sexta-feira, 12 de abril de 2024

CURTAS 70 - ANÁLISES (democracias relativas)

 

Eleição popular sim, democracia não

            Há algum tempo, durante uma entrevista à imprensa, o presidente Lula fora indagado sobre o regime de governo na Venezuela. Ao negar ser um governo autoritário, ele explicou: “se há voto popular, tem democracia lá”, disse.
            O jornalista rebateu que eleição livre não é suficiente para afirmar uma democracia. E o presidente respondeu de boa, usando a questão conceitual: “mas devemos entender que há democracia relativa”. Causou.
            A grande mídia criticou o relativismo do presidente. Congressistas e populares bolsonaristas salivaram: grafismos sensacionalistas lotaram Telegrams e Zaps da geral¹ que se “esqueceu” do ex-mito com o sanguinário príncipe saudita Bin Salman.
            Mais em 2024 – se no Brasil as eleições são municipais, em Portugal, Rússia e Venezuela elas são presidenciais. Os três têm em comum o voto popular facultativo, mas sempre há adesão. Mas cada um atravessa suas crises políticas.
            Portugal – é o mais democrático por ter voto popular de maior peso. E lá, sempre que acontece alguma crise, como a que desencadeia renúncia de um chefe de Estado ou de governo, um novo pleito popular se forma para resolver.
            Assim, o pleito atual decorreu da renúncia do primeiro-ministro socialista António Costa por confusão do MPF de lá, só resolvida após a saída de Costa, comemorada pela extrema-direita Chega!. Mas a centro-direita venceu o pleito.
            Mas foi vitória sem maioria das cadeiras legislativas, por recusar a aliança do Chega!. Terá um governo imprevisível por isso, mesmo prometendo manter o rumo construído com excelência por Costa. Mas, ao menos, contribuiu para isolar a extrema-direita. 
            Rússia – segundo as mídias, a adesão popular que reelegeu Wladimir Putin foi recorde. Mas isso não configura a democracia de fato, pois o regime vigente é de extrema-direita² e há suspeita forte de ao menos três frentes repressivas.
            É sabida a repressão violenta a adversários políticos e à liberdade de imprensa, com “direito” à prisão, sumiços ou mortes. Aliado à Igreja Ortodoxa Russa, Putin também reprime minorias religiosas (como as TJs) e sexuais.
            Desde 2022 tem havido notícias de desaparecimentos ou mortes de supostos inimigos políticos de Putin. O último foi Alexei Navalny, morto na prisão em contexto suspeito. Detalhe: as matérias chegam por mídias fora da Rússia.
            Venezuela – inaugurado por Hugo Chávez nos anos 2000, o chavismo assume aparência meio “soviética”. Após a morte do fundador, o vice Nicolás Maduro assumiu o governo, dando um toque muito pessoal ao regime.
            Por conta disso sobram acusações idênticas às apontadas para o russo: autoritarismo, perseguição a opositores e fraude eleitoral. A expulsão de ativistas da ONU piorou a imagem do venezuelano, e bolsonaristas se aproveitaram disso.
            Fria análise – em Portugal, a vitória da centro-direita contrária às propostas extremistas assegura a democracia, mas há ciência majoritária da crescente popularidade do grupo, a resultar em constante ameaça à estabilidade local.
            Há muita semelhança ideológica entre o Chega e regimes nazifascistas como o nazismo, o bolsonarismo e no Leste europeu. Em comum há perseguição a minorias e opositores políticos, censura e política anti-imigração. 
            Até onde Portugal continuará com a sorte de mantê-lo afastado do poder, não há como saber. A xenofobia é uma realidade crescente entre os portugueses, e nem mesmo os brasileiros brancos, disciplinados e trabalhadores escapam à discriminação.
            Verifica-se que as informações eleitorais na Rússia e na Venezuela são muito genéricas e parecidas com o ocorrido recentemente em El Salvador de Bukele, com vitórias massivas aos respectivos líderes. Um dado claro de suspeita de ilícito eleitoral.
            Por conta disso, se torna especialmente difícil a chance de imaginar os regimes atualmente vistos na Rússia e na Venezuela como democráticos, mesmo reconhecendo-se variações na condução democrática aqui e ali no globo.
            Mas há entre nós, brasileiros, uma verdade tácita: se fosse reeleito, o governo Bolsonaro teria regime muito parecido com os descritos acima, ou até uma ditadura de fato, à moda de 1964.  A nossa sorte é que Bolsonaro em si nasceu para o fracasso. O que o sustenta é outro perigo: a aliança com o neopentecostalismo.

Nota da autoria
¹ já abordado no blog (link abaixo)
² ainda é incompreensível o apoio de certas alas de esquerda a Putin, que já abandonou a antiga adesão ao sovietismo.

Para saber mais
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Reflexão: Putin não é URSS

            Na mídia ocidental, duas das mais de 10 guerras presentes ocupam espaço significativo na mídia internacional: a russo-ucraniana e a nova fase da eterna guerra Israel-Palestina. Mas aqui vamos nos atentar à primeira.
            Já foi falado no blog sobre o atual líder da Rússia Wladimir Putin, que substituiu Boris Yeltsin após renúncia deste em 1999. Até então era o chefe do serviço de espionagem FSB, antiga KGB soviética, onde já atuava. Mas, vale uma pequena pincelada em sua biografia só para constar aqui.
            Ex-soviete – apesar de ter sido um aluno mediano, Putin teve simpatia dos docentes por sua astúcia, participação esportiva, integrar as fileiras do grupo Jovens Comunistas na adolescência, e cursar Direito e entrar na carreira militar.
            Foi a carreira militar que o catapultou a integrar, mais tarde, os quadros da então cobiçada KGB, a CIA soviética. A sua formação acadêmica superior e a dedicação o facilitaram na ocupação de postos de chefia na instituição.
            Mas, em 1991 a URSS ruiu. Várias republikas (regiões autônomas) viraram países independentes. O sovietismo se tornou neoliberal, mas deixou marcas antigas, mantidas por Yeltsin e Putin.
            No caso russo, no artigo anterior há menção a essas marcas, aliançadas com a Igreja Ortodoxa para repressão à liberdade de imprensa, aos adversários políticos e a diversos grupos minoritários, como religiosos e sexuais.
            Putin x Zelensky – a guerra russo-ucraniana iniciada em fevereiro de 2023 preocupou geral o mundo na questão macroeconômica. Também afetado, o Brasil foi palco de uma agitação muito particular, de cunho ideológico.
            Foram duas frentes: os bolsonaristas acompanharam a grande mídia no apoio ao ucraniano Zelensky com direito a certas bizarrices, como Artur do Val com as moças de lá. Já na esquerda, alguns grupos apoiam Putin.
            O apoio se revela em postagens de cunho histórico, principalmente as da passagem de Putin como jovem militante do regime soviético e na chefia da KGB. Mas acontece que tais passagens não cabem mais no contexto atual.
            A começar pelos fatos revelarem que a diferença com Zelensky é nula como governo e regime. Ambos aliaram com a Igreja dominante em seus países impondo, assim, um formato semiteocrático idêntico ao do bolsonarismo brasileiro.
            Além disso, ambos se declaram “antissistema”, uma comunicação enganosa para adotar o anarcocapitalismo, a forma capitalista mais selvagem e solta que caracteriza a economia da nova e crescente extrema-direita global.
            Incoerência na esquerda – é certo que nos governos socialistas totalitários, restrições à liberdade de informação e ao direito à livre manifestação popular tenham sido regras em comum aos regimes de extrema-direita como a nossa ditadura. E hoje, elas ocorrem nos governos “antissistema”.
            A ambição de poder em longo prazo é outro ponto comum. Foram 30 anos de Stalin, 49 de Castro, e assim como Orbán (Hungria) há 14 anos, Putin governa a Rússia há 25 anos, mesmo no breve período Medvedev, de quem foi primeiro ministro – o chefe de governo que dita as regras.
            Por todo o exposto, o que explica o incoerente apoio de parte da esquerda a Putin esteja num saudosismo presente em figuras do político dos tempos de URSS, talvez mais do que os fatos da guerra não narrados na grande mídia.
            Acontece que o presidente Wladimir Putin não é o mesmo daqueles tempos soviéticos. Tal como os saudosistas da ditadura que elegeram Bolsonaro, os grupos esquerdistas apoiadores de Putin se perdem num tempo pretérito e sem volta.
            É certo que conhecer o passado é a chave para entendermos o presente. Mas não há explicação para esse saudosismo que hoje se torna uma incoerência ideológica. Para completar, essa guerra estúpida não tem mocinhos, e sim dois vilões da extrema-direita e milhares de vítimas dos dois lados.
            
Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/c90w2j01l9jo (há quanto tempo Putin está no poder)
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Venezuela: a dubiedade de um fato

            Versada no artigo anterior na comparação com a Rússia no questionamento sobre democracia, a Venezuela se destacou novamente, na corrida eleitoral. A nossa mídia nos levou a entender haver apenas uma candidata de oposição concorrendo com Nicolás Maduro.
            Só que não é bem isso não.
            Nicolás + 11 – nas pontuações da nossa grande mídia, a “única” candidata de oposição a Maduro foi Corina Machado. Sim, foi. Sua candidatura foi impugnada pela justiça venezuelana, mais especificamente pelo TSE de lá.
            Soubemos, por nossa mídia, que Maduro teria ordenado a impugnação de Machado, dando a entender ser uma forma de intimidar opositores. Mas a verdade é que há mais 11 candidatos com legendas registradas – todos de oposição. E somente uma candidatura foi impugnada.
            Segundo a mídia venezuelana, o motivo da impugnação foi o partido Venta não ter se registrado no TSE de lá. Daí Machado ter posto em seu lugar a xará Corina Yoris, que foi aconselhada a concorrer pelo Um Nuevo Tiempo, de direita. Mas esta legenda já tem candidato próprio.
            E, se a Corina titular foi afastada por irregularidade, a Corina substituta também o será, uma vez que o tempo para o Venta ser registrado já expirou, e os demais partidos concorrentes têm seus candidatos.
            Tal como no Brasil e nos EUA, a lei venezuelana impede que um partido lance dois candidatos ao mesmo cargo, e que legendas não registradas concorram a pleitos. Ou seja, algo comum em democracias. Mas isso faz do regime Maduro uma democracia?
            O que sabemos do regime – a dificuldade de acesso à mídia venezuelana nos impossibilita uma visão mais confiável e plena sobre o regime de Maduro. Só sabemos pelo que dizem nossas mídias. Se a hegemônica acusa violações, as alternativas não negam, nem afirmam.
            As acusações de violações de direitos humanos, corte à liberdade de imprensa, de interferência judiciária e fraude eleitoral nos passam a inevitável impressão depreciativa do chavismo sob a batuta mais autoritária de Maduro.
            Nossa grande mídia acusa Maduro de má conduta econômica que deixa o varejo carente de muitos produtos. Mas vale citar que a Venezuela sofre sanção econômica pelos EUA e outros países centrais. Rússia, China e vizinhos como o Brasil enviam vários produtos básicos.
            Fria análise – a existência de mais 11 concorrentes nas eleições presidenciais da Venezuela indica a existência de uma democracia de natureza eleitoral, que em si não difere da nossa. Mas a falta de acesso à mídia ou aos bastidores de lá nos dificulta amenizar a barra para a imagem política do país.
            A impugnação da candidatura de Corina Machado se deu por questões exclusivamente legais que correm em outros países. Mas vale salientar que o STF de lá sofreu influência de Maduro, com mais magistrados compondo o quadro.
            Por outro lado, Machado é de extrema-direita, tendo apoio de Donald Trump – e isso também pode ter influído na determinação do STF venezuelano, que já age conforme os desígnios de Maduro.
            Isso abre brecha para a impressão de um governo autoritário. E, tal como na Rússia, o pouco que sabemos sobre as eleições de lá vêm da nossa mídia, e a chance de fraude eleitoral nunca é descartada.
            Mas o fato Corina Machado nos informa que fatores externos podem determinar postura mais autoritária e defensiva dos governos-alvos, passando a estranha conclusão de que o clima político da Venezuela é, na prática, dúbio.

Sal Ross
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