Diante de inegáveis números alarmantes de gravidez na adolescência no Brasil, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, recentemente falou sobre a sua proposta de abstinência sexual nos primeiros anos da adolescência.
É compreensível a iniciativa, à primeira vista e aos que não apresentam um senso crítico.
Para justificar a sua política, Damares disse que "a vagina de uma menina de 12 anos ainda não está preparada para ser possuída".
A consequência mais imediata foi cair nas redes sociais, uma vez que nesse mundo conectado, as mídias noticiosas de massa têm seus canais no Facebook, Youtube e WhatsApp, nas quais são divulgadas e acessadas em tempo recorde.
A ministra emendou uma resposta às críticas: "se provarem que vagina de menina de 12 anos está pronta para ser possuída, paro de falar". Resultado? Mais bombardeio crítico ainda.
Antes da análise crítica deste blog, vale fazer alguns apontamentos prévios sobre a proposta de abstinência da ministra.
Ela não é inédita. A ministra teria se embasado em supostos estudos científicos nos EUA e no Chile segundo os quais haja eficácia. Mas não há comprovação disso, a ciência contradiz a fala da ministra.
Jamil Chade, no Uol de 29/1, cita a OMS segundo a qual abstinência em si não é efetiva, vê DSTs, HIV-SIDA e gravidez precoce como problemas morais e não de saúde pública, e não contempla variáveis sociais mais amplas e complexas.
Entre essas variáveis estão a questão comportamental dos jovens e a falta de uma educação sexual que incite amadurecimento psicológico aos jovens para viver experiências responsáveis. E entre a maioria dos jovens há muita reprovação.*
Damares, porém, declarou no seu Twitter, linha governamental online, que a abstinência é uma ideia complementar, pois "ninguém vai deixar de oferecer preservativos".
Agora, o foco principal das críticas é como soou a declaração da ministra para justificar a sua política.
Entre os críticos mais notáveis foi o linguista Gustavo Conde, cujo artigo foi publicado no Brasil 247 em 26/01. Segue-se citação (adaptada para resumo):
"A fala de Damares Alves é uma monstruosidade [...]. Primeiro, ela objetifica uma criança de maneira assustadora. Fala em 'vagina'. Segundo, usa o verbo 'possuir' dando um sentido místico à violência sexual. Terceiro: transfere ao macho adulto a portabilidade da referência moral para se decidir se uma criança deve ou não fazer sexo [...]. Quarto: não cita os meninos de 12 anos que sofrem quase tanta violência sexual quanto as meninas - ela enquadra, portanto, até a violência sexual sob a lente homofóbica de sua pasta [...]".A supervalorização do macho adulto em relação à menina objetificada expõe o arcabouço de valores sexuais em que a ministra foi inserida. Daí tamanha necessidade de cautela em analisar criticamente a sua postura.
Filha de pastor evangélico, Damares sofreu os abusos cometidos por pastores de sua própria igreja, antes dos 12 anos. Um dia, cansada, subiu numa goiabeira na qual teria visto Jesus. Nesse universo tão marcado pela dedicação à sua fé, virou pastora.
Tinha vontade de ser mãe. Adotou uma índia ainda bebê, o que causou polêmica nas redes sociais, e notícias sobre acusações de sequestro de bebês indígenas. Hoje a geral esqueceu disso, mas também não houve desmentidos online a respeito.
Talvez o trauma da vivência sexual absurda a tenha levado a nunca se casar: sexo se tornou sujidade. Nada mais compreensível. Sem educação digna, nem a ajuda profissional adequada tão necessária, sua psique aprendeu a processar os fatos basicamente na distorção dos valores de sua fé.
Talvez nessa conjuntura entendamos que, por trás do absurdo aparente na proposta, reine a boa intenção de estender a mão ao outro, se não recebeu a sua parte. Mas, sempre há poréns nessa vida.
Primeiro: boa intenção não é tudo; cada cabeça é uma sentença por mais homogênea que seja uma nação. E o Brasil, além de ser um dos locais mais diversos do mundo, tem milhões de seres pensantes, mesmo acriticamente.
Segundo: uma extensão do primeiro, refere-se que o teor de suas propostas não deve ser uma extensão de suas visões pessoais.
Terceiro: ela é ministra de Estado, e como tal deve ter noção dos requisitos éticos básicos exigíveis de sua ocupação. O teor da fala, publicada no Yahoo notícias de 26/01, pode produzir recrudescimento na cultura machista que já atrasa a vida dos brasileiros.
Se temos que ter cautela nas análises críticas, que Damares - e demais colegas da equipe e até o presidente da República - se policiem ainda mais nas suas expressões, pois a ética social é o mais valioso reflexo de uma equipe de governo.
* Foi a única matéria relativa ao tema que consegui acessar na Folha.