Bolsonaro entre a laranja e o vírus
Nos últimos dias, a imprensa se voltou toda em dois temas que rebuliçaram a vida de Jair Bolsonaro e seus filhos: a explosão de Covid e, principalmente, a prisão do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz.Mesmo sem a devida atenção popular, o novo surto do Covid é importante por dois elementos. Um deles foi a causa: reabertura precipitada da atividade econômica junto à certa indiferença popular à profilaxia.
O outro elemento é que a conta cai mais ainda na conta do presidente: por interesse, incitou o povo a voltar ao trabalho dando o mau exemplo de aglomerar pessoas e recusar máscara, e a fraude do Coronavoucher parar em tantas mãos indevidas, cuja explicação foi recusada.
São elementos adicionais ao novo processo assinado e enviado pelo grupo Juristas pela Democracia, com solidariedade popular, ao Tribunal Penal Internacional, por incitação ao genocídio, incluindo ecocídio por crescente destruição das áreas naturais e desassistência aos povos da floresta devido aos assassinatos e ao Covid.
E pegou mal o pronunciamento, em cadeia de TV, de Bolsonaro com o ministro Guedes e o do Turismo, de condolência pelas mais de 55 mil mortes pelo Corona. Embora a fala rápida do presidente fosse mais tétrica do que o estático Guedes, o Gilson, ministro do Turismo, como sanfoneiro, matou Schubert de novo ao tocar e entoar Ave Maria às 18h.
O que fez a postura do presidente tão terrífica foi o discurso nitidamente forçado, esdrúxulo e sem sentimentos. Ele deixou claro que era melhor não ter se pronunciado. Foi mais sincero nos desaforos de desprezo aos trabalhadores vitimados pelo flagelo. Não deu para saber se ele parou por isso ou pelo desafino do músico.
Mas, se muitos pouco se lixam o para Covid e desconhecem o processo no TPI, o mesmo não se pode dizer sobre a descoberta e prisão de Queiroz. Afinal, as polícias Civil e a Gaeco (um grupo de operações especiais) em Atibaia vieram responder à pergunta popular que se arrastava há tempos: cadê o Queiroz?.
Ele esteve na casa de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro, em cuja entrevista dada a Andreia Sadi, na Globo News em 25/6, negou ter abrigado Queiroz em sua casa em Atibaia, interior paulista, e ser advogado da família do presidente. Duas mentiras gritantes.
Primeiro porque a polícia viu o carro de Wassef na garagem, soube que Queiroz estava lá há mais de um ano, e antes que o advogado mentisse mais uma vez, descobriu que ele advogou o finado miliciano Adriano da Nóbrega, assassino de Marielle Franco (PSoL-RJ)
Não é de se surpreender. Em 2018, nas primeiras investigações da execução de Marielle, a PF-RJ identificou a autoria de milicianos sob chefia de Queiroz, que sumiu após a posse de Bolsonaro. Mas, quando a PF-RJ e a do DF descobriram que o sumido foi só pau mandado, os respectivos delegados foram assassinados.
Enquanto a pergunta sobre Queiroz pegou fama, em meados do ano passado, circulou uma rápida matéria sobre terem visto Queiroz tomando um café em uma padaria no interior paulista. O teriam até fotografado. Mas logo tudo se abafou e até surgiu boato de que ele tenha sido "matado". Mas a pergunta popular perdurou.
Agora, enquanto a tragédia se alastra, sob os olhos de um MS militarizado após a saída de dois médicos e um enfermeiro renomado em saúde pública em plena epidemia, Queiroz é encontrado, após retomada das investigações da PF-RJ sobre a morte da vereadora. E vieram dados sinistros.
Nas investigações feitas até agora, Queiroz prestou muitos favores aos Bolsonaro, mais ao Flávio, para quem ele operou muitas rachadinhas e antes depositara R$24 mil para a primeira-dama. Ele pagava as mensalidades das escolas dos filhos de Flávio. Com as rachadinhas, certamente.
Flávio já era investigado há tempos na participação na especulação imobiliária irregular em favelas dominadas por milícias. Os indícios de antes se tornaram provas. Erguidos em áreas ambientais preservadas, tais imóveis são estruturas bem precárias. Um exemplo é o prédio de Muzema, que desabou matando alguns moradores.
Essa relação tão estreita com Flávio foi direto no coração da família, mas talvez não seja isso o que mais incomoda, e sim a possivelmente Queiroz cumprir a delação premiada em acordo deste com o MP. Delação esta que se revela um perigo.
Apesar da confiança dos Bolsonaro, Queiroz os conhece há mais de 30 anos. Sabe que a sua vida pode ser ceifada de qualquer modo, daí priorizar a de sua família, e feito acordo. Afinal, os bandidos também amam. Nem o vídeo de Flávio o defendendo o convence.
Se a delação possível do amigo e laranja estremece os Bolsonaro, dando a entender de vir a público muito mais do que a geral sabe, outro incômodo absurdo é o íntimo reconhecimento de ser o maior culpado pela tragédia do Covid. Mesmo não querendo transparecer, ele carrega no colo dois pesos pesados: um vírus mortal e uma laranja pesada e podre.
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TPI = Tribunal Penal Internacional, em Haia, Holanda.