domingo, 6 de dezembro de 2020

C19 e a embromação na vacinação

     Assim como outras pandemias viróticas, a C19 gerou temor global. E faz sentido: afinal, a doença já ceifou 1,6 milhão de vidas pela doença no planeta, desde que esta foi oficialmente reconhecida como pandemia pela OMS há quase 10 meses.
     É muito difícil enumerar todos os fatores de tamanha facilidade de expansão, transmissão e contágio do Corona pelo mundo. Mas alguns são certos, como invisibilidade das nações mais pobres pelos grandes grupos e negacionismo de alguns movimentos sociais e até políticos.
     Aqui no Brasil, desde que os estudos sobre as vacinas anti-C19 foram divulgados, surgiu uma dicotomia entre a esperança de quase 70% dos brasileiros e uma enrolação governamental enervante nos últimos meses.
     Um ponto interessante é que o negacionismo sobre a C19 é bem plural, e nem é exclusivo de um ou outro país. Ele ocorre em nações desenvolvidas também, e os motivos às vezes são percebidos em nível individual e não coletivo.
     Vocês poderão perguntar porque dos parágrafos acima se o titulo evoca a intenção de falar sobre a vacina da C19. O negacionismo é a chave-mestra desse título. Essa relação será abordada adiante.
     Para tanto, até se chegar à embromação governamental, vale iniciar sobre os negacionismos ligados à vacina.

-> Movimento negacionista: conceito, tipos e história

     Movimento negacionista é todo aquele que nega fato ou circunstância em dado momento histórico como realidade, ainda que seja concreta de qualquer forma. Em relação ao assunto, há vários tipos: sociopolítico, climático, de saúde, etc., abaixo relacionados.
     Climático: em fatos envolvendo clima e meio ambiente. Embora o caso brasileiro seja emblemático, a negação da realidade ambiental e climática ocorre em vários cantos do planeta, a despeito de consequências claras como a menor biodiversidade e derretimento acelerado do gelo. Há nomes famosos nesse campo.
     Empresarial: por conflitos de interesse no mundo corporativo, e incide na deslealdade competitiva, quando as corporações passam a praticar desonestidades com outras em nome do capital.
     Socioeconômico: nega a realidade socioeconômica, como a desigualdade social brasileira, a inflação na economia popular1, e a excessiva lucratividade dos bancos privados por soma de taxação abusiva, repasse do PIB (dívida pública) e lucratividade sobre os impostos que pagamos.
     Se culpa muito a pandemia de C19 pela atual depressão econômica brasileira. Na verdade a causa está na inépcia e deslealdade do setor econômico do governo. A C19 pouco complementou.
     Institucional: pródigo no Brasil graças à grande mídia e governos, nega a realidade da maioria dos servidores públicos. A geral é induzida a acusar servidores de "vagabundos que ganham muito" e de "ferrar a economia". Um folclore antigo, que hoje se acirra ideologicamente. Em análise, o texto da reforma administrativa2 de Paulo Guedes será votado em 2021.
     Da saúde: em geral nega a realidade dos diagnósticos e tratamentos de certas doenças, deprecia a ação da ciência médica em pesquisas clínicas, etc. O caso da C19 é hoje o principal alvo das negações, mas há muitos outros casos, historicamente. O curandeirismo religioso a substituir o tratamento médico é um exemplo dessa negação.
     O caso C19 é emblemático: a interferência política que incentiva a cloroquina (ou hidroxi-) para tratar a C19, inação política sobre compra de vacina e incentivo à fabricação de insumos, recusa própria e popular em usar máscaras e álcool e favor a aglomerações são exemplos de negação da gravidade potencial da doença e reforçam os movimentos antivacina, em especial sobre a chinesa CoronaVac3.
     Político: nega a realidade de fatos políticos. As famosas fake news sobre a prisão de Lula no caso do tríplex e contra o PT na corrida presidencial, bem como a atribuição de obras de governos anteriores ao atual, são exemplos de negação da realidade, são dois dos muitos exemplos de negacionismo político.
     A prisão de Lula foi considerada comum, até o The Intercept desmascarar a conduta do ex-juiz Sergio Moro na condução sobre Lula Lava Jato. Além de ilegal, a conduta de Moro negou a legalidade política de Lula em sua candidatura na corrida eleitoral de 2018.
     A preocupação de Bolsonaro em caçar as "bruxas do globalismo marxista" em detrimento de política pública para frear a tragédia da C19 revela a negação de um problema concreto e grave, em consequência muito séria sobre o país.
     Há numerosos outros exemplos de negacionismo político, não postos aqui para não delongar neste artigo.

-> Breve história dos movimentos antivacina

     Como há muita recusa entre alguns brasileiros em se vacinar, vem à mente a historicidade desse ato. A revolta da vacina há 100 anos não foi o movimento antivacina, e sim um após a criação da vacina pelo médico e naturalista britânico Edward Jenner. 
     Antes da vacina de Jenner, a varíola já avassalava o mundo séculos antes. Registros da África e China revelam a variolação,  processo que consistia em passar, para sujeitos sadios, extratos secos de pessoas levemente doentes, para que houvesse uma proteção posterior. 
     Chineses sadios recebiam extratos secos de doentes pelo nariz, via bambu. Os africanos amarravam tecidos contaminados nos braços de crianças sãs. A técnica africana chegou à Europa por Onesimus, que a ensinou ao seu dono Corron Mather. A vacina de Edward Jenner viria nos anos 1790.
     Jenner investigou a leve forma vacum4 que adoecia mulheres leiteiras. Coletou pus de uma doente e o inoculou no braço do menino James Phillips. Este desenvolveu sintomas leves, mas sem adoecer de fato. James foi inoculado com pus de outra doente, sem reação: se descobre a imunização
     Um ano após novos experimento em James, Jenner relatou seu estudo na academia científica Royal Society, que o considerou insuficiente. Ele ampliou a pesquisa com outras crianças e seu filho, sendo o seu trabalho publicado em 1798, dado o sucesso contra a varíola humana. Surge o protótipo da vacina.
     No início do séc. XIX surge a primeira campanha de imunização em massa, encorajada pela Lady Mary Wortley Montagu, por método de arranhão próximo ao de Jenner. Houve um debate entre os que defendiam o progresso científico e os opositores que o acusavam de "demagogia" e "promoção da paranoia".
     O motivo: era uma imunização forçada, cujas recusas geravam multas cumulativas. Na campanha de 1867, os protestos tiveram apoio da publicação Human Nature. O apoio se baseou em supostas mortes pela vacinação em campanhas anteriores, conforme petições desconsideradas pelas autoridades.
     Só após os estudos em imunologia, décadas depois, que se compreendeu que as tais mortes não se deveram à vacina, mas à relação com fatores como alergias específicas ou já estar doente, intoxicação ou envenenamento por outras substâncias. 
     Mas os protestos ficaram e se amplificaram. No Brasil, a 1ª campanha (1904), compulsória, no Rio de Janeiro, então capital federal, culminou na popular Revolta da Vacina, que enfrentou a violência da repressão policial. A história oficial alega a ignorância popular como motivo, sendo o real a imposição violenta da campanha.
     Em 1974, após omissão inicial que deixou a meningite ceifar milhares de vítimas, Ernesto Geisel abriu campanha de vacinação compulsória. Protestos contrários foram suprimidos com violência pela Polícia do Exército da ditadura militar. Eles retornariam à atividade após esse regime. A sorte é serem minorias.
     Embora minoritários, os grupos antivacina podem convencer seus próximos a recusar a imunização por meio de "fontes confiáveis" na internet. O que tem facilitado o retorno de certas doenças, como os surtos de sarampo no Brasil e outros países. Uma constatação do perigo desses movimentos à saúde coletiva e suas conquistas.

-> C19: embromação na vacinação

     A pandemia de C19 vem no contexto de anomia sociopolítica que nega a gravidade da tragédia de quase 200 mil mortos e ideologiza tratamentos clínicos e vacinas. A pregação de vacina facultativa por Bolsonaro poderia ser bem recebida pelos grupos antivacina brasileiros, mas não foi bem isso que se seguiu. 
     A ideologização mantêm os grupos antivacina ativos. Na falta de tecnologia para conservar a vacina de Oxford a -70ºC e a da Moderna a -40, restaria a chinesa Sinovac que se conserva de -10º a -20ºC. Mas, dadas as provocações de Eduardo Bolsonaro ao "comunismo chinês", o Brasil terá um problema gigante à frente.
     A Rússia iniciou a sua primeira campanha em fins de outubro, encerrando em 5/12. Vários países de Europa, Américas e Ásia, talvez África também, iniciarão a vacinação já no primeiro semestre de 2021. Já o Brasil segue perdido entre movimentos negacionistas e um governo ideologicamente paranoico que faz da vacinação anti-C19 uma embromação política.
    
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Notas da autoria:
1. A inflação dita oficial não bate com a realidade da relação entre congelamento da renda e o aumento dos preços do varejo, inflando a transferência de impostos ao consumo, em vez de na produção e nos serviços.
2Propõe regras de contratação de novos servidores, fim da estabilidade, congelamento salarial e atinge os atuais já estáveis. É inconstitucional.
3. O protesto houve na soma de sinofobia com motivação político-ideológica. Porém, é a vacina mais adequada para a realidade brasileira e da maioria dos outros países.
4. Forma de varíola que atingia os bovinos, contraída de leve pelas mulheres coletoras de leite.

Imagens: Google

Para saber mais:
- https://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,conheca-a-origem-do-movimento-antivacina,10000074329
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Negacionismo
https://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Jenner
- http://cienciaviva.org.br/index.php/2020/04/05/breve-historia-do-movimento-anti-vacina/
- https://pilulas-diarias.blogspot.com/search?q=revolta+da+vacina
- https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/21/negacionismo-prejudica-nao-so-a-saude-como-conquistas-e-avancos-da-medicina.htm
- https://revistacult.uol.com.br/home/negacionismo-historico/







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