#Curiosidade: transtornos e crimes sexuais
O último artigo da categoria #Curiosidades, foi abordado o tema sobre sexo, gênero, orientação e identidade sexual. Neste, também na mesma categoria, o tema será ligado à subcategoria dos Transtornos psiquiátricos, relativos ao sexo.
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Introdução
Diferente dos anteriores de #Curiosidades, este artigo não se inicia com conto fictício, devido à abordagem detalhada sobre comportamentos sexuais fora do contexto considerado normal. E o texto poderá, por isso, ser grande.
Antes foi abordada a diversidade sexual humana, na identidade sexual ou de gênero e também em comportamento. Mas propiciou questões em aberto, a merecer, também, uma abordagem reflexiva, como a consideração da elasticidade sexual humana dentro de dois olhares: o psiquiátrico e o jurídico.
Ou seja, para estes dois olhares, há comportamentos sexuais que não podem ser considerados saudáveis, podendo impedir uma capacidade psicossocial e ate mesmo a função laboral, possibilitando tratamento e/ou uma avaliação na criminalística, com variações conforme a legislação de cada país.
É nessa abordagem que o artigo se seguirá, como uma continuidade do anterior.
-> Transtornos sexuais (Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais-DSM)
Por muito tempo, a heterossexualidade clássica (homem e mulher em sentido biológico e idades mais ou menos próximas) foi considerada padrão para análise médica de comportamentos sexuais fora dele. Tais vivências "bizarras" foram agrupadas no termo técnico parafilia, ou disforia.
Devido a mudanças socioculturais e estudos biológicos confirmativos em várias espécies animais, nos anos 1970, a OMS retirou da lista do DSM-IV a homossexualidade. Tal atenção foi dada aos cis, que se identificam conforme o seu sexo biológico.
Disforia de gênero (transexualidade)
Tema complicado entre os estudiosos, que em parte o consideram transtorno mental, e outros, de linha sexual. Os defensores da consideração mental se justificam nos mistérios da psique, enquanto os de linha sexual se concentram em motivação psicossocial.
De qualquer forma, é também polêmico por bater de frente com a comunidade trans, que entende essa condição como uma variante normal de identidade e expressão de gênero.
Denomina a incongruência identitária da pessoa com o seu sexo biológico, com muita ansiedade, depressão e irritabilidade, e significativa incapacidade. O desejo intenso de transexualização cirúrgica ocorre em casos graves, com sintomas muito perturbadores e duradouros.
Por se considerar do sexo oposto, deseja ser, se vestir, acordar, ter atividades e jogos, e tem fortes sentimentos negativos com os traços sexuais de seu corpo. São sentimentos e desejos constantes, duradouros e imperiosos. O homem que se vê mulher é transmulher; e do contrário, é trans-homem.
Prevalência: muito baixa na população geral (0,005 a 0,014% homens; e até 0,003% mulheres).
Comorbidades: raras, mas sem descartar condições intersexo ou síndromes cromossômicas como as de Turner e de Klinefelter.
Etiologia: difusa, pela forte questão social e análises hormonais pré-natais e na vida adulta bem inconclusas.
Diagnóstico: critérios clínicos comportamentais, e nas características dos desejos e sentimentos supracitados.
Tratamento: psicoterapia, para enfrentamento dos estigmas e capacitação psicossocial. Mudanças físicas (cirurgia ou aplicação hormonal), se a pessoa assim o desejar para se sentir melhor; psicólogos defendem o princípio básico de gerar sentimentos de capacitação social e funcional.
-> Parafilias (disforias indeterminadas)
Excitação sexual a objetos, situações e/ou objetivos atípicos, incluindo animais, crianças, adultos sem consentimento ou objetos inanimados, impondo sofrimento a si e/ou ao outro com potencial para causar dano.
O patológico se determina em desejos perturbadores, intensos e persistentes; sofrer significativo ou comprometimento de função social, laboral e outras áreas importantes; e potencial de dano. Também são comprometidas a intimidade e afeição com parceiro; e auto ajustamento pessoal.
Excitação sexual fora do "padrão normal" se instala antes da puberdade, associando-se a traumas na infância, mudanças de padrão excitatório por exposição prévia, ou por elementos simbólicos e condicionados (p.e.; fetiche simboliza o objeto de excitação, associado a desejo ou curiosidade).
Parafilias mais comuns: pedofilia (crianças); voyeurismo (ver casais nus ou em sexo); transvéstica (travestismo, com roupas do sexo oposto); exibicionismo (expor genital a desconhecido ou desejo de ser observado em sexo); zoofilia (animais), masoquismo (sofrer dano), sadismo (gerar dano a outro); e necrofilia (com cadáveres).
Práticas sexuais sem consentimento como estupros ou importunação sexual só devem ser tidas como parafilias se obedecerem ao padrão sintomático descrito acima, em excitação irresistível se for dessa forma, exatamente por seu potencial ofensivo ao outro.
Prevalência: imprecisa; mas denúncias demonstram a pedofilia ser mais comum do que se pensa.
Comorbidade: frequente outra parafilia; pode haver psicopatia ou outro TP1 ou TOC, a depender da análise minuciosa caso acaso.
Etiologia: possivelmente, exposição intensa da criança a situações sexuais, bizarras ou não.
Diagnóstico: critério clínico-comportamental.
Tratamento: psicoterapia, com fármacos a depender do caso.
-> Visão jurídica dos comportamentos sexuais
Transtornos ou não, alguns dos comportamentos sexuais fora do padrão dito normal podem ser vistos no âmbito jurídico na esfera criminal. Ou seja, crimes sexuais, entre eles estupro, importunação sexual, pedofilia e zoofilia, pela legislação brasileira. Desses, o estupro e a pedofilia são os mais ofensivos na opinião pública.
O estupro é definido no CPB2 como "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso", e independe da idade e sexo/ gênero da vítima. Se esta morre, a pena pode chegar a 30 anos de reclusão (hediondo).
Há a variante estupro de vulnerável, praticado sobre vítima incapaz de se defender por vários motivos (idoso, doente, portador de deficiência, etc.). O fato de se aproveitar dessa incapacidade já é vergonhoso e ofensivo à dignidade humana, como aponta Carolina D. Santos.
Outro crime é a importunação sexual ou frotteurismo, originado do francês. O autor esfrega sua genitália na vítima ou manipula partes do corpo desta, podendo masturbar. Ocorre em locais públicos como coletivos, estações, pontos de ônibus, etc.
Três parafilias criminalizáveis pelo CPB são pedofilia (atração por crianças), zoofilia (animais), e necrofilia (por cadáveres). Em alguns casos o primeiro pode ser estupro de vulnerável; o segundo em maus-tratos, e o último depende de decisão em jurisprudência.
Bem vista pelos gregos antigos, a pedofilia hoje é condenada na maioria dos países por razões culturais e legais. No CPB, Art. 2017-A, é definida como "conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos", revogando o art. 224 que enquadrava por inteiro como estupro de vulnerável.
A vulnerabilidade da vítima se considera absoluta a menores de 12 anos, e entre 12 e 14 anos, se torna relativa. Genericamente, abusos sexuais sobre menor de 14 anos se enquadram hoje na pedofilia, em práticas carnais ou não, incluindo pornografia, voyeurismo, exploração sexual, exibicionismo, etc.
Interessante polêmica repousa na necrofilia que é vilipendiar o corpo, as cinzas ou objetos sacros do túmulo, com ou sem intenção sexual, com ou sem intenção de ofender o alvo. Um ato que a opinião pública considera ofensiva de todo jeito por representar ultraje ao falecido. Mas, no Direito só se pune em circunstâncias bem específicas.
A intenção e circunstância específicas não são unânimes entre juristas sobre a criminalização do ato. A transa com o corpo ou as cinzas, sem intenção ofensiva ao falecido, pode não ser criminalizada, e o vilipêndio sem sexo, mas com ofensa ao falecido, se torna delituoso. O caso vira jurisprudência.
Outros atos sexuais polêmicos no Direito são as práticas sádicas, com ou sem intenção de matar o parceiro. O serial killer russo Andrei Chikatilo envolveu comer o pênis de um parceiro, que foi uma de suas várias vítimas, todas com alguma motivação sexual.
Não se descarta a chance de haver TP ou psíquico por trás desses atos. Embora defenda pena em manicômio judiciário para casos comprovados, pena com tratamento, Natália Barutti criminaliza a prática feita por pessoa com transtorno. Delitos por esquizofrênicos em surto grave são passíveis de inimputabilidade.
Muito provavelmente por falta de fontes que comprovassem evidências, não há fontes de mídia sobre delitos sexuais cometidos por transexuais de fato. O que não significa obrigatória inocência, pois são cidadãos como os demais, com deveres e direitos e, portanto, submetidos aos preceitos legais.
Por outro lado, são recorrentes matérias a revelar crimes sexuais cometidos contra LGBTQIs que apontam, em muitos casos, homotransfobia. Como a vítima trans cearense assassinada que hoje nomeia um logradouro3 em Fortaleza.
->Reflexões finais
Ao contrário do que se pensa, não é simples a abordagem de transtornos sexuais, pois para tanto os psiquiatras consideram haver, obrigatoriamente, haver algum transtorno psíquico de base, que pode ser esquizofrenia, TPAS, psicopatia, ou delirante em surto.
A abordagem sobre transexualidade enquanto transtorno ou não sempre desperta polêmica e vale mencionar a pressão de movimentos trans ou LGBTQIs, que não carecem de sua razoabilidade, uma vez que se tende cada vez mais a aceitar a diversidade sexualidade humana como bastante ampla.
Mas mesmo adstrita na ciência clínica a transexualidade tem controvérsias, pois se verifica que muitos transexuais têm bom ajuste social, laborativa e em outras esferas importantes, o que afasta a possibilidade diagnóstica de algum distúrbio psíquico de fato.
A reflexão sobre a psique do(a) transexual ao se identificar como do sexo oposto e tem impulsos e sentimentos intensos, constantes e uma natural expressividade do sexo oposto, é que essa psique se revela um fenômeno em aberto para ser desvendado, quiçá fora da esfera clínica de fato, exceto casos comórbidos de outro transtorno com disfunção psicossocial.
As menções sobre a transexualidade como disforia de gênero (significado clínico) não refletem em nenhuma hipótese a opinião da autoria deste artigo nem do blog.
Se verifica que, na visão do Direito, a criminalização dos atos sexuais se presta pela prudência de análise, por não descartar a possibilidade de haver algum transtorno de base. O citado caso Chikatilo é um bom exemplo disso, e se estende essa possibilidade a necrófilos e sádicos.
Entretanto, criminosos provadamente psicopatas são apenas semi inimputáveis, pois a psicopatia só anula a empatia e o remorso, mas não a consciência do delito e suas consequências. Nos EUA cada estado os sentencia de um jeito, e no Brasil há um problema sério.
Vale lembrar do "Vampiro de Niterói", que assassinou meninos e transou com seus corpos mortos. Psicopata com certo déficit intelectual, ele foi sentenciado à internação compulsória perpétua em um manicômio judiciário onde deveria receber tratamento. Se é tratado de fato, são outros quinhentos.
De qualquer forma, sobre delitos sexuais, há variações na legislação de cada país. Mas o objetivo de tipificar crime sexual segue o mesmo princípio básico sobre a natureza ofensiva à dignidade da vítima, viva ou não, pois o peso cultural impõe seu peso na cobrança de honra personificada na falta de defesa ou mesmo na virgindade íntima.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. TP = transtorno de personalidade.
2. CPB = Código Penal Brasileiro.
3. Não me lembro se é rua, praça, ponte ou trevo.
Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/curiosidade-genero-sexualidade-e.html
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/disforia-de-g%C3%AAnero-e-transexualismo#v16224873_pt
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-paraf%C3%ADlicos
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-fetichista
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-pedof%C3%ADlico
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-masoquista-sexual
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-de-sadismo-sexual
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-voyeur%C3%ADstico
- https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitos-humanos/o-dever-do-estado-no-tratamento-do-psicopata-que-pratica-crime-de-estupro-diante-da-dignidade-da-pessoa-humana/
- https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/fazer-sexo-com-cadaver-e-crime-a-impossibilidade-da-aplicacao-do-art-212-do-codigo-penal-brasileiro-para-os-casos-de-necrofilia/
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