sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Reflexão: 2021, um ano muito desafiador


        O final de 2021 nos chama para nossas introspecções. Tanto em nível subjetivo (voltado para nós mesmos) quanto no objetivo (voltado à compilação analítica da série de fatos do ano).
        Ainda que a autoanálise subjetiva exija total introspecção, vale apontar que cada um de nós compartilha do testemunho de fatos em comum que diretamente nos atingiram, ao ponto de sermos desafiados em nossas resistências e mesmo em nossas existências pela compressão crescente dos fatos que jamais imaginaríamos vivenciar.

Um ano de mortes e mentiras- Testemunhamos tantas famílias em incessantes lágrimas por perdas que julgamos evitáveis, até que a morte bateu em nossas portas, mesmo mesmo por outras causas que não a C19, maior protagonista do terror que nos tomou de assalto. 
        Entre as milhares de vítimas fatais da C19, muitos negacionistas. Sim, muito mais em nome de uma ideologia baseada na desinformação e na anticiência, muitos fecharam os olhos para a dor dos familiares que, em nome da autopreservação, evitaram a barca, mas pagaram ingresso. Esse se tornou o momento em que a eles nos unimos quando a morte também bateu em nossas portas, mesmo por outras causas.
        Essa união ocorreu até nas notícias das muitas mortes de famosos, como o recente caso do cantor sertanejo Maurílio, por mal súbito e choque séptico aos 28 anos, segundo as reportagens, e a anterior, de Marília Mendonça, por acidente aéreo. E casos anteriores, como Tarcísio Meira, de C19 mesmo após vacinação com reforço.
        Aliás, vimos como o caso Tarcísio Meira serviu de oportunismo aos propagadores de fake news. A própria morte de Maurílio terminou sendo alvo de mentira propagada por gente da família Bolsonaro, a de que o mal súbito teria sido devido à vacinação contra a C19 e o choque séptico, por contaminação na vacina.
        Um ano de choque- De diversas formas, esse ano nos proporcionou choques emocionais e, para muitos, de realidade. Em termos de falsidade, vimos o continuar da insanidade, com fugas de nomes ligados ao Gabinete do Ódio em diáspora pelos EUA, paga com grana pública, para não serem presos a mando do STF.
        Foi um choque percebermos como o governo nada fez para conter o esparrame da C19. Muito pelo contrário, ele fez tudo para piorar. Foi quando aprendemos que a C19 é uma sindemia, doença que tem sua gravidade potencial turbinada por vulnerabilidades como idade, comorbidade, classe social, vida habitacional-trabalho-nutricional, etc.
        Mais do que a C19 em si, nos chocou a má conduta social, apesar dos informes profiláticos como uso de máscara e álcool gel, higiene e distanciamento social: mais por terem seguido o guru Bolsonaro com suas falsidades descaradas do que por "rebeldia natural". 
        As falsidades do Gabinete do Ódio impuseram o terror, tanto na saúde pública, maximizando o garrote nos recursos públicos e a mortandade em março e abril, com quase 200 mil mortes, quanto na política, para que o presidente mantivesse a popularidade em alta, mesmo com sua conduta antipovo. 
        Como se não bastasse, só na saúde pública, o garrote teve até outros meios sujos, que seriam a posteriori revelados na CPI da C19, tornada então a principal fonte da queda livre da popularidade do presidente da República. 
        Ainda vimos o governo agir impune com mentiras e audácias, com o Centrão e PGR coniventes e poucas vozes contrárias, aprofundando a crise ética, social, política e institucional, maximizada na indiferença à vacinação de crianças de 5-11 anos e às vítimas climáticas no interior da Bahia.
        Vale ressaltar que a mentira em torno do cantor Maurílio foi usada como mote para desmotivar o público em relação à vacinação infantil contra a C19. 
        Mas, vimos também que tudo isso possibilitou oportunidades fortuitas e positivas.
        
Em meio ao caos, ventos fortuitos- 2021 foi o ano em que, mais do que nunca, as mentiras perderam muito do antigo espaço, sofrendo mais cortes nas redes sociais: muitos usuários tiveram seus perfis banidos, alguns deles para sempre. Graças às ferramentas de checagem, que podem advertir os usuários no momento da publicação.
        Mas vimos que o governo não se cansa de criá-las e requentá-las nas suas páginas. Algumas delas foram discursadas em eventos internacionais como G-20, assembleia ONU e encontros do clima, nos quais o presidente da República nos deu vergonha nível hard diante de autoridades que sabem mais do que nós sobre o nosso país.
        A classe temática mais falsamente explorada nesses eventos é a ambiental. Em cadeia de TV e mídias on-line, vimos Bolsonaro discursar factoides de imediato desprezados pelos presentes que saíam dos auditórios e logo em seguida desmentidos por cientistas renomados, analistas ambientais e até pela mídia.
        Sabemos que neste ano batemos recordes de desmate por vários meios, não só na Amazônia; que opera uma frente política, empresarial e religiosa contra os povos originários e tradicionais; e que tudo isso gerou um estudo a apontar o Brasil como o principal vilão socioambiental e climático do planeta, o que tem gerado desafetos diplomáticos e preocupações em escala global.
        O que valeria denúncia enviada ao Tribunal Penal Internacional, tendo em anexo pesquisa recente, baseada em fontes institucionais globalmente reconhecidas, sobre as consequências da ação humana destrutiva sobre o contexto socioambiental global. Foi aceita pelo TPI por configurar crime contra a humanidade.
        Denúncia essa que corrobora as anteriores já entregues pela mesma categoria de alegação. E, em paralelo, os ventos fortuitos também ocorrem no Brasil em meio ao caos.
        Uma CPI poderosa- Foi a partir do fim de abril que veríamos iniciar uma queda da hegemonia da mentira induzida pelo Gabinete do Ódio governamental nos seus apoiadores. Foi aberta a CPI da C19. Inicialmente desacreditada, essa CPI mostrou a que veio: desmascarou o governo ao revelar os fatos macabros.
        Foi nela que vimos a indiferença e a psicopatia dos principais títeres do governo, Bolsonaro e Guedes, na gestão da C19 no país. Dezenas de recusas a ofertas da Pfizer e outras farmacêuticas de vacinas que poderiam transformar o Brasil na maior vitrine de vacinação do planeta, através do SUS.
        Vimos a CPI revelar a recusa do governo às ofertas de vacinas, as negociatas ilegais com vacinas e empresas inexistentes, testes nazistas em hospitais privados e o interesse de Guedes no alto lucro com o falacioso tratamento precoce, e convidar cientistas renomados para destruir fake news e mostrar o real perigo da anticiência para a saúde e a vida.
        Foi com essas revelações minuciosas, operadas em horas de interrogatórios, e nas explicações dos cientistas, que a CPI veio mudar em velocidade inaudita a visão e a conduta de milhares que correram atrás da vacinação em tempo oportuno, e ter um pouco de fé no tão depreciado e desinvestido SUS, que a partir de então passou a agregar mais contrários à sua privatização.
        E não ficou só nisso. O relatório final da CPI da C19 ainda foi base para uma nova petição que foi enviada ao TPI, que a aceitou como denúncia de crime contra a humanidade - categoria de crime que o relator da CPI, senador Renan Calheiros, quis acusar Bolsonaro, mas foi recusado em plenária.  
        STF- Vimos o STF dar alguns escorregões, mas também mostrar que não está morto. Os ataques de Bolsonaro em 7 de setembro renderam pedido formal de desculpas do mesmo, após fatos de veracidade duvidosa, exceto a transcrição da desculpa por Temer para socorrer o mandatário. 
        E o 7 de setembro foi apenas um dos fatos em que o STF fez revelar os covardes. Como Allan dos Santos, que fugiu para os EUA com tudo pago com grana pública, para não ser preso após decretada a sua prisão pela Corte. Por causa do STF, até Olavo de Carvalho, agora ex-guru do governo, saiu de um hospital onde estava para fugir à francesa, que nós soubemos.
        Nos decepcionamos com a absolvição da chapa Bolsonaro-Mourão pelo TSE pela alegada falta de materialidade para a condenação. Muitos antibolsonaristas torceram pela cassação da chapa, ainda que esta oportunizasse a posse de um determinado ficha-corrida, Arthur Lira, presidente do Centrão e da Câmara dos Deputados.
        Redução de apoio- Bolsonaro foi eleito mais pelos 42 milhões de abstenções, votos em branco e nulos, nessa ordem, do que pelos 36% de votos válidos, correspondentes a 57 milhões. O conjunto derrotou o petista Fernando Haddad, que teve aproximadamente 45 milhões de votos válidos.
        Ainda que a compreensão popular fosse superficial ou insuficiente, percebemos que a eleição de 2018 foi definitivamente atípica. Geralmente, num 2º turno, a tendência é a de o eleito tivesse mais de 45% dos votos válidos, como tem sido nos pleitos anteriores.
        Vimos que o atipicismo se explica porque, mesmo avisados, muitos de nossos conhecidos votaram nele. Por direito, pois assim é a democracia, mas por ter configurado voto de risco. Pois Bolsonaro defende abertamente as milícias e ofende mulheres, não brancos, LGBTQIA+ e classes populares. Mas, ouvimos: "é brincadeira dele".
        Mas, mesmo paulatinamente, a sucessão de fatos, muitos destes já expostos acima, além de outros não colocados para não delongar demais este texto, foi mostrando quem é Bolsonaro e seu séquito. E, por conta disso, várias pesquisas de intenção de votos revelaram a inevitável perda de apoio, piorada após a CPI e os últimos acontecimentos.
        Retorno de Lula- Preso em 2018 após julgamentos dos casos tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, o ex-presidente Lula passou cerca de 580 dias na cela da sede da PF de Curitiba. Sua prisão ocorreu no maximizar do clima antipetista que se construiu aos poucos no país desde 2013 e culminou na eleição da extrema-direita.
        Após os 580 dias, vimos Lula ser solto após lide de seus advogados e a valiosa vaza-jato do The Intercept então comandado por Glenn Greenwald - tão valiosa que ficou fácil revelar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução dos julgamentos que prenderam o petista. Parcialidade que terminou reconhecida pelo STF. 
        A reconquista dos direitos políticos e da liberdade não tornam Lula um santo, mas juridicamente inocente nos casos em que foi condenado, dada a conduta reiteradamente irregular de Moro, Dallagnol e outros. E o que viria a seguir, sucedendo-se às anulações deferidas pelo STF, é história que agora já sabemos, e hoje ele reconquista liderança absoluta nas intenções de voto.
        
        Mas, se tais ventos fortuitos mostram que nem tudo está perdido, nada nos tira a compreensão de que, na prática, 2021 foi um ano extremamente difícil. Não nos foi permitido relaxar um minuto. 2021 já dá seus últimos suspiros, mas deixa, para nós e ao futuro líder, desafios importantes para vencermos em 2022.
        Sim, 2022 será um ano de muitos desafios, isso com certeza, pois ainda veremos Bolsonaro e sua trupe à frente, completando ou não seu mandato; muitos sustos virão. Mas os ventos fortuitos que têm soprado podem nos dar excelentes oportunidades de mudança, por iniciativa nossa mesmo.
        Aqui fecho este artigo. Desejo uma feliz vitória nas lutas para tornar 2022 melhor!

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Imagens: Google (montagem pela autoria deste artigo). 

Notas da autoria

Para saber mais
- https://www.cnnbrasil.com.br/politica/o-brasil-nao-e-nem-nunca-sera-um-vilao-ambiental-afirma-mourao/
- https://www.brasildefato.com.br/2021/08/09/brasil-pode-ser-grande-vilao-da-diplomacia-do-clima-afirma-pesquisador-da-usp
- https://www.brasildefato.com.br/2021/11/11/relatorio-da-cpi-da-covid-embasa-nova-denuncia-contra-bolsonaro-no-tribunal-penal-internacional
- https://www.brasildefato.com.br/2021/10/12/bolsonaro-e-denunciado-pela-6-vez-no-tribunal-penal-internacional-relembre-todas-as-acusacoes

 

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