sábado, 23 de fevereiro de 2019

Jean Wyllys: o autoexílio da democracia

     Após a sua passagem vitoriosa no Big Brother Brasil, o jornalista e professor Jean Wyllys trilhou seu caminho na política, ligando-se ao PSOL e tornando-se uma figura ímpar na história do legislativo federal.
     A defesa aberta a grupos historicamente marginalizados no delicado tema dos direitos humanos causou repulsa em boa parcela da população e nas bancadas da bala e a evangélica.
     Simultaneamente houve esparrame de fake News alarmistas nas redes sociais e nas igrejas relativas aos pontos defendidos por Jean e supostos projetos de lei. Claro que o psolista negou todas as notícias, diante de mais tentativas de desgaste sobre sua imagem política.
     Junto ao barulho das bancadas ultraconservadoras, as ameaças aos destaques democráticos, especialmente Jean – ameaças estas que foram ignoradas pela grande mídia.
     Eram as primeiras ameaças de morte, surgidas ainda no primeiro mandato do deputado e foram parar no STF. Após as mídias pró-LGBTQ e de esquerda, o primeiro grande canal a publicar matéria sobre as ameaças foi o Globo. Detalhe: já existia o famoso ranço entre Jean e Jair Bolsonaro.
     Mas o caldo rançoso engrossou durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Apoiado pelos movimentos de direita nas ruas, o ex-militar provocou ainda mais o psolista, ao ponto deste meter a famosa cusparada. Por baixo, as ameaças a Jean persistiram.
     Com a escolha final de Bolsonaro para presidente da República, as ameaças a Jean Wyllys, eleito para o terceiro mandato consecutivo, foram ainda mais frequentes e pesadas, estendendo-se aos seus familiares, levando o psolista a solicitar escolta.
     Mas as ameaças aumentaram ao ponto de Jean renunciar ao mandato e partir para local inicialmente ignorado, até revelar estar na Alemanha, onde encontrou o amigo Wagner Moura, diretor do filme “Marighella”, no Festival de Berlim. Mesmo fora, o ex-parlamentar ainda tem recebido ameaças.
     O seu suplente, David Miranda, também psolista e gay assumido, assume o lugar de Jean Wyllys na Câmara. Casado e pai adotivo de duas crianças, David assume a desafiante herança do antecessor, e também as ameaças que agora se estendem a ele.
     Será, num futuro não muito longínquo, o paulatino autoexílio da democracia?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O pacote anticrime de Sérgio Moro

     Enquanto Bolsonaro estava internado no Albert Einstein em São Paulo, o ministro da justiça Sérgio Moro desenvolveu um projeto de lei (PL), um pacote anticrime que propõe alterar 14 leis penais específicas. Os noticiosos destacam, nessa novidade, novas tipificações e punições para crimes violentos, financeiros e crime organizado, contra os quais as punições serão endurecidas.
     A definição destes três grupos gera subsídios para se compreender o olhar da classe política sobre os mesmos e sua relação com a sociedade. Mas, afinal, como o PL Moro definiria estes crimes?
     Crimes violentos: agridem gerando dano moral, físico, mental e social à parte vitimada. O potencial ofensivo determina a gravidade do delito, mas todos são puníveis.
     Crimes financeiros: quaisquer extravios de recursos destinados ao bem-estar individual ou coletivo, visando enriquecimento ilícito e/outros fins ilegais. Os mais conhecidos são as várias formas de estelionato, improbidade administrativa, peculato, lavagem de dinheiro, caixa 2 e corrupção.
     Crime organizado: grupo de crimes complexos de longo alcance e fins macroeconômicos em níveis nacional ou internacional. Altamente estratégico, envolvendo muitas pessoas de numerosos papeis hierárquicos, que não raro se infiltram nos meios megaempresarial e político, é um tipo muito difícil de erradicar, por exigir rede policial internacional. São exemplos o tráfico nacional e internacional de drogas, armas, pessoas e órgãos; contrabando de bens comuns, máfias de jogos de azar.
    Embora o PL mire os citados casos, Sérgio Moro mudou recentemente de ideia sobre o Caixa 2, retirando-o da lista de delitos financeiros passíveis de rigidez penal, o que gerou muitas críticas nas redes sociais: afinal, com ou sem financiamento empresarial, a prática é muito comum entre os políticos.
     Com isso, a amenização da pena para o caixa 2 se torna, em futuro não muito longínquo, porta aberta para o feliz retorno do patrocínio empresarial das eleições. Mas, para um sujeito da patuleia que porventura seja acusado de caixa 2 por juntar grana de origem duvidosa, será que se salva da punição?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019


Governo Bolsonaro: quando milícias e milicos se confundem

     Fora as fake news e outros pretextos já conhecidos, os principais desejos dos eleitores para a escolha final de Jair Bolsonaro foram o fim da corrupção generalizada no meio político e de mais e melhor segurança pública, conforme várias postagens nas redes sociais no período.
     O maior investimento em segurança pública foi, de fato, mais central no discurso de campanha do agora presidente do que as declarações preconceituosas e cristocêntricas que o destacaram no humor negro. Agora no governo, o que mais vemos são militares, generais assumindo cargos de alto escalão no governo e mesmo órgãos públicos.
     Isso destacou ainda mais as forças militares federais e regionais como símbolos de segurança e soberania, gerando sensação de conforto entre os crédulos. O que se reforçou na eleição de alguns policiais e bombeiros apoiadores de Bolsonaro em pleitos regionais, especialmente no Rio, local-vitrine de intervenções militares federais.
    Todavia, antes da posse de Bolsonaro, vazaram escândalos envolvendo a família com Fabrício Queiroz, ex-motorista e assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro, que tem negócios obscuros e suposta ligação com grupo miliciano. E Flávio exaltando a "importância das milícias para a segurança das comunidades" não cai nada bem.
     Foi o bastante para levantar um debate sobre as relações perigosas do alto escalão da classe política com o crime organizado, que já renderam prisões como a de Jorge Picciani (MDB), ex-presidente da Alerj. Há vários políticos ligados com famílias do jogo de bicho e, também, com milicianos.
     Sabemos há tempos que os "banqueiros do bicho" surgiram quando o popular jogo do bicho se tornou ilegal há quase 100 anos atrás, mas a influência econômica e sua atuação como poder público em comunidades populares geram um profundo respeito de interesses junto a políticos. Mas, e as milícias? O que elas são?
     Tradicionalmente, milícias são grupos paramilitares com força-tarefas específicas, temporárias ou não. No Brasil o termo virou alcunha para grupos clandestinos, em geral com atuação regional, bem organizados e com influência econômica e social. E não são tão recentes como se imagina.
     Elas são os antigos "esquadrões da morte" dos tempos da ditadura militar, pois se dedicavam a exterminar traficantes e criminosos em geral nas periferias dominadas. O temido Mão Branca da Baixada Fluminense foi um deles. Hoje, atuam em distribuição de gás de cozinha, internet, segurança e negócios imobiliários locais, rendendo-se com taxas muito bem pagas em dia pelos moradores.
     Até o fim dos anos 1980, era mistério a composição dos esquadrões da morte. O medo silenciava os moradores. Tal mistério só se dissolveu nos anos 1990, com as primeiras investigações sobre milícias: eram PMs e bombeiros expulsos dos quartéis por má conduta ou corrupção. Mas há milicianos nas corporações militares.
     A ligação das milícias com o meio político não é nova. Naquela época já havia bancadas da bala, mas mais discretas. No Rio, em vários governos, ocorriam guerras ao tráfico, mas não contra as milícias. Os governos Cabral-Pezão foram bem notórios, e há vários nomes populares tidos como milicianos ou ligados a milícias.
     Investigadores da execução de Marielle Franco suspeitam de milicianos ligados a agentes públicos. O silêncio do vereador Carlos Bolsonaro é sepulcral, expondo-se mais ainda à desconfiança geral, mesmo sem provas. Para piorar, Carlos nomeia um dos suspeitos para a sua assessoria. 
     Não bastasse toda a balbúrdia em Brasília ainda no início de governo, o presidente tem uma pedreira de peso nas costas. Seu discurso de "segurança com honestidade para o cidadão de bem" enfraqueceu bastante, enquanto mulheres, negros, indígenas e LGBTs gritam por socorro. 
     Pelo visto, aos poucos vão percebendo que em seu governo, milicos e milícias se confundem. E essa confusão pode se tornar o epicentro da crise bolsonarista.

     
     

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...