#Curiosidade: O narcisista
A figura ao lado é uma obra-prima de Caravaggio (1571-1610), Narciso. E ela inspira este décimo-segundo artigo da categoria #Curiosidades, subcategoria Transtornos de Personalidade, para falar sobre o transtorno dos que se amam demais.
****
Ele carrega em si a máxima: "o maior e melhor amor da sua vida é você mesmo", e a solta com toda a naturalidade para aqueles que no momento estão tristes ou deprimidos, como se estes fossem milagrosamente se alegrar.
Como resposta à pergunta do amigo, triste devido a um plano malsucedido, ele apenas aconselhou, sem nenhuma empatia no olhar, com arrogância a subestimar o amigo por uma situação momentânea.
Pode ser minimamente estranho, mas pois bem, caros leitores, esse comportamento pode não ser um problema de caráter que sugira um propósito. Pode ser um transtorno narcísico, e o personagem seco pode nem saber disso.
-> Conceito, características, comorbidades, diagnóstico e tratamento
O Transtorno de Personalidade Narcisista ou Narcísica (TPN) é uma alteração psíquica ligada à regulação da autoestima, e daí se acharem merecedores de adulação constante. O nome do transtorno se liga ao mito de Narciso.
--
Narciso era filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope, e tinha uma irmã gêmea. O adivinho Tirésias previu que ele teria uma vida longa, desde que nunca visse a sua própria imagem. Ele era apaixonado por sua irmã, com quem se parecia em beleza.
Um dia ela morreu e, desgostoso, Narciso se debruçou sobre um lago para ver em seu reflexo a imagem de sua irmã. E teve o seu fim. Onde estava seu corpo, restou apenas uma flor, o narciso.
--
O paciente TPN necessita ser bajulado para se sentir bem consigo. Superestima seus atributos e realizações e subestima os alheios. Se acredita único, original e especial, também na aparência e na vida amorosa. Daí as suas interações sociais se limitarem a pessoas tão especiais quanto ele mesmo.
Arrogante e altivo ao subestimar os outros, o paciente TPN se revela sem empatia, sendo impedido de estabelecer interações sinceras.
Como depende de elogios constantes e ainda quer saber o que pensam dele, o paciente TPN tem, na real, autoestima frágil. Não suporta a menor crítica negativa e seus próprios fracassos, e responde com raiva ou desprezo, reagir com violência ou se afastar, numa pseudo-aceitação para proteger o seu ego grandioso.
Por conta dessas características e da extrema seletividade de interações, o paciente TPN evita, na medida do possível, situações passíveis de falhas. Por isso, eles podem ter dificuldade de se realizar profissionalmente de fato, uma vez que falhas são inevitáveis ao longo da vivência.
Etiologia: componente hereditário possível, que pode ser explicado também na forma da criação da criança (excesso de críticas ou de elogios)
Prevalência: varia entre 2% e 6,2% na população geral (EUA), principalmente no sexo masculino.
Comorbidade: comum. Depressão maior ou distímica; outro transtorno de personalidade (paranoico, borderline, ou histriônico); casos situacionais se ligam a abusos de tóxicos como a cocaína.
Diagnóstico: critérios específicos via DSM-V; sinal-chave: ego grandioso e necessidade de elogios. Outros: sensação infundada da própria importância; fantasias de realizações ilimitadas ou de poder; se sentir especial; relações somente com quem tem "alto calibre"; falta de empatia.
Deve ser diferenciado da personalidade antissocial devido à motivação da exploração de outrem; do bipolar porque sua mudança de humor se liga à autoestima; e da personalidade histriônica porque só querem ser sempre admirados.
Tratamento: psicoterapia psicodinâmica; medicação só em comórbidos com depressão ou paranoico e mesmo assim, depende estritamente da gravidade.
-> Reflexões finais
Se somos sadios em nossa estrutura afetiva e psicossocial, temos autoestima normal. Suportamos uma crítica mais pungente e nos lisonjeamos com um elogio e seguimos nossas vidas. Mas, se a pessoa se ofende à menor crítica e adora bajulações o tempo todo, aí tem coisa errada.
Mas, não é nada fácil distinguir o no normal do transtornado. O que pode caracterizar o TPN é a incapacidade do sujeito em controlar a sua necessidade de elogios e autoestima, gerando sofrimento. Porém, ainda ocorrem outras fatores que dificultam distinguir o normal do patológico.
Um ambiente favorável a comportamentos de alta seletividade, arrogância e troca de bajulações é aquele em que se juntam pessoas que se declaram eruditas devido aos seus CVs1 de peso e certo poder financeiro.
Por motivos como esse, os pesquisadores estatísticos em saúde mental têm sérias dificuldades em definir prevalências. A dominância do TPN entre homens pode se ligar ao ambiente que sugere uma suposta superioridade masculina em papel social, rendimento e até inteligência.
Mas, uma vez tendo um familiar ou amigo diagnosticado com TPN, vale avisar da necessária ajuda profissional constante, cuidando-se em especial se for comórbido grave, que pode precisar de fármacos adequados.
O importante é salientar que todo sofrimento mental tem jeito, e na maioria dos casos tende a ser tratamento temporário. Por isso, nunca nos descuidemos, em nome da qualidade de vida.
----
Imagem: Google
Notas da autoria
1. CV = curriculum vitae. No texto aparece no plural.
Para saber mais
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/transtorno-de-personalidade-narcisista-tpn
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_narcisista
- https://arteeartistas.com.br/narciso-de-caravaggio/
-
-
Nenhum comentário:
Postar um comentário