à imprensa.
     Indagada, a diretora alegou dois motivos do descarte: os livros estavam em péssimo estado, e a biblioteca foi desativada pelo risco de ser atingida por uma rocha no morro com as fortes chuvas.
     Tal alegação faz sentido, visto que esporos de mofo e ácaros podem causar alergia durante o manuseio, e eventuais danos estruturais no prédio poderiam causar uma tragédia.
     Ao ter ciência do fato, o secretário de Educação municipal estranhou o descarte se prévio relatório com lista de livros e os motivos a ser enviado à entidade, e prometeu sindicância.
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     A notícia resumida acima objetiva a reflexão no sentido de mostrar a educação como tema no cerne das discussões no atual contexto sociopolítico.
     Foi na diretiva educacional que surgiu o popular Escola sem Partido, na acusação de que os docentes seriam do PT e estariam "doutrinando" os alunos para "impor o comunismo". Sem provas, claro.
     Criado por um nome da bancada da bíblia, o projeto objetiva a proibição ao docente de falar sobre política, em suposto "respeito às convicções ideológicas e religiosas dos alunos". Assim, o docente "rebelde" seria punido ou demitido.
     Com o crescente número de apoiadores na população, o Escola sem Partido acabou caindo num debate da comissão de educação da Câmara dos Deputados, em 2017. Ficou nisso.
     Todavia, alguns prefeitos o adotaram para suas escolas, agradando àqueles que os elegeram. Em Vassouras (RJ), relata-se que professores de biologia e geografia teriam sido vetados de ministrar sobre evolução e política.
     No citado ano, uma importante parcela da sociedade apoiou o projeto. Era uma maioria de populares de fé evangélica e outra bem menor, mas abastada e dominante, não praticante dessa fé necessariamente.
     Foi essa parcela somada que elegeu Bolsonaro para presidente da República e a retomada do assunto no Congresso, gerando movimentos da oposição que acusavam de censura ao diálogo em sala de aula.
     Como o Rio de Janeiro foi um dos Estados que mais pesaram na eleição de Bolsonaro, não surpreendem os casos acima, mesmo sem confirmação.
     E não seria de se admirar se houver, hipoteticamente, a revelação de que o caso reportado acima tivesse sido movido de fato pela ideologia distorcida e cristocêntrica que quer implantar a mordaça na educação. Quem sabe.
   
     
     

sábado, 11 de janeiro de 2020

2019 e a anomia: 2020 seguindo


     Brasil: Jair Bolsonaro eleito presidente, após intensa campanha centrada em segurança do "cidadão de bem" via porte de arma.
     Rio de Janeiro: Wilson Witzel eleito governador após campanha de apoio a Bolsonaro e pregar "tiro na cabecinha" a quem tiver fuzil em mãos.
     São Paulo: João Doria é eleito governador após campanha muito parecida com a de Witzel, mas sem a famosa frase "tiro na cabecinha", que virou pérola do colega fluminense.
     O primeiro propôs a aquisição de arma pelo cidadão com laudo de boa aptidão psicológica ou psiquiátrica. O que já era previsto no Estatuto do Desarmamento.
     Na real: aquisição de arma por mérito legal saiu caro - mais de 4000 reais, em média. Bem abaixo do boom esperado pela trilhardária estadunidense Taurus.
     O segundo foi mais direto e pragmático: helicópteros sobrevoando nas favelas com snipers a tiracolo acertando em especial não brancos e pobres, alguns deles crianças.
     Spoiler: notícia de mais uma criança morta, não branca e pobre, por bala perdida, em zona periférica do denso e quente Rio de Janeiro. Resta-nos saber quem "perdeu" essa bala.
     O terceiro fez quase idêntico, mas sem falar os famosos snipers, também do citado colega. Paraisópolis e Higienópolis que o digam.
     Como se vê, há algo muito em comum entre eles: o inimigo interno que é o povo em toda a sua diversidade étnica, cultural, religiosa e até linguística.
      Com as declarações de Bolsonaro antes das eleições, o poder das milícias se expandiu para a zona norte, parte da Sul e Baixada, e agora dominam praticamente todo o Estado.
     Mas há milícias em outras regiões brasileiras, infiltradas em outros grupos como garimpos, madeireiros e até PMs. No campo, como pistoleiros de latifundiários ou grileiros.
     Nascido em SP, o PCC se revela igualmente mais forte, com núcleos pipocando em todas as cadeias por aí, mesmo com nomes regionais.
     Mídias impressas e online noticiam diariamente cidadãos de bem perdendo a razão por um real faltante, pelo vizinho ouvir som alto ou ser LGBT; pela recusa da ex-mulher em reatar o relacionamento ou por causa de um bolo não muito bom na festa.
     Dos crimes de ódio, ganharam destaque em 2019 os contra a mulher. Feminicídio e estupro foram cometidos sobretudo por ex-pares inconformados e pais e religiosos, a maioria impunes: Bolsonaro e seus asseclas deram de ombros.
     Outros alvos do ódio são os indígenas, que para Bolsonaro "impedem o progresso". Ele tem projeto de entregar as reservas para exploração mineral e biológica. Para tanto, matar os líderes é "um caminho mais rápido".
     Embora os crimes ambientais sempre existissem, nunca houve antes tamanha destruição e impunidade como em 2019. O IBAMA e o ICMBio foram impedidos pelo próprio governo, enquanto índios eram assassinados e brigadistas, presos.
     Os mesmos órgãos que, agora, Bolsonaro 3 quer que interfiram no trágico caso da Austrália. Tudo marketing barato para disfarçar a imbecilidade: os citados órgãos não têm nada a ver com qualquer outro país.
     Saúde, educação, ciências e cultura sofreram duros golpes. Nas três últimas o aparelhamento dos órgãos substituiu pérolas premiadas lá fora por incentivos a filmes gospels e criminalização de universidades públicas e certos tipos musicais por motivações estapafúrdias inventadas.
     Tudo isso (e muito mais) marcou 2019 como o ano da celebração da anomia. E tudo indica que 2020 não será nada diferente. A coisa pode até esquentar.
     
     

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O que anticiência e pseudociência têm em comum

     Nos últimos anos circulam notícias cada vez mais frequentes sobre movimentos sobre os ataques aos resultados de pesquisas em universidades e órgãos avançados. 
     Tais movimentos, segundo as matérias, mostram a sua força através da disseminação pelo mundo, não se restringindo apenas a países mal educados como o Brasil.
     São dois tipos básicos, os pseudocientíficos e os anticientíficos, que podem parecer a mesma coisa para os desinformados, mas em verdade têm suas diferenças.
     A pseudociência não tenciona confrontar os dados científicos, os usa para inferir e explicar suas bases em teorias místicas. Fundamentada em horóscopos, a Astrologia é a mais popular e mais antiga, usada no sincretismo religioso brasileiro.
     Também são pseudociências publicações místicas com dados da física quântica, visando a autoajuda na saúde física e psicológica e na fé em si mesmo, na tese de que "somos todos pura energia", para "melhorar o fluxo energético do espírito".
     Surgidas nos anos 1960 na onda da contracultura em discordância com a Guerra do Vietnã, a citada mística retorna à voga com os "coachs quânticos" e até a possível "religião quântica". Criação ocidental com influências orientais.
     A física quântica é um ramo da Física que trata dos fenômenos microcósmicos da molécula às partículas subatômicas tendo, entre outros nomes, Niels Bohr como um dos fundadores.
     É bastante compreensível que as pseudociências encontrem hoje muitos fiéis, como forma de achar soluções "mágicas", tal como nas religiões, de enfrentar as dificuldades várias como solidão, individualismo, pobreza, doença e falta de paz interior.
     A anticiência nega conspirando contra a ciência tradicional. Movimentos terraplanistas, antivacinas, antimarxistas distorcidos, pró-tabaco e negacionistas climáticos são exemplos típicos, entre outros, espalhados no mundo.
     No Brasil, o ícone é Olavo de Cavalho, um Youtuber que tem no Brasil Paralelo um canal anti-história seguido pelo Eduardo Bolsonaro e seus fãs para "reaprender a História". A sua desmentida retórica "nazismo é de esquerda" tem muita simpatia entre bolsominions.
     Filósofo sem ser, astrólogo e médico sem formação, Olavo é o guru da equipe do governo Bolsonaro. Daí podermos entender porque o Brasil está nesse rumo.
     Interessante que tais contestações da ciência não sejam tão recentes assim, elas têm legado mais antigo: há 1 século o próprio Borh prudentemente criticara o materialismo científico.
     Mas, enfim, o que têm em comum a pseudociência e a anticiência, a despeito de serem tão diferentes em alguns pontos? 
     Não é complicado: trata-se de confrontar a ciência de algum modo. Se uma parte nega, a outra dá um toque metafísico à tradição tida como materialista e mecanicista. E é interessante que nomes conceituados da ciência como Deepak Chopra e Fritjof Capra critiquem o caráter materialista.
     Mas não podemos julgar Chopra e Capra como pseudo ou anticientistas. Eles apontam que sem os tabus preservados em alguns pontos a ciência pode ser mais elástica. Já os dois últimos, diferentemente, a alteram ou deturpam sem nenhum fundamento sério.
      

domingo, 5 de janeiro de 2020

O livro didático à la Jair Bolsonaro

     Com 2019 prestes a fechar as cortinas, o presidente Jair Bolsonaro disse pretender fazer uma verdadeira revolução educacional.
     Isso após antes rotular o patrono da Educação brasileira, Paulo Freire, de energúmeno.
     Sabemos que tal notícia pode ter sido uma cortina de fumaça para encobrir notícias como as relativas ao seu possível impeachment, ou políticas que pretende impôr futuramente, mas é impossível escapar da análise a essa pérola.
     Além das aberrações do ministro Weintraub, a nova proposta educativa de iniciativa do presidente, logo após se autoproclamar patrono da educação substituindo Freire, repousa em novo livro didático.
     Em grotesca tentativa de alegar a sua consideração de que a pedagogia de Freire "deseduca", ele declarou que os livros atuais "têm um amontoado de muita coisa escrita". Redundante.
     Claro que a declaração caiu na graça dos criadores de memes que se propagam como praga nas redes sociais. Os principais incluem exemplos de "livros do presidente" sem nada escrito.
     Pode parecer bobagem escrever alguma análise nessas linhas, mas em verdade há sentido na situação, e alguns tópicos básicos podem explicar:

  • O projeto Escola sem Partido, nome popular de uma proposta de lei que dispõe de inibir a iniciativa dos professores na abordagem de assuntos sobre política, "em respeito às convicções políticas e religiosas de cada aluno". Pela proposta, os alunos poderiam filmar os docentes para fins de denúncia.

     A alegação para a proposta acima, cujas primeiras discussões no Congresso surgiram em 2017, foi a de que durante os governos petistas os professores fizeram "doutrinar" os alunos politicamente, o que não corresponde à verdade.
     Os professores negaram tal conduta alegando não haver tradição de educação política e que, quando é possível abordar o tema, a intenção é o debate para fins de conhecimento.
     Além disso, eles apontaram que o debate político, quando ocorre, não entra em tema de cunho religioso, que é pauta do Ensino Religioso, por sua vez uma disciplina facultativa, daí muitas escolas não a adotarem.
     E por último, a proposta de filmagem, do ex-ministro Ricardo Vélez, incentivaria a afronta entre professor e aluno, além de promover perseguição política gratuita culminando em demissão dos professores da rede pública.

  • Revisionismo em História: o ensino de história tem sido atacado por Bolsonaro em especial quanto à abordagem da ditadura militar, daí o mesmo ter insinuado tempos atrás sobre o "revisionismo" ou, se impossível este, omitir os aspectos negativos do período. 

     Como entre os professores de História há muitos especialistas na área, aponta-se não ter por que revisar a história do regime militar ou omitir-lhes os pontos negativos. Os fatos mostrados já são sobejamente conhecidos, com inúmeras provas. A omissão dos fatos negativos, por sua vez, representa censura, afrontando a política educativa democrática.
     Aproveitando a onda, o deputado pastor Marco Feliciano propôs revisionismo em Ciências e em Biologia, de modo a inibir conteúdos sobre aparelho reprodutivo e contracepção, bem como impor o Criacionismo como teoria da origem da vida, confrontando a evolução darwiniana.
     Professores dessas áreas se opuseram, claro, explicando que Criacionismo não é teoria científica e que está no escopo religioso. Sobre reprodução e contracepção, há relatos de livros com páginas grampeadas nessas para se omitir o tema no ensino. Uma ilegalidade.
    Quanto à recente declaração de Bolsonaro sobre o suposto excesso de conteúdo, a alegação pode residir na falta do hábito de leitura dos estudantes. Apesar da veracidade do problema em si, a coisa pode mudar.
    Pois, dada a impopularidade crescente do governante, é possível que a declaração surta exatamente o efeito contrário. Afinal, a declaração de Bolsonaro prova q ele não lê nadinha de nada de nada mesmo.
     Segundo um provérbio popular, "cabeça vazia é oficina do diabo". Exatamente a cabeça do presidente.
Uma guerra onde todos são vilões

     Nesses dias, o general Kassem Soleimani, do Exército do Irã, foi assassinado pelas forças dos EUA de uma das suas bases no Oriente Médio.
     De imediato, a notícia foi como um soco no olho do governo e do povo iranianos. O militar em tela era tido como herói nacional, cujo velório foi feito por uma massa enorme de gente.
     Com familiares, a filha de Soleimani, à frente do velório, encontrou-se com o aiatolá Ali Khamenei, autoridade máxima do país, e a cúpula do governo, já propondo uma retaliação aos EUA.
     Em resposta, o presidente estadunidense Donald Trump fez ameaças em caso de retaliação do Irã, que recebeu apoio imediato da Rússia e da China, potências militares de ponta.
     O Brasil, via Jair Bolsonaro, postou apoio incondicional do Brasil aos EUA. E, conforme publicação no O Globo de ontem, deseja que todos os homens reservistas entre 18 e 38 anos se alistem nas Forças Armadas para "a missão".
     Resta saber como, dada a precariedade extrema nas casernas, seja de material bélico, seja de experiência (e de disposição) para guerras de grosso calibre.
     Uma sirene silenciosa tocou nas cabeças do mundo todo, junto a uma enxurrada de notícias, conspiratórias ou sensacionalistas, que aumentam a expectativa coletiva ante à iminência de uma guerra internacional.
     Mas, por que tal assassinato? Uma pergunta para muitas respostas hipotéticas possíveis, em tópicos, destacando-se algumas delas e considerando-se os dois lados da moeda.

  • A simpatia dos iranianos a Soleimani se liga ao histórico do militar contra os curdos, que sofrem perseguições também nos outros países com partes ocupadas pelo Curdistão (Síria, Iraque, Turquia, Armênia), contra a Arábia Saudita e na guerra Irã-Iraque (1981-89). Suspeita-se de sua participação num ataque na Argentina nos anos 1980;
  • Os EUA têm importantes aliados na América Latina e no Oriente Médio, onde tem bases militares;
  • O Irã anunciou a descoberta de um campo gigante de petróleo. O anúncio foi citado mais ou menos imediatamente antes do assassinato.
  • Governados por republicanos ou por democratas, EUA têm histórico de conflitos com o Oriente Médio sempre que "coincide" com uma descoberta de campo gigante de petróleo na região-alvo ou adjacências, ou ataca perto de uma plataforma ou navio-plataforma.

     Certamente há outros motivos, não postados aqui para não tomar muito espaço neste texto. Talvez nem precise, bastando a informação e a reflexão das informações citadas. Foram citadas as mais relevantes no momento imediato.
     Mas, a intenção de enumerar as hipóteses é repassar a mensagem de que entre os EUA e os países do Oriente Médio (exceto aliados Israel e Arábia Saudita) se opera uma "guerra fria" há décadas, e de que não há mocinhos entre as partes protagonistas, nem mesmo entre os seus apoiadores. Todos são vilões.




   

sábado, 4 de janeiro de 2020

A maquiagem da pós-verdade

     Vivemos hoje constantemente bombardeados por todo tipo de informação, especialmente reportagens de todo canto. No conforto de um smartphone vemos muita coisa do outro lado do mundo.
     A imprensa sempre destaca fatos do tema principal do momento. Mas, o que mais tem nos tem chamado a atenção não é o fato em si, mas as inúmeras versões criadas do mesmo. Mas uma delas termina eleita como idônea, não importam as dúvidas sobre sua veracidade.
     A sua "confirmação" de acertada assim determinada caracteriza a pós-verdade, o que se torna uma armadilha aos desinformados, ingênuos e os com preguiça de pesquisar e refletir.
     Mas também considero relativamente compreensível que desavisados ou mal instruídos não pesquisem, visto que a pós-verdade não se emprega às mentiras habituais e invencionices como as associadas à eleição e ao governo de Bolsonaro.
     Os temas mais férteis armadilha são os relacionados à política. Há anos ela se percebe em títulos seletivos. Como exemplo, FHC "recebeu mimo" de empresários, e Lula "recebeu propina" dos mesmos (durante seus respectivos governos), segundo as grandes mídias.
     A Lava-Jato ainda é divulgada pela grande mídia como exemplo efetivo contra a corrupção com recuperação de grande soma de grana desviada. E agora vem sendo dada como forma de afastar Lula da política, ineficiente na recuperação da grana.
     Sobre atos do governo Bolsonaro, a grande mídia vem usando a estratégia da cortina de fumaça, enfatizando em letras garrafais notícias estranhas. Bastante esperto, o presidente aciona a escalafobética Damares Alves a lançar suas sandices para distrair a geral.
     Com as distrações, foram lançados decretos e MPs imorais, PECs destrutivas de Guedes, escolas cívico-militares, perdões a dívidas dos ricos e à grilagem de terra, genocídios de índios e pobres, devastação ambiental, etc., e o presente apoio a Trump na guerra ao Irã.
     As fake news, notícias de teor distorcido ou calunioso, decidiram na eleição de Bolsonaro. O conjunto somado aos atos já citados o tornou o presidente mais mentiroso da nossa história republicana. Principal alvo, o PT comandou a petição para a recente CPI das fake news.
     A crença dos fãs mais ardorosos ocorreu graças à tática de "uma mentira contada muitas vezes se torna verdade", bem articulada por Steve Bannon, que fez o mesmo para a eleição de Trump em 2016.
     Mas não foi a automação tecnológica a criadora da pós-verdade. A grande mídia já é velha manipuladora de notícias, às vezes para driblar a censura, como a do atentado a israelenses na olimpíada de Berlim, do atentado no Riocentro e as cirurgias de Tancredo Neves.
     É possível concluir que a pós-verdade mais revela sobre o caráter da mídia do que sobre o fato em si. Enquanto este gera eterna dúvida das causas e do como ocorreu, a certeza é a de que a grande mídia constrói "verdades" através da elite empresarial, financeira e rural.
   
   

CURTAS 74 - ANÁLISES (natureza x privataria; desserviço de religiosos)

  Natureza: omissão e privataria              Que as políticas para estancar a veloz progressão da mudança climática valem para o mundo todo...