Os perigos por trás da ameaça
O domingo começou "bem". Cercado por seus seguranças que o protegiam, o mandatário Jair Bolsonaro voltava para o Palácio sendo seguido pelos jornalistas. O clima parecia calmo, até que um destes pergunta: "Presidente, o que o senhor tem a dizer sobre os depósitos na conta da primeira-dama?".
Foi mais do que o suficiente para o que os jornalistas viriam, sob a mira de celulares e câmeras. Não parecendo se importar com isso, o presidente rapidamente responde, sem parar de andar e sem olhar o indagador: "Tenho vontade de meter encher a sua boca de porrada". O jornalista perguntou se aquilo é uma ameaça, mas foi ignorado.
Em onda solidária, muitos nomes da classe jornalística repetiram nas redes sociais a pergunta do colega, que virou topic trending nas mesmas. A ação foi repetida por muitos cidadãos que consideraram, com razão, reprovável a atitude do presidente.
Mas houve solidariedade dos bolsominions, fanáticos idólatras de Bolsonaro: uma chuva maciça de frases de apologia à violência aos repórteres foi registrada nas redes, soando como uma resposta ao ato solidário dos jornalistas e outros que se revelaram contrários à grosseria do presidente. Para os bolsominions, "tem que que apanhar mesmo".
Claro que a reiterada conduta do presidente com os jornalistas representa a sua opinião e sentimentos a respeito da imprensa, o que em si é um direito. E ele não é o primeiro: talvez com exceção de Castello Branco, o breve, os demais ditadores militares eram toscos e gratuitamente desrespeitosos com a imprensa.
Embora muitos considerem "típica de militar", a conduta se revela inversa à própria cultura militar, que se cultiva na base da disciplina, na qual inclui urbanidade para conquistar respeito popular. É também incompatível com a liturgia e civilidade do cargo de líder nacional. É nessa questão do exemplo que reside esta reflexão.
As ofensas de Bolsonaro são a maior queixa dos jornalistas que passaram pela experiência de entrevistá-lo, com 245 notificações só este ano. Não por acaso há uma mordaça imposta à liberdade de diálogo, engrossada pelas interferências presidenciais em órgãos de investigação. Mordaça essa que é crime de responsabilidade e de improbidade administrativa.
Um detalhe aterrador das ofensas é que, como elemento aplaudido pelos bolsominions, se difunde na sociedade algo muito maior do que brincadeira de mau gosto: a crueldade. Esta já decorre de seu significado de perversidade - característica muito atribuída ao presidente por muitos nomes críticos da cultura pop do Youtube.
Paulo Ghiraldelli define o perfil do bolsominion* como aquele que acredita "poder ofender, agredir os diferentes", mas negando "a recíproca", e o relaciona aos crescentes índices de homicídios (com maior participação da PM), violência doméstica e estupros sobre mulheres e crianças em São Paulo, após algum tempo de certa queda.
A violência policial contra os moradores de favelas sempre ocorreu, mas o recrudescimento desde o período eleitoral de 2018 até hoje se verificou maior participação, tendo como forte referência o emponderamento das milícias, formadas por militares afastados por aposentadoria ou crime, que a maioria dos PMs quase teme.
Faz inteiro sentido, estendendo-se a outros fatos. Há vários relatos de "agressões gratuitas de botequim" desde antes da eleição de 2018, mostrando que a ideologia do bolsonarismo foi se infiltrando aos poucos na mentalidade dos bolsominions. As PMs e FFAA contribuíram nisso, dada a relação controversa, mas sempre próxima com a população.
Ghiraldelli estendeu sua crítica à "esquerda identitária" no caso da menina grávida violada, dada a preocupação única com a autoria do crime sexual. Ainda que o crime sexual possa ser mesmo uma tática de dominação, o foco exclusivo nele se revela autolimitante quando o isolam dos demais fatores que favoreceram a violência.
Tal insistência num foco definido no "crime do macho" criticada por Ghiraldelli ao grupo identitário se visualiza na impossibilidade de naturalizar plenamente seu ideal: nem em países bem educados e desenvolvidos se livrou de certos preconceitos, como racismo e xenofobia. O que é praticamente impossível num país tão desigual e mal-educado.
Por outro lado, o reflexo bolsonarista houve na agressão de fanáticos na porta do hospital em Recife. Embora a ICAR seja contrária ao aborto, o ódio coletivo foi ideia da ministra Damares, que repassou os dados sigilosos da vítima a Sara Winter, que os expôs e chamou os fanáticos. O aborto foi tocado pelos identitários, mas não o ódio, daí fazer sentido a crítica do professor.
Invasão de hospitais clamada pelo presidente; despejo ilegal de sem-terras de assentamento legal no interior de MG e outras plagas, mascaramento do Covid entre os mais pobres, negação à saúde, educação e ao desenvolvimento científico, mascaramento estatístico do Covid entre os mais pobres e outros são exemplos de perversidade direta transmitidas pelas autoridades.
Não é por acaso a existência de tantas políticas perversas, inclusive no campo econômico, em que as camadas populares e médias vêm sendo cada vez mais castigadas pelas propostas de Guedes, que trabalha para manter total proteção aos mais abastados, mantendo o formato regressivo (inversamente proporcional) das mesmas.
Há solução? Sim, há. A começar por muita conscientização de base, que partirá para um contra-ataque popular que comprove, de uma vez por todas, a urgente necessidade de cassação da chapa, pois não se sabe até onde irá a paciência, que já findou mundo afora e pode fazer o país perder mais bilhões ainda em divisas e cair um buraco muito difícil de se sair.
Se nada for feito, este será o maior perigo imposto pela violência da autoridade, e também pela inércia propositada de um parlamento que se rebaixa ao venal absoluto.
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Nota 1: bolsominion é termo do blog, e não atribuído ao professor destacado. (N. da A.)
Nota 2: fotomontagem da autoria do texto, imagens creditadas ao Google Imagens.
Bases relacionadas para reforço reflexivo: Noticiosos e Youtube para saber mais:
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52553647
-https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/08/24/9-ataques-de-bolsonaro-a--jornalistas--e-quais-os-temas-que-levaram-presidente-a-perder-a-linha.htm
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53893121
-https://www.terra.com.br/noticias/brasil/reporter-tem-que-apanhar-mesmo-ataque-de-bolsonaro-gera-onda-de-ameacas-fisicas-a-jornalistas,a531aaaf8ffb0932d35c82ae9d44d000ioha5023.html
-https://fenaj.org.br/presidente-bolsonaro-promove-245-ataques-contra-o-jornalismo-no-primeiro-semestre/
-https://congressoemfoco.uol.com.br/direitos-humanos/bolsonaro-fez-245-ataques-contra-a-imprensa-em-2020-veja-a-linha-do-tempo/
.: Especial: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/curadoria-de-noticias/conteudos-no-youtube-elevam-o-debate-contra-a-desinformacao/
Youtube: Vide Paulo Ghiraldelli, Bemvindo Sequeira, Portal do José, Pensando Alto Roberto Cardoso, TV Boitempo e outros. https://www.youtube.com/watch?v=yJk1aXhrays
Violência policial (blog): https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/09/witzel-e-bolsonaro-faces-da.html e https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/08/witzel-e-o-desfecho-do-sequestro-na-rio.html.
Em onda solidária, muitos nomes da classe jornalística repetiram nas redes sociais a pergunta do colega, que virou topic trending nas mesmas. A ação foi repetida por muitos cidadãos que consideraram, com razão, reprovável a atitude do presidente.
Mas houve solidariedade dos bolsominions, fanáticos idólatras de Bolsonaro: uma chuva maciça de frases de apologia à violência aos repórteres foi registrada nas redes, soando como uma resposta ao ato solidário dos jornalistas e outros que se revelaram contrários à grosseria do presidente. Para os bolsominions, "tem que que apanhar mesmo".
Claro que a reiterada conduta do presidente com os jornalistas representa a sua opinião e sentimentos a respeito da imprensa, o que em si é um direito. E ele não é o primeiro: talvez com exceção de Castello Branco, o breve, os demais ditadores militares eram toscos e gratuitamente desrespeitosos com a imprensa.
Embora muitos considerem "típica de militar", a conduta se revela inversa à própria cultura militar, que se cultiva na base da disciplina, na qual inclui urbanidade para conquistar respeito popular. É também incompatível com a liturgia e civilidade do cargo de líder nacional. É nessa questão do exemplo que reside esta reflexão.
As ofensas de Bolsonaro são a maior queixa dos jornalistas que passaram pela experiência de entrevistá-lo, com 245 notificações só este ano. Não por acaso há uma mordaça imposta à liberdade de diálogo, engrossada pelas interferências presidenciais em órgãos de investigação. Mordaça essa que é crime de responsabilidade e de improbidade administrativa.
Um detalhe aterrador das ofensas é que, como elemento aplaudido pelos bolsominions, se difunde na sociedade algo muito maior do que brincadeira de mau gosto: a crueldade. Esta já decorre de seu significado de perversidade - característica muito atribuída ao presidente por muitos nomes críticos da cultura pop do Youtube.
Paulo Ghiraldelli define o perfil do bolsominion* como aquele que acredita "poder ofender, agredir os diferentes", mas negando "a recíproca", e o relaciona aos crescentes índices de homicídios (com maior participação da PM), violência doméstica e estupros sobre mulheres e crianças em São Paulo, após algum tempo de certa queda.
A violência policial contra os moradores de favelas sempre ocorreu, mas o recrudescimento desde o período eleitoral de 2018 até hoje se verificou maior participação, tendo como forte referência o emponderamento das milícias, formadas por militares afastados por aposentadoria ou crime, que a maioria dos PMs quase teme.
Faz inteiro sentido, estendendo-se a outros fatos. Há vários relatos de "agressões gratuitas de botequim" desde antes da eleição de 2018, mostrando que a ideologia do bolsonarismo foi se infiltrando aos poucos na mentalidade dos bolsominions. As PMs e FFAA contribuíram nisso, dada a relação controversa, mas sempre próxima com a população.
Ghiraldelli estendeu sua crítica à "esquerda identitária" no caso da menina grávida violada, dada a preocupação única com a autoria do crime sexual. Ainda que o crime sexual possa ser mesmo uma tática de dominação, o foco exclusivo nele se revela autolimitante quando o isolam dos demais fatores que favoreceram a violência.
Tal insistência num foco definido no "crime do macho" criticada por Ghiraldelli ao grupo identitário se visualiza na impossibilidade de naturalizar plenamente seu ideal: nem em países bem educados e desenvolvidos se livrou de certos preconceitos, como racismo e xenofobia. O que é praticamente impossível num país tão desigual e mal-educado.
Por outro lado, o reflexo bolsonarista houve na agressão de fanáticos na porta do hospital em Recife. Embora a ICAR seja contrária ao aborto, o ódio coletivo foi ideia da ministra Damares, que repassou os dados sigilosos da vítima a Sara Winter, que os expôs e chamou os fanáticos. O aborto foi tocado pelos identitários, mas não o ódio, daí fazer sentido a crítica do professor.
Invasão de hospitais clamada pelo presidente; despejo ilegal de sem-terras de assentamento legal no interior de MG e outras plagas, mascaramento do Covid entre os mais pobres, negação à saúde, educação e ao desenvolvimento científico, mascaramento estatístico do Covid entre os mais pobres e outros são exemplos de perversidade direta transmitidas pelas autoridades.
Não é por acaso a existência de tantas políticas perversas, inclusive no campo econômico, em que as camadas populares e médias vêm sendo cada vez mais castigadas pelas propostas de Guedes, que trabalha para manter total proteção aos mais abastados, mantendo o formato regressivo (inversamente proporcional) das mesmas.
Há solução? Sim, há. A começar por muita conscientização de base, que partirá para um contra-ataque popular que comprove, de uma vez por todas, a urgente necessidade de cassação da chapa, pois não se sabe até onde irá a paciência, que já findou mundo afora e pode fazer o país perder mais bilhões ainda em divisas e cair um buraco muito difícil de se sair.
Se nada for feito, este será o maior perigo imposto pela violência da autoridade, e também pela inércia propositada de um parlamento que se rebaixa ao venal absoluto.
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Nota 1: bolsominion é termo do blog, e não atribuído ao professor destacado. (N. da A.)
Nota 2: fotomontagem da autoria do texto, imagens creditadas ao Google Imagens.
Bases relacionadas para reforço reflexivo: Noticiosos e Youtube para saber mais:
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52553647
-https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/08/24/9-ataques-de-bolsonaro-a--jornalistas--e-quais-os-temas-que-levaram-presidente-a-perder-a-linha.htm
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53893121
-https://www.terra.com.br/noticias/brasil/reporter-tem-que-apanhar-mesmo-ataque-de-bolsonaro-gera-onda-de-ameacas-fisicas-a-jornalistas,a531aaaf8ffb0932d35c82ae9d44d000ioha5023.html
-https://fenaj.org.br/presidente-bolsonaro-promove-245-ataques-contra-o-jornalismo-no-primeiro-semestre/
-https://congressoemfoco.uol.com.br/direitos-humanos/bolsonaro-fez-245-ataques-contra-a-imprensa-em-2020-veja-a-linha-do-tempo/
.: Especial: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/curadoria-de-noticias/conteudos-no-youtube-elevam-o-debate-contra-a-desinformacao/
Youtube: Vide Paulo Ghiraldelli, Bemvindo Sequeira, Portal do José, Pensando Alto Roberto Cardoso, TV Boitempo e outros. https://www.youtube.com/watch?v=yJk1aXhrays
Violência policial (blog): https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/09/witzel-e-bolsonaro-faces-da.html e https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/08/witzel-e-o-desfecho-do-sequestro-na-rio.html.
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