Bolsonaro vs Biden, Brasil vs EUA?
"Quando acabar a saliva, vai ser preciso a pólvora".
Após a vitória de Joe Biden sobre Donald Trump nos EUA, que se consolida no final da contagem em alguns estados, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro agora mira o eleito em alvo de sua irritação pela decepção com a derrota de seu aliado.
A frase destacada acima reflete a sua posição, diante da posição de Biden sobre a ameaça de sanção comercial se não frear a destruição da Amazônia e as ameaças aos povos indígenas.
A repercussão nas redes sociais dos brasileiros foi um festival de memes e piadas a comparar as FFAA dos EUA com as nossas em todos os quesitos possíveis. Mas, piada à parte, a coisa é muito séria lá fora. Pois a frase pode soar, para um líder de país central, como uma ameaça, ou mesmo uma declaração antecipada de guerra, a depender da interpretação desse líder.
E, muito certamente o presidente eleito Joe Biden e sua vice Kamala Harris não reagirão com a mesma indiferença de Trump com que nos acostumamos tão rapidamente.
-> Joe Biden: resumo biográfico
Joseph Biden nasceu na Pensilvânia em 1942, descendente de uma família de irlandeses, franceses e ingleses. Seus primeiros anos de infância foram a cidade natal, mas devido a dificuldades financeiras do pai pelo desemprego, mudou-se com a família para Delaware, onde passou a maior parte de sua vida, e onde também entrou e se formou em Dreito, na universidade local.
Já formado, prometeu à sua esposa que iria entrar na política após os 30 anos. Dito e feito: entrou em 1973, pelo partido Democrata, no qual pode conciliar ideias mais progressistas e a sua fé católica. Teve um mandato como prefeito e o restante como senador, como que atuou até este 2020.
Se direcionou contra a injustiça da desigualdade de gênero, atuando para combater a violência contra a mulher, cujos índices naqueles anos eram ainda alarmantes em algumas regiões e quando os governos republicanos estavam no poder. Essa violência sempre foi tema mal explorado pela mídia.
A relação com colegas como o veterano Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e Kamala Harris foi proveitosa para aprofundar na importância da luta contra o racismo, a desigualdade social e a questão do meio ambiente em escala nacional e internacional.
Se tornou vice-presidente de Barack Obama quando da eleição de 2008, na chapa que durou até 2016. Foi se preparando para uma futura corrida à presidência, na falta ou desistência de outro candidato em seu partido. Dito e feito: em 2020 entrou, após desistência de Sanders.
Entusiasmado pela inflamada defesa de Kamala pela causa ambiental e as culturas originárias, Biden a chamou para compor para ser vice na chapa a concorrer com Trump na corrida presidencial de 2020, e vencer com um recorde de mais de 70 milhões de votos populares e mais de 320 votos de delegados, no pleito mais nervoso da história dos EUA.
->
Kamala Harris: resumo biográfico
Kamala Devi Harris é filha de um imigrantes jamaicano e uma indiana, que se conheceram e se casaram em Oakland, que seria a cidade natal de todos os filhos do casal. Kamala nasceu em outubro de 1964. A família passou a seguir a crença Batista.
Ela enfrentou as dificuldades típicas em sua infância e juventude. Talvez por este motivo desenvolveu um olhar crítico, aguçado pelos anos de vida acadêmica e de advogada. Foi eleita procuradora duas vezes, distrital em San Francisco e geral em seu Estado.
No partido Democrata, tentou se candidatar à presidência dos EUA, mas depois foi para ser senadora, cargo em que foi eleita. No período, criticou duramente o governo Trump, especialmente na gestão sobre a pandemia de Covid19, e na aliança com governos como o de Jair Bolsonaro.
Destacou-se na tribuna por sua personalidade forte aliada à inteligência e aguçado senso crítico. Suas chamadas nas redes sociais sobre meio ambiente e povos originários a opuseram aos governos de países destruidores e atraíram Biden, que a chamou para a compor a chapa presidencial em 2020.
Desde 2014, Kamala Harris é casada com Douglas Emhoff, um estadunidense também com formação em Direito, exercendo advocacia no momento. Por conta da eleição da esposa como vice-presidente da República, Douglas se prepara para se tornar segundo-cavalheiro, sendo ele o primeiro na história, dado ser Kamala a primeira vice-presidente da República.
-> Possível atuação da era Biden-Kamala
Enquanto a posse de 20/01/2021 não chega, os primeiros sinais mostrados pela dupla eleita nos fornece algum vislumbre da direção política assumida por Biden-Harris nos primeiros dois anos, nas políticas interna e externa.
Embora analistas apontem o viés liberalizante, Biden não tem uma visão progressista pelo olhar mais à esquerda, apesar do aprendizado com Sanders. Ele certamente não tocará em assuntos que melindrem os mais ricos: enfrentar o stablishment estimulado pelo trumpismo1 em apenas alguns pontos já será desafiante.
Política interna- A dupla terá desafios internos de peso, em especial na saúde pública, na economia interna e desigualdades sociais, e o complexo e histórico problema do racismo.
Saúde pública: o descontrole da C19 entre os mais pobres escancarou a falta que faz a saúde pública nos EUA. O problema é vencer a queda de braço com os empresários que dominam o setor e tiveram incentivo de U$ 3 trilhões, o que não adiantou. Mas essa briga será um estresse necessário para conter a pandemia.
Economia interna: com política anarcoliberal, o trumpismo encorpou os reflexos da crise de 2008, com aumento expressivo da população sem teto em 5 anos e redução do consumo doméstico. Essa camada tem sido um alvo da então senadora Kamala, que tem cobrado das autoridades políticas públicas contra a crise habitacional.
Racismo: manifestos populares por todo o país devido à violência policial contra os cidadãos negros desmascarou a persistente e histórica crise racial, alimentada no trumpismo. Mas há o arraigamento religioso, como o cinturão bíblico pentecostal no sudeste dos EUA, onde o preconceito racial é mais forte, apesar de, ironicamente, a maioria negra da região ser cristã pentecostal: o que fazer?
Por entender nos protestos em massa um recado popular para combater o racismo, a dupla terá que investir na educação, como a melhor forma de buscar a pacificação. Combater o preconceito será difícil, mas uma política educacional inclusiva da diversidade tem tudo para ser a melhor solução.
Política externa: é sabido que na política externa os EUA adoram dar pitaco no mundo. Com Biden não será diferente, tendo os mesmos assuntos pendentes: acordos nucleares, econômicos, disputa de poder, etc. A depender do país. Mas tudo dependerá da postura do próprio Biden nos diálogos.
Acordos nucleares: A Coreia do Norte parece temer Biden na chance de perder acordo feito com Trump sobre não soltar mais mísseis. Já o Irã pode voltar à política de suspender experimentos com combustível nuclear. Tudo vai depender mais de como Biden pensa sobre esses assuntos.
Econômicos: em decorrência da crise da pandemia de C19, há suspense sobre acordos econômicos com parceiros europeus tradicionais como a Alemanha. Mas há chances positivas, devido ao plano global de Biden de combate ao flagelo virótico com uma equipe multinacional (tem até brasileira no meio).
Disputa de poder global: China queria a reeleição de Trump porque este teria diminuído os EUA. Mas não foi Trump o grande culpado, e sim o mercado financeiro. E Biden não conseguirá mudar o cenário. Portanto, a China continuará a dominar o mundo, por um triunfo: seu capitalismo industrial, que sempre está aí para substituir o desgastado ou o obsoleto em consumo.
-> Biden e o Brasil
Brasil e EUA sempre foram parceiros, independente de quem esteja no poder. O que manda é o giro econômico. Mas o momento presente tem um contexto bem peculiar na história dos dois países, eco de uma fisiologia estranha ligada ao extremismo anarconeoliberal.
A posição subalterna do Brasil é antiga. Na ditadura se ressaltava: "o que é bom para os EUA é bom para o Brasil". Na era petista houve um sopro de autoestima, que diminuiu no 2º governo Dilma até ferrar-se no bolsonarismo. Afinal, "I love You".....
As negociações entre Bolsonaro e Trump se resumiram ao financeiro como a ideia de Guedes de entregar o Banco do Brasil ao exaurido Bank of America. Ninguém tocou em pontos prioritários2, inclusive o leilão do pré-sal foi um fiasco total.
Com recordes de devastação ambiental e assassinatos de indígenas, é certo que a relação entre Biden e Bolsonaro será muito diferente. É bem difícil estimar como o brasileiro se portará, mas como já se sabe, dele se espera tudo. Mas, também, pode botar a barba de molho: Kamala pode tomar a frente.
Há dois pontos também não resolvidos: a sobretaxação do aço brasileiro imposta por Trump e, claro, o meio ambiente, entre outras coisas. Mesmo se quiser se omitir no segundo, o governo brasileiro deve se preparar com Kamala: "imponha desmate zero agora, e retiraremos a sobretaxação".
Muita calma nessa hora: como declarou Kin Jong-un, da Coreia do Norte, Biden é "uma fúria calada". Imagine Kamala. A liberdade de zombar com bravatas pode ser de latão, mas um encontro no mínimo educado e protocolar, é de ouro. Guardar a birra para si será o melhor caminho para colher os melhores frutos dessa relação.
----
Notas da autoria:
1 Ideologia cristocêntrica e supremacista branca, de política econômica anarconeoliberal, marca política de Donald Trump.
2 Planos bilaterais de comércio de matérias-primas, produtos e serviços, leque de intercâmbios, manejo ambiental e recuperação de áreas degradadas, etc.
3
Para saber mais:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Joe_Biden (biografia)
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Kamala_Harris (biografia)
- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54864131 (política externa)
- https://oglobo.globo.com/mundo/plano-de-governo-de-biden-o-mais-progressista-em-decadas-mas-pode-enfrentar-obstaculos-no-congresso-24729117
- https://www.dw.com/pt-br/joe-biden-e-kamala-harris-uni%C3%A3o-das-diferen%C3%A7as-faz-a-for%C3%A7a/a-54597627
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Bible_Belt
-
-
-
Nenhum comentário:
Postar um comentário