quinta-feira, 9 de julho de 2020

Amazônia e o delírio dos juros baixos

     Enquanto rolavam as notícias relativas aos envolvimentos dos Bolsonaro em relações um tanto comprometedoras para suas reputações políticas e futuros idem, nos bastidores rolou um vazamento sobre o destino da Amazônia.
     A causa disso tudo foi uma comunicação entre o ministério da Agricultura e o grupo de investidores internacionais. A ministra Tereza Cristina soltou uma pérola: "o agronegócio não precisa da Amazônia".
     A "musa do veneno", como é conhecida por avalizar o presidente a liberar mais de 600 agrotóxicos proibidos no mundo todo pela OMS e pela FAO, órgão da ONU responsável pela alimentação e agricultura.
     Tereza Cristina parece ignorar as relações mais do que íntimas entre a produção alimentar, cobertura vegetal natural e clima. Afinal, interesses econômicos sempre existem e ultrapassam os seus devidos limites, minando o espaço da ética e da consciência crítica. Ainda mais nesse governo.
     Embora, pelos motivos acima mencionados, não devamos nos surpreender, a declaração da ministra mais revela do que esconde os perigos de uma ocupação desenfreada de grande área natural remanescente.
     A Amazônia no ano passado passou pela maior destruição desde que os levantamentos remotos foram iniciados pelo Inpe há quatro décadas, com reforço atual dos satélites que passam dados bem pormenorizados.
     Se as pesquisas do Inpe foram censuradas pela birra ideológica que culminou na demissão do diretor Ricardo Galvão, um cientista estimado na academia internacional, entrou a Nasa, agência espacial dos EUA, para se destacar no mesmo tipo de acompanhamento.
     Mas não é a primeira vez que a Nasa realiza esse papel. Seus satélites monitoram, em todos os cantos, as atividades nas áreas naturais remanescentes do planeta. O Brasil é bem especial, por reunir a maior área de biomas ainda preservados no mundo, o que mais revela que esconde uma gama enorme de riquezas naturais.
     Apesar da censura no ano passado, em que houve até acusação de aparelhamento do órgão pela esquerda, o que foi desmentido por Galvão, o Inpe tem continuado seus monitoramentos, em especial nas mudanças climáticas. A diminuição da umidade atmosférica amazônica foi um estudo conjunto.
     Esse estudo ocorreu em 2018, corroborando dados anteriores desde 2007, ressaltando que as autoridades devem se preocupar com as consequências do fenômeno sobre o clima em todo o país, notadamente no centro-oeste, Sudeste e Sul, onde há imensos terrenos de monocultura, e a disponibilidade alimentar no futuro. 
     Porém, sob o comando do ministro da Economia Paulo Guedes, sabidamente de selvagem têmpera neoliberal, Tereza Cristina simplesmente desprezou tais estudos, se limitando ao valor estrito à macroprodutividade do agronegócio: "Amazônia é coisa de ambientalista, queremos juros baixos".
     Tal crítica ela se referiu aos bancos brasileiros, que para ela e seu colega Paulo Guedes, se impõem em juros altos para o agronegócio, o que o tornaria um ramo caro de se investir. Mas, a ministra declarou numa reação ao recuo originado da ameaça dos investidores internacionais diante da política antiambiental adotada.
     O motivo está na crítica da musa do veneno aos juros altos dos bancos brasileiros ao setor, um "investimento muito caro", que poderá ser desonerado se a reforma tributária virar lei, sem melindrar o privilégio que perdoa a horrenda dívida previdenciária dos ruralistas, e jogando na massa trabalhadora já sacrificada peso ainda maior do ônus. 
     A reforma tem grande chance de passar pelo Congresso, haja visto a maioria liberal no lado econômico e uma bancada do boi maior. Mas há, também, forte chance de oposição, que vai querer atenuar a austeridade do texto, como fez com a reforma da previdência.
     Essa chance de atenuante não é só da oposição, há uma influência da pressão dos grandes investidores transnacionais, que cada vez mais demonstram a atenção com a Amazônia. Eles têm informações científicas em mãos e pressionam também a própria União Europeia a romper acordos com o Brasil devido a essa questão.
     Faz sentido: os megainvestidores já perceberam o valor das áreas naturais preservadas para a sobrevivência de toda a economia como. E do próprio Brasil, que não bastando a crise forçada por Guedes, ainda enfrenta o descontrole do Covid, que é o outro motivo de isolamento do país perante o mundo.
     O conjunto desses fatores ainda sem controle gerará, em primeira demão, consequências até previsíveis como o maior aumento dos preços ao consumidor de varejo, em especial alimentos, pela diminuição da disponibilidade alimentar devida às alterações climáticas locais, imediatas, além da potenciar a epidemia do Corona e liberar outros patógenos silvestres.
     Somando-se a isso, com a degradação do Estado pelo anarcocapitalismo, haverá depressão econômica e sujeição da população a um cenário de caos pior do que o visto nos países mais pobres e espoliados da África, cujas populações, em saúde, dependem de organizações como Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha e Crescente Vermelho.
     São a epidemia e a destruição das áreas naturais que forçam o aumento dos juros bancários, bem como a inconsequência prática de Guedes. Nada humanitário de fato. Por isso, desprezar a preservação da Amazônia e outras áreas naturais em troca de juros baixos se torna delírio da ministra. É melhor mudar de ideia, antes que seja tarde demais.


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Fontes de referência para a análise:
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/28/amazonia-perdeu-18percent-da-area-de-floresta-em-tres-decadas-mostra-analise-de-imagens-de-satelite.ghtml
https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/07/05/o-agronegocio-nao-precisa-da-amazonia-diz-ministra-da-agricultura.htm
https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/11/epoca-negocios-nasa-ve-amazonia-mais-seca-e-vulneravel.html 
https://domtotal.com/noticia/1457979/2020/07/acuada-ministra-da-agricultura-minimiza-criticas-ambientais-e-exige-juros-baixos-para-o-agronegocio/




   

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