Análise: Bolsonaro e ode à misoginia
Recentemente, Bolsonaro fez mais uma das suas com jornalistas. Estes até já se preparam antes da entrevista, seja no chiqueirinho do Palácio, ou em algum evento numa cidade qualquer do país.
Tudo porque já se observa ser costumeiro dele ser extremamente deseducado e indecoroso com a imprensa, seja por politização para agradar ao seus fanáticos seguidores, seja por ser antissocial por natureza mesmo.
Embora não seja novidade, a agressão dele aos jornalistas é um fato que sempre repercute de certa maneira, seja como vídeos de canais diversos no Youtube e Facebook Watch, em lives ou mesmo em manifestações feministas.
Embora pareçam cortinas de fumaça em meio aos escândalos ionosféricos na CPI e as votações da reforma administrativa e de PLs como a de exploração destrutiva em terras indígenas, as repercussões das agressões de Bolsonaro à imprensa chamam atenção pela preferência dele em agredir mulheres.
São centenas de denúncias nas mãos das Associações Nacional de Jornalistas (ANJ) e Brasileira de Imprensa (ABI), que já enviaram documentos à OAB e até à ONU, figurando violação à liberdade de imprensa e de informação. A maciça maioria das vítimas é feminina.
Seria Bolsonaro um misógino?
Breve compilado sobre as origens de um governo misógino
Quando Bolsonaro despontou com sua personagem defendendo família heteronormal e cristã, se tornando espelho para boa parcela de homens a lhe dar boa margem eleitoral, com ajuda dos votos em branco nas urnas, vieram à tona debates sobre as possibilidades de retrocessos na política.
Eleito presidente, Bolsonaro meteu decretos e MPs retrógrados hoje em vigor, cerceando algumas liberdades, enquanto Guedes já seguia mimando os megagrupos econômicos retirando dos pobres. O líder tem agradado a ala evangélica radical, nomeando pastores para chefiar instituições como MEC, direitos humanos, justiça e na Funai.
Outro agrado ao cristofascismo foi o bloqueio de recursos ao projeto de abrigos para as mulheres vítimas da violência, anunciado pela própria ministra Damares, que já pregou: "a mulher deve ser submissa ao homem" para promover uma "harmonia nas relações de gênero".
É sabido que os evangélicos radicais defendem diferenças rígidas de gênero, nos pontos de vista físico, sexual e em papeis e relações de gênero. O que se reflete na vida de milhares de casais fiéis, inclusive num tema muito delicado: a violência doméstica.
São diversas as razões que levam mulheres a não denunciar o crime, e uma delas é a fé. Segundo a Hypness (2018), 40% das vítimas se declararam evangélicas, e ao buscar apoio do pastor, recebem o conselho de "mais submissão em nome de Deus". O que nos leva a entender a citada fala de Damares.
A submissão feminina é tratada pela Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) como "ideologia do perdão", em alusão ao jargão cristão de perdoar como expressão de amor. Embora seja lindo, o perdão não remedia ressentimento ou medo, ainda que a pessoa se acredite melhor.
A fé explica a aversão de Bolsonaro à mulher?
A norma cristã da submissão feminina também é católica. Aliás, a ICAR1 teve um essencial papel na nossa história em suas regras inquisitoriais - daí a marca da violência contra a mulher. Mas, delongar aí já é outra história; a ideia é saber se a aversão misógina de Bolsonaro é histórica ou ideológica.
Como cada um de nós, Bolsonaro é reflexo de nossas marcas culturais. Mas, na relação com a mulher e outros temas, tendemos a questionar e evoluir, e o conhecimento ajuda muito. Já quanto ao presidente, ele se revela um poço de preconceitos. Contra mulheres, nutre certa aversão: misoginia.
Tal frase desconstrói a obrigação da origem da misoginia presidencial ser originária de fé, mesmo literal. Deve-se abordar o lado psicológico, além do sociopático já avaliado neste blog. Vale debater o ponto de vista psicanalítico, que coloca o misógino em patamar diferente do machista.
Um homem apenas machista não reduz a mulher a um mero corpo para sua satisfação sexual. Ele ainda a vê como alguém, mas moldada para assumir papeis sociais e relacionais submissos. O misógino já não a vê como pessoa, a despreza e reduz a nada além de objeto útil às suas satisfações subjetivas.
Segundo a fonte Universa UOL, de 20/12/2019, essa diferenciação, além de mostrar o machismo enquanto reflexo cultural, coloca a misoginia como sinal de distúrbio mental ou de personalidade por trás do comportamento de muitos estupradores ou serial killers de mulheres, por exemplo.
Embora não saibamos de sua infância e juventude, os insultos de Bolsonaro dirigidos à deputada Maria do Rosário (PT-RS) e às jornalistas, bem como comentários sexistas, revelam o seu desprezo misógino que, por seu turno, aponta a existência de transtorno psicopatológico.
Detalhe: Bolsonaro se referiu a estupro em um dos insultos à então colega de Câmara Maria do Rosário (PT-RS). No mesmo insulto, ele a chamou de vagabunda. Ainda que o xingamento tenha siso politizado, a alusão ao termo pode indicar o desprezo de Bolsonaro por mulheres.
Reflexão final
A intenção de elaborar este artigo foi mostrar uma análise fria, mas reflexiva, sobre a origem da possível misoginia de Bolsonaro, concluindo ser esta independente da fé e mais ligada a psicopatologia já observada em seus tempos de militar, enquanto que o machismo, cultural, tem sua expressividade político-ideológica a reforçar alianças com setores sociais conservadores, como o religioso.
Essa conclusão foi possível graças à abordagem psicanalítica, que permite diferenciar machismo de misoginia. Claro que isso não evitará questionamentos, como: "se Bolsonaro é misógino, como ele se casou três vezes gerando cinco filhos?". A resposta está na visão que se tem da mulher.
Sexo com mulher, machista e misógino fazem. A diferença está na capacidade do machista de criar um clima romântico e sensual para o momento, pois sabe que a mulher tem sentimentos. O misógino não a vê além de mero objeto para satisfazer seu prazer instintivo e egoístico, sem clima algum.
Claro que isso está longe de apontar o presidente como misógino, nem há uma intenção nisso. Já sabemos de seu provado machismo, relevante na sua predileção de atacar mulheres independentes e profissionais de sucesso, que se destacam diante dele.
Dada a sua psicopatologia já observada e descrita em seus tempos de militar, no máximo podemos apontar Bolsonaro um narcísico e ferrenho machista, que pode revelar algum problema sexual oculto, que se alivia no prazer em subjugar as mulheres emancipadas.
O maior dos problemas - que mulheres bem informadas devem saber - está na representatividade dele para o senso comum masculino que nele vê um exemplo de poder viril. O que pode ser, aí sim, se traduzir, em muitos homens, uma inconsciente ode à misoginia.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. Igreja Católica Apostólica Romana
Para saber mais
- https://www.poder360.com.br/justica/presidente-do-stj-libera-nomeacao-de-pastor-para-funai/
- https://ctb.org.br/mulher-trabalhadora/ideologia-do-perdao-faz-evangelicas-se-calarem-sobre-violencia/
- https://www.hypeness.com.br/2018/03/40-das-mulheres-vitimas-de-agressoes-fisicas-e-verbais-sao-evangelicas/
- https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/12/20/o-que-e-misoginia-veja-como-pensam-homens-que-odeiam-mulheres.htm
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