segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Eleições EUA e a ansiedade de Bolsonaro


     No momento, o mundo volta as atenções para as eleições para presidente nos EUA. O Brasil também, na expectativa dos números cujo resultado final parece nunca chegar. Uma sensação de agonia toma conta da geral.
     O democrata Joe Biden segue à frente no complicado pleito, que virou alvo de zoeira para muita gente, e de questionamentos sobre o significado de democracia nos EUA. As duas visões, claro, fazem pleno sentido.
     O humor se justifica pelo sistema eleitoral dos EUA, que mantém o mesmo método desde o século XVIII, pós-independência. Avançado no início, ultrapassado hoje, pois Brasil e mais 34 países usam o voto eletrônico. Até alguns estados dos EUA também o usam, o que pode contribuir para a bagunça.
     Outro alvo da zoeira nesse pleito é Donald Trump, que percebe a iminente derrota até em alguns dos Estados tradicionalmente republicanos e alega fraude, sem provas. E Jair Bolsonaro entra na zoeira que viraliza na internet, devido à sua forte proximidade com o republicano.
     A crítica está na manutenção de voto indireto decisivo por um colégio eleitoral de delegados nos 50 estados (o número depende de eleitores recenseados¹), e na segurança da informação, devido à grande suscetibilidade de fraude ou erro, independente da ética dos mesários.
     Há um detalhe relativo à segurança da informação: a lei prevê recontagem se a diferença entre os dois candidatos é menor que 0,5%, ou por erro de dado, o que pode sugerir fraude². E, não raro, a parte em desvantagem, inconformada, pode recorrer ao indecoro visando a virada do placar.
     O ponto positivo é o voto por carta, que se torna vantajoso na excelência do sistema postal e nesse contexto de pandemia. Esses votos estão sendo aos poucos contabilizados, se mostrando até o momento majoritários a Biden, e é em cima deles que Trump faz inconformados ataques conspiratórios.
     Neste momento em que escrevo este artigo, recebo a notícia do reconhecimento da vitória de Biden, a despeito de ainda ter um pequeno punhado de votos para terminar de contar - o que só consolida a dada vitória do democrata. E Trump resiste bravamente: "não vou sair da Casa Branca, eu ganhei".

-> Governo Biden: relação Brasil-EUA, Bolsonaro, democracia estadunidense

     A maioria dos brasileiros, dentro do Brasil, parece ter participado da votação, tamanha a torcida da maioria por Biden, e uma minoria barulhenta por Trump. Tal como ocorreu com as eleições presidenciais de 2018, os dois grupos de brazucas torcem pelos seus candidatos como que para times de futebol.
     Mas o principal motivo dos brasileiros não pesa no suposto perfil político do democrata ou o que fará, se eleito. E sim no enfraquecimento de Bolsonaro, que enfrenta a rejeição externa geral, e a interna é crescente. Se espera que a derrota definitiva do republicano sele o destino de Bolsonaro até 2022.
     Internamente, o governo Biden será o tradicional America first ('América primeiro', que o Brasil poderia fazer igual para combater a anomia³ do momento). Com vários desafios a ser enfrentados, como polarização, e maior empobrecimento, desigualdade e violência policial contra minorias, a postura poderá ser bem rigorosa.
     Mas, há um detalhe: Kamala. Primeira vice-presidente da história política estadunidense, não-branca, ela tem personalidade forte, e pode ser decisiva no governo Biden. O que pode fazer grande diferença em um país sem muita atenção aos vices, e na sua relação com o mundo, incluindo o Brasil.
     A relação Brasil-EUA foi muito mais Bolsonaro-Trump do que entre os dois países, dada a prioridade em afinidades ideológicas sobre os negócios. Piadas e memes à parte, essa relação (de dominação) nos prejudicou brutalmente: ninguém gosta de puxa-saco submisso.
     É certo que o governo Biden-Kamala implicará mudanças profundas na relação com o Brasil. Poderá haver possíveis conflitos diplomáticos nos temas de direitos humanos e ambiente natural, se o governo brasileiro resistir às mudanças impostas devido à birra político-ideológica. Vai ser dureza: Bolsonaro conseguirá encarar isso? Afinal, já está ansioso o bastante.
     American democracy: um mito desmascarado por fatores como a reeleição duvidosa de Bush filho, os manifestos populares tão pelo social quanto antirracistas, e o próprio sistema de voto, que o pleito-2020 derrotou não só pelo ridículo num país pioneiro em TICs4, como também por minimizar o valor popular.
     Já se vislumbra nos bastidores a necessidade de profunda reforma eleitoral estadunidense. Mas, como possível legado da pandemia de Covid, o voto pelo correio, que só ocorre em alguns estados, valerá para o país todo. Mas, o mais importante é refletir se a manutenção de delegados decisivos é mesmo válida, o que já ocorre desde antes. E esta eleição já deu a sua resposta.

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Notas da autoria:
1 O sistema, gerrymendering, prevê a relação entre número de populares eleitores e delegados. A ausência de certo número de populares implica na redução de delegados participantes de forma correspondente.
2 A recontagem ocorre por decisão da Suprema Corte, o STF dos EUA. 
3 Destruição da ordem sociopolítica (sobre a República) e econômica (no esfacelamento do Estado). A versão brasileira do America first é a prioridade aos interesses internos do Brasil (brazilian first), para se opor à anomia.
4 Tecnologias da informação e comunicação, desenvolvidas a partir da computação.

*Fotomontagem pela autoria do artigo; fotos captadas no Google Imagens.

Para saber mais:
- https://es360.com.br/como-surgiu-e-com-funciona-o-colegio-eleitoral-nos-eua/
- http://www.sedep.com.br/noticias/pesquisa-revela-que-35-paises-utilizam-sistema-eletronico-de-votacao/
- https://brasil.elpais.com/internacional/2020-11-06/resultado-das-eleicoes-eua-2020-ao-vivo-biden-x-trump.html
- https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2020/09/24/mais-de-60percent-dos-americanos-apoiam-emenda-para-substituir-colegio-eleitoral-pelo-voto-popular.ghtml

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