Eleições municipais 2020: perdas e ganhos
As eleições municipais neste 15/11 nos deram muito suspense, pois foram afetadas por um ataque cibernético nos servidores do TSE, atribuídas mais tarde a milícias digitais.
Seus indícios ocorreram no país todo, mas até se saber quem foi, a lentidão deu nervoso geral. Só após as 22h que a velocidade da contagem ficou normal, revelando os primeiros resultados e dando aval para análises preliminares. A maioria das cidades vai ter segundo turno para definir o novo prefeito. Mas o resultado preliminar já nos oportuniza analisar a conduta do eleitor, o tipo de voto e o cenário político geral. E quem ganha ou perde com isso.
-> Tipo de voto
Para dar argumento ao título deste artigo, há variantes que revelam a realidade das nossas relações com a política. Uma variante importante para se entender a nossa realidade é o tipo de voto, que pode ser: útil, exclusão, estratégico, ideológico, e de cabresto.
ÚTIL- é o mais comum no primeiro turno dos pleitos regionais e federal. O motivo é a grande quantidade de candidatos. A 1ª eleição presidencial direta no pós-ditadura (1989), por exemplo, largou com 22 candidatos.
A utilidade maior deste voto é a seletiva, através da análise do cidadão sobre a viabilidade eleitoral de cada candidato. O eleitor compreende que o candidato em 3º lugar entra como uma opção nas próximas eleições.
EXCLUSÃO- típico no 2º turno, tem caráter decisivo a partir de um refino analítico do eleitor, que escolhe quem deve ser eleito. Neste tipo ocorre o tradicional "o menos pior", ou "rouba, mas faz".
Mas não é exclusivo do 2º turno. Exemplo notório é o de Belo Horizonte, com a reeleição de Kalil logo no 1º turno, e em cidades nas quais só concorrem dois candidatos. Sorte dos belo-horizontinos em plena segunda onda de Covid...
ESTRATÉGICO- ocorre quando o eleitor analisa o contexto geral e os candidatos em seus currículos e capacidade técnica. É o mais racional e complexo. O Opus Pesquisa dá um exemplo:
"A corrida presidencial em dois turnos possui três candidatos, e o eleitor demonstra preferência pelo que está na liderança. Entretanto, ele avalia que o seu candidato possui mais chances de vencer o segundo turno caso enfrente o terceiro colocado nas pesquisas eleitorais. Após avaliar o cenário, o eleitor decide então votar no terceiro colocado, vislumbrando uma vitória mais fácil no segundo turno".
A citação revela como o eleitor deve contextualizar a situação de cada candidato para se decidir.
IDEOLÓGICO- este tipo ocorre em duas formas: na identificação com a vertente político-partidária, ou na confiabilidade/competência técnica para resolução e administração de problemas.
Ou seja: se o candidato é de esquerda, direita ou centro, se liberal ou conservador, se democrático ou não; e a capacidade técnica aliada à objetividade e presença atitudinal na minimização de problemas.
DE CABRESTO (curral)- voto compulsório por indicação de líderes in loco1. Ocorre desde a República Velha, e hoje tem outro nome: curral eleitoral. É notoriamente antidemocrático e ilegal, mas o pior é ser forte determinante na manutenção de uma política tradicional que nada agrega de positivo à nação.
-> Perdas e ganhos
Os resultados preliminares das eleições municipais de 2020 geraram um alvoroço no meio midiático, que mais pareceu a continuidade da reação da mídia mundial à eleição de Joe Biden nos EUA. Nossas eleições municipais mais pareceram a continuidade da estadunidense. Faz sentido o alvoroço.
Em várias capitais e cidades de médio porte observou-se domínio de nomes, já reeleitos ou líderes no 2º turno, nada bolsonaristas. Em Belo Horizonte, o centrista Alexandre Kalil foi reeleito com mais de 60%, revelando a forte influência do voto ideológico por avaliação de competência.
São Paulo é outro caso interessante: estão no 2º turno Bruno Covas2 e Guilherme Boulos, do PSOL, uma surpresa nunca apostada, que ultrapassou o bolsonarista Celso Russomanno. Boulos tem 35% das intenções de votos e Covas 47%, conforme pesquisa mais recente.
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM) lidera com folga no 2º turno. O bolsonarista Marcelo Crivella tem grande rejeição popular devido à administração desastrosa e corrupta, e concorre via liminar, que pode (ou não) ser cassada após os resultados finais do pleito.
A eleição de Crivella em 2016 teve peso da geral evangélica por ser bispo da IURD (voto de curral), e do medo de outros eleitores sobre Marcelo Freixo, alvo das fake news de aliança com o tráfico. Mas agora pode perder mediante voto por avaliação de competência.
Mas a escolha de Paes também pode indicar variantes ocultas, como a antipatia ao PT de Benedita ou a ausência de Freixo, de crescente relevância na Câmara federal. Este último principalmente, no fático crescimento de psolistas na vereança, e tendo Tarcísio Motta como vereador mais votado.
Cidade de médio porte, Juiz de Fora (MG) votou ideologicamente em Bolsonaro em 2018. Todavia, a bolsonarista Delegada Sheila perdeu. Estão no 2ºturno Margarida Salomão (PT) e Wilson Rezato (PSB). A petista concorre pela 4ª vez seguida e lidera, podendo ser eleita por capacidade.
Entre as capitais de N e NE, algumas se inclinaram para a direita tradicional bonapartista (Salvador, Natal, João Pessoa, São Luís, Manaus) ou centro-esquerda (Recife, Fortaleza, Aracaju, Belém). Em Campo Grande, Cuiabá e Goiânia domina a centro-direita, mas não o bolsonarismo, até o momento restrito a Vitória.
Apesar da cultura bonapartista, as capitais do Sul não escolheram o bolsonarismo. Em Florianópolis, o tucano Gean foi reeleito. Em Curitiba, Grecca foi eleito em boa parcela pelos que ele odeia: populares. Em Porto Alegre Sebastião Melo (MDB) e a comunista Manuela D´Ávila estão acirrados.
Os exemplos acima mostram destaque do bonapartismo3, mas a esquerda está mais visível. O PT teve prefeitos eleitos em cidades do interior, e muitos vereadores. O PSOL surpreende em duas capitais (em Belém lidera) e na vereança da maioria delas.
Apesar do maior destaque na vereança, o bolsonarismo perdeu lugar entre prefeitáveis. Mais para a esquerda do que para a própria direita. É uma guinada muito forte, ainda que, vale salientar, a direita bonapartista não seja lá a solução dos problemas piorados e outros adicionados. Esse é o recado maior, mas há outros.
Como a percepção de que o bolsonarismo foi o extremo de aposta errada, sem proposta positiva e, daí, ser representado por administrações catastróficas e muito corruptas. E que nenhum extremismo dura muito tempo em nações historicamente diversas.
E, em termos da relação entre religião e política, vale ressaltar que o segmento evangélico é, na real, heterogêneo, com uma crescente minoria progressista, como a que segue o pastor psolista Henrique Vieira, do RJ, que encarnou o polêmico Cristo LGBTQ em histórico desfile da Mangueira em 2019.
-> Conclusões para a esquerda e centro-esquerda
Mesmo não sendo a grande vencedora, a esquerda reconquista, aos poucos, antigos redutos. E com possibilidade de conquistar os novos. Depois de alguns anos duramente recuada pelos bolsonaristas, seu retorno, mesmo tímido, já pode ser considerado um ganho, e se oportunizar reencontrar as bases que a sustentam.
Típica da velha política, a direita bonspartista também é um osso chato de roer. Mas, por não ser próxima dos populares e só priorizando a perpetuação no poder, pode sofrer queda em muitos locais no pleito de 2022. Assim, as forças progressistas de centro-esquerda e esquerda podem reconquistar seus lugares, e aí, sim, se completa o ganho.
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Notas da autoria:
1- Locais conhecidos são: seios comunitários, igrejas, associações específicas, etc.
2- Do PSDB, Covas não é bolsonarista, e concorre à reeleição.
3- No Brasil, é apelido da direita tradicional, cujos representantes, como Rodrigo Maia, querem se perpetuar no poder. Não é populista, a prioridade é unicamente o poder. Ela é antiga e caracteriza o coronelismo dos rincões do interior.
Para saber mais:
- https://www.opuspesquisa.com/blog/eleitoral/tipos-de-voto/
- http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=36fa3ecc0b2d2bfe
- http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2010/Historia/teses/8lee_tese.pdf
- https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/22/bolsonaro-e-o-ocaso-da-teoria-politica-moderna/
- https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/breves/influencia-das-milicias-no-processo-eleitoral-e-relevante-diz-barroso/
- https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/notas-preliminares-sobre-religiao-nas-eleicoes-2020/
- https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2020/segundo-turno-em-sao-paulo-covas-boulos-o-que-esperar/
- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/ibope-no-2o-turno-covas-tem-47-e-boulos-35/
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