Análise: Trocas e milicos
Afinal, sabemos que neste governo tudo que mais se opera tem muita coisa por baixo, cujo sigilo de certa forma é eficiente: podemos nunca saber da verdade, mas temos sempre nossas suspeitas.
Esse agito se refere em especial às modificações de nomes nos ministérios, e as repercussões das saídas de vários comandantes militares da equipe de governo.
As motivações para essas saídas e novas nomeações foram várias, e merecem ser analisadas para ver se encaixam nesse jogo. Pelo menos uma delas é muito óbvia: a movimentação mais belicista da parte dos Bolsonaro. Sim, no plural mesmo, pois a postura não se restringe ao presidente.
Sigamos na análise, por partes.
-> Saída de ministros: minirreforma?
A troca de 6 ministros em 29/3, iniciada pela saída de Ernesto Araújo (Rel. Exteriores) foi vista por Mourão como minirreforma ministerial. A cabeça de Araújo era reclamada há tempos pelo Centrão por interesses próprios, e até pelo exterior, por má gestão e antidiplomacia.
Saíram também Gal. Fernando Azevedo (Defesa), André Mendonça (Justiça), José Levi (AGU)1, General Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Fernando Ramos (Segov - Secr. do Governo da Presidência).
Substituições: embaixador Carlos Alberto F. França (Itamaraty), Braga Netto (Defesa), Anderson Torres (Justiça), AGU (André Mendonça), Flávia Arruda (Segov) e general Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil).
As rasteiras de Milton Ribeiro (MEC) e Marcos Pontes (MCT) ainda não enxuricaram o Centrão o suficiente, daí estarem ainda a salvo. O Centrão sabe que a ridícula promoção da ivermectina na C19 pelo astronauta foi ideia do presidente para distrair a plateia dos temas relativos às PMs.
Ultracatólico e bolsolavista2, Araújo já se constrangeu em convocação na Câmara sobre direitos humanos, isolou o Brasil globalmente com ataques a velhos parceiros e submissão a Trump, na recusa de vacinas ofertadas pela Pfizer e AstraZeneca em 2020 e irritou o Congresso várias vezes.
O estopim foi o tuíte sobre encontro com a senadora Kátia Abreu sobre diplomacia econômica. Mas, o teor do tuíte irritou Kátia, que teve apoio do Congresso. Substituído pelo embaixador Franco França.
Alvo de ofensas de Olavo de Carvalho, Gal. Fernando Azevedo foi discreto, mas decisivo sobre os privilégios e no maior orçamento para as FFAA, e discordou da proposta de subordinação das PMs ao presidente (sedição) para o autogolpe. Se reuniu com Bolsonaro antes das mídias divulgarem a sua demissão. Substituído por Braga Netto.
André Mendonça foi favorável a Bolsonaro sobre flexibilização da posse de armas por civis, no perigoso excludente de ilicitude das PMs e em brigas com o STF. Pastor, rezou seus cultos em locais públicos com nomes da caterva como Macedo e Malafaia. Substituído pelo delegado da PF Anderson Torres, retorna à AGU no lugar de José Levi.
José Levi teve relação turbulenta com Bolsonaro, por discordar deste na postura adotada contra o STF (os atos antidemocráticos) e na gestão da pandemia. Esta última gerou o estopim entre ambos. Em seu lugar volta André Mendonça.
O Gal. Braga Netto se notabilizou com seu plano Pró-Brasil, versão brasileira e moderna do New Deal estadunidense, apresentado na reunião ministerial de 22/4/2020. Foi humilhado pelo histriônico anarcoliberal Paulo Guedes, causando risos no presidente. Substitui Zeved na Defesa, onde lançou a pérola de elogiar a sanguinária ditadura militar.
Outro alvo de Olavo, Gal. Luiz Fernando Ramos quis evitar atritos com Bolsonaro, e deste pegou C19. Esteve na Segov desde junho de 2019, quando substituiu o colega Santos Cruz, que com acerto pressentiu a bagunça geral no governo e caiu fora.
-> FFAA
No frigir dos ovos na dança das cadeiras dos ministérios, houve outro anúncio triplo: a demissão dos comandantes da Aeronáutica, Exército e Marinha. O anúncio da saída dos comandantes ocorreu na terça, dia 30/3.
Saíram Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermúdez (Aeronáutica), a pedido de Bolsonaro, após reunião deste com Azevedo (Defesa) em 29/3.
A motivação teria sido a entrevista do Gal. Paulo Sérgio (DPessoal do Exército) ao jornal Correio Braziliense afirmando boa gestão na C19 na caserna. Mas há outros motivos, como a declaração de Mourão que as FFAA "não querem tomar assumir política de governo".
A tríade da cúpula das FFAA foi, na verdade, um fato inédito na história do país, talvez até mesmo das casernas. O que causou verdadeiro furor nas redes sociais, tanto entre influencers digitais quanto entre a opinião pública.
-> Reflexões finais
Mourão disse ser uma minirreforma ministerial, mas houve um rearranjo de três nomes enquanto outros três são nomes realmente diferentes ou novos: Franco França (Itamaraty), Anderson Torres (Justiça) e Flávia Arruda (Segov) - em que pelo menos duas são troca de seis por meia dúzia.
A exceção possível é Franco França, nome sugerido pelo Centrão, dada a sua experiência como embaixador e visão econômica liberal, sem aparente crença olavista e impeditivos para a gestão da C19. Porém, se declara conservador, o que o agrada Bolsonaro.
Deputada federal, Flávia Arruda é mulher do ex-governador do DF José Roberto Arruda, que foi enquadrado e preso por corrupção no Mensalão do DEM. Ela foi parceira ativa nas irregularidades do marido, pelas quais é investigada, mas ainda não indiciada.
Ela poderá ser usada por Bolsonaro para evitar novas críticas contra seu machismo misógino, e distrair a patuleia das atenções às votações das assassinas reformas de Guedes.
Deputado bolsonarista da bancada da bala, Anderson Torres é amigo dos Bolsonaro, escolhido a dedo por tais predicados para auferir à família proteção contra possíveis retornos das investigações da execução de Marielle Franco e outros crimes cometidos pela família.
Basta lembrar do assassinato recente de delegado imbuído de retomar investigações da execução da vereadora. Sabemos que foi queima de arquivo, mas o silêncio vai imperar ao lado da C19.
Quanto aos comandantes militares, a declaração de Mourão sobre a participação de militares deu impressão de que as FFAA não apoiam a ideia de autogolpe. De fato, eles e outros de alta patente já declararam não se subordinar a Bolsonaro para seus interesses, como atos golpistas.
Outra afirmativa a reforçar esse teor é a de Azevedo, sobre "ter cumprido o dever" de preservar as FFAA como "instituições de Estado", em respeito às prerrogativas da Constituição - mesma direção dos ex-comandantes e tantos outros, apesar das baixas patentes terem muitos bolsominions.
Em relação à entrevista do Gal. Pulo Sérgio sobre a gestão da C19, Bolsonaro disse à imprensa que "seu" exército não iria contribuir com os lockdowns de alguns Estados. As FFAA se incomodaram, deixando claro que têm autonomia e não são propriedade da presidência da República.
Realmente: o presidente brasileiro ser "comandante-em-chefe" das FFAA é muito mais simbólico do que prático, pois quem comanda as operações militares de fato é o alto oficialato. Muitos golpes o presidente já apronta, com ajuda de Guedes e o silêncio da mídia. Os resultados já estão aí, e estamos pagando muito caro com eles. Inclusive com vidas.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. Sigla de Advocacia-Geral da União.
2. Seguidor da fusão da ideologia de Bolsonaro com as conspirações de Olavo de Carvalho.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=kpRasR_HqTQ (BBC- entrevista com Kátia Abreu sobre Ernesto Araújo)
- https://www.youtube.com/watch?v=L8HN0EjmOSc (BBC- passagem de Ernesto Araújo)
- https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2021/03/em-menos-de-24h-dois-ministros-deixam-governo-federal.html
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Azevedo_e_Silva
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Anderson_Torres
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Braga_Netto
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Levi
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Eduardo_Ramos
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Pujol
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Andr%C3%A9_Mendon%C3%A7a
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/03/4915045-defesa-comandantes-das-forcas-armadas-serao-substituidos.html
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/03/4914855-bolsonaro-pediu-o-cargo-ao-ministro-da-defesa-apos-ler-entrevista-de-general-ao-correio.html
- https://www.dw.com/pt-br/comandantes-das-for%C3%A7as-armadas-deixam-os-cargos/a-57055069
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