Análise: Cloroquiners na CPI e 500 mil mortes
Neste dia 19/6, o país acordou com a notícia de que atingimos a marca dos 500 mil mortos pela C19 e/ou de suas complicações diretas, segundo dados oficiais obtidos pelo consórcio de imprensa junto às Secretarias Estaduais de Saúde. É marca triste, em menos de 1 ano e meio de sindemia. Este é um dado preliminar, pois num sábado os servidores ligados à gestão e estatística estão ausentes ou apenas trabalham pela manhã.
Vale salientar, assim, que até o final do dia, as novas mortes não serão contabilizadas plenamente, o que explica os números menores que acompanham os finais de semana. Mas, a patuleia acredita que seja por "menos movimento" nas sextas e sábados, o que não é verdade.
Como apontado no artigo anterior, estudo realizado nos EUA e divulgado pela mídia brasileira no início deste junho faz uma projeção sinistra da progressão da sindemia de C19 no Brasil: em outubro, poderemos alcançar a incrível e catastrófica marca de 1 milhão de falecidos.
Médicos cloroquiners na CPI da C19
Enquanto o pais se revela na sina de se transformar num imenso conjunto de cemitérios gigantes, na sexta dia 18/6, dois médicos, Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Cardoso Alves, compareceram à tribuna da CPI da C19 para depor.
Os dois médicos foram na condição de convidados pelos senadores governistas para depor na CPI, para "comprovar" as supostas maravilhas da cloroquina e da hidroxicloroquina, protagonistas no kit do tratamento precoce da C19. Tudo bem aí, pois o regimento interno permite o convite pelos senadores fora da cúpula da CPI, e faz parte do jogo democrático brasileiro.
Já que Zimerman e Alves foram a convite dos governistas, o dia foi marcado pela verborragia dos supostos efeitos positivos dos citados fármacos para uma virose cujos estudos em busca da cura ainda caminham. Mas, nada como um pouco de "boas notícias" para massagear o ego de Bolsonaro e caterva, né?
Cientes da doutrina ideológica dos governistas e dos convidados, os não governistas e de oposição questionaram pouco; Renan nem quis perder tempo. Randolfe se ausentou em parte do depoimento para, após a sessão, divulgar à imprensa a lista dos 14 primeiros investigados pela CPI.
Lista: ex-MS Eduardo Pazuello, o atual Marcelo Queiroga, os cloroquiners Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto, ex-chanceler Ernesto Araújo, ex-secretário da Secom Fábio Wajngarten, empresário Carlos Wizard, ex-assessor da presidência Arthur Weintraub, coord. do PNI1 Francieli Fantinato, ex-Sec. Saúde-AM Marcellus Campêlo, ex-secretário do MS Elcio Franco, os secretários do MS Mayra Pinheiro e Hélio Angotti Neto, e o anestesista da Marinha Luciano Dias Azevedo.
Vale lembrar de que Mayra é a Capitã Cloroquina; Azevedo, o responsável em propor inclusão da C19 como indicação de tratamento na bula da cloroquina; e Wizard sumiu. Só falta o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrar na lista, pela omissão na falsa propaganda da cloroquina, mesmo após sua comprovada ineficácia.
Acompanhado por Randolfe, o senador petista Humberto Costa acrescentou que a CPI convocará também os responsáveis pelas plataformas Facebook e YouTube para depor, uma vez que conteúdos pseudocientíficos ligados à sindemia de C19 continuam disponíveis ao grande público.
Explode o #19J-ForaBolsonaro
A condução governamental irresponsável em todos os sentidos e o descontrole da C19 vêm sendo acompanhados por lideranças contra o governo, entre elas políticos, pesquisadores, intelectuais e de movimentos sociais de esquerda. Até que foi noticiado o triste alcance dos 500 mil mortos.
Se a irresponsabilidade criminosa do governo já era forte motivo, a marca acima foi a gota d'água para a explosão de manifestações populares neste dia 19/6, que ficaram conhecidas como #19J-Fora Bolsonaro, tal como o #29M no mês anterior.
Os movimentos já encheram as ruas ainda pela manhã, inclusive em cidades mais bolsonaristas. Toda sorte de cartazes evocando todos os retrocessos criminosos do governo com perda de direitos e benefícios sociais; fotos de familiares vítimas da C19; etc. Foi também um manifesto em homenagem póstuma.
Como no #29M, a cidade de São Paulo se destacou na lotação da sua via principal, a av. Paulista, tomada por mais de 100 mil pessoas, a maioria vestida de vermelho. O movimento progressista anti-Bolsonaro Gaviões da Fiel Antifascistas também participou, com faíscas de fogos vermelhas. Valeu pela diversidade, com movimentos de vários grupos sociais.
Em Brasília, ao manifesto se juntaram grupos indígenas do movimento Levante pela Terra, numa contribuição importante para que o #19J-ForaBolsonaro pudesse superar as expectativas, sendo mais volumoso do que o anterior. Este movimento agrega também ambientalistas.
Idealizado nas redes sociais, o movimento teve confirmação inicial por lideranças de 19 Estados, mas ainda pela manhã, 23 já estavam com ruas cheias em suas cidades. É possível que, na prática, os manifestos tenham ocorrido em todos os Estados.
O protesto brasileiro não se resumiu às ruas e avenidas brasileiras. Contou com a solidariedade internacional, conforme já previsto nas redes sociais. A maior parte dos registros é de países europeus, onde hoje vivem mais brazucas. Apesar da deportação em massa, houve registros nos EUA.
A repetição dos atos contra Bolsonaro no futuro, que é no mínimo muito provável, tende a isolar ainda mais o presidente interna e externamente. Internamente, sua popularidade está mais capenga, e lá fora, se renovam o desprezo a ele e a solidariedade ao povo.
Enquanto isso...
Nos bastidores, mesmo irritado com o maior volume do #19J, que tem apoio até da direita que a ele se opõe, Bolsonaro mexeu seus pauzinhos. Como o anúncio do encerramento do contrato com o Instituto Butantã. A alegação real pode ser tanto técnica quanto ideológica.
A alegação técnica do MS seria a eficácia relativamente baixa. Embora cubra o mínimo de 50%, requisito da Anvisa, ela é considerada menos eficaz do que outras já usadas no cotidiano, como a Pfizer e AstraZeneca, ambas com mais de 70% de cobertura geral.
Há algo de inconsistente na alegação, pois o próprio MS libera, por exemplo, as vacinas contra a gripe, malária e febre amarela, também com 50% de eficácia geral, pouco menos que a Coronavac, com 50,3%.
Outro motivo da inconsistência da alegação técnica é própria declaração de Bolsonaro ao cancelar o acordo com o Butantã: "já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade [...] até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado".
Ou seja, valeu a mistura de egolatria com paranoia ideológica próprio do bolsonarismo. A questão técnica é muito mais um detalhe a maquiar e dar a consistência necessária `motivação da não compra.
Como a CPI vem mostrando, a recusa por vacinação não é de agora. A supracitada declaração é relativa aos primeiros contatos da chinesa Sinovac, antes do acordo com Butantã, aceito muito mais por força da iniciativa do governo Doria (SP). O intento de Bolsonaro agora é suspender tudo.
Aí já se inicia um silencioso racha com o ministro Queiroga que, sem descartar totalmente o que aprendeu na sua formação, sabe que a suspensão total como quer o chefe seria assinar um atestado de cumplicidade com o genocídio.
Reflexões finais
Ao completar o saldo de 500 mil enterrados, o Brasil mostra a sua cara da forma mais vergonhosa. É isso que o megaprotesto #19J mostrou, incomodando Bolsonaro profundamente, apesar do Gabinete do Ódio ter tentado, em vão, filmar rabeiras ou início dos manifestos, com poucas pessoas, visando propalar fake news.
Mas, o tamanho dos manifestos foi mais eficiente do que o do #29M, por exemplo, para calá-las, devido à ajuda da própria mídia da casa grande, que desta vez não criou sua versão dos cenários, foi no fato, e ainda confirmou o caráter pacífico e cuidadoso nos protocolos profiláticos.
O que contribuiu para mais um fracasso do Gabinete do Ódio, que foi debochar das aglomerações nos manifestos. Como já descrito no artigo anterior, que tratou do #29M, a grande mídia reconheceu a inteligência dos organizadores em distribuir máscaras e álcool extra, e a participação dos camaradas da inesquecível geração 1968.
O povo não teve outra alternativa a não ser se arriscar na rua, juntando-se em enormes coletivos contra o genocídio e outras medidas descabidas em andamento. Pois as medidas virtuais de mostraram insuficientes, e também bem ocupadas por espaços de extrema-direita. Todavia, as redes sociais ainda são eficientes meios de organização coletiva.
Os manifestos de rua vêm provando que são o recurso mais eficiente de confrontar um governo que tenta, de toda forma, atropelar a democracia a partir da própria República. Funcionou para, pelo menos, incomodar Bolsonaro. E o incômodo, se repetido, pode calar médicos cloroquiners e o mito da morte.
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Imagens: Google
Nota da autoria
1. Programa Nacional de Imunização (PNI)
Para saber mais
- https://g1.globo.com/politica/ao-vivo/senado-cpi-da-pandemia.ghtml (18/6 - resumo com vídeo e lista de investigados)
- https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/06/manifestacoes-19j-contra-bolsonaro/
- https://www.viomundo.com.br/politica/em-brasilia-indigenas-do-levante-pela-terra-juntam-se-aos-protestos-do-19j-que-superam-todas-as-expectativas-videos.html
- https://www.poder360.com.br/internacional/cidades-da-europa-registram-protestos-contra-bolsonaro-veja-imagens/
- https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/bolsonaro-quer-encerrar-contrato-com-butantan-e-vetar-coronavac-diz-jornal/
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/06/19/interna_politica,1278430/eficacia-baixa-ministerio-da-saude-quer-encerrar-uso-da-coronavac-no-pais.shtml
- https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/10/21/bolsonaro-cancela-acordo-por-coronavac-nao-abro-mao-da-minha-autoridade.htm
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