Análise: CPI, Witzel e a merda no ventilador
Já se discutiu aqui no blog que é comum que os brazucas desenvolvam indiferença às CPIs por não terem sentido nelas resultados efetivos esperados, e que esta da C19 seria apenas mais uma a terminar em generosa pizza.
Mas, ao que tudo vem indicando, a CPI da C19 não pretende oferecer pizza. As baixarias recorrentes protagonizadas por Flávio Bolsonaro e seus colegas governistas, com intuito de afrouxar a corda da forca, apenas revelam a solidez dessa comissão.
Nessa quarta-feira 16/6 não foi nada diferente. Aliás, mais baixaria ainda houve, mais uma vez puxada pelo filho do presidente da República, desta vez com deputado aliado a tiracolo e seguido pelos colegas senadores governistas. Mas, houve uma diferença: o depoente era Wilson Witzel.
Witzel na CPI
Breve passagem política
Em 2018, o então ilustre desconhecido Wilson Witzel foi eleito governador do Rio de Janeiro na esteira de Bolsonaro, após posar junto aos então PMs candidatos a deputado Amorim (estadual) e o Silveira (federal, agora pendurado) quebrando a placa simbólica da vereadora PSOL Marielle Franco, assassinada em março de então.
Político estreante, Witzel se aproveitou da febre popular do mote bolsonarista de segurança, com pose ao lado de Flávio Bolsonaro. Manobra eleitoreira inteligente, que teria se esfacelado durante sua breve e violenta governança estadual.
O racha com o clã veio a público pela acusação, por Bolsonaro, de corrupção relativa a hospitais de campanha em 2020, o que teria induzido a um bem-sucedido processo relâmpago que terminou em seu recente impeachment. Mas, Witzel reaparece para revelar outras coisas de tempos anteriores.
Quando seu nome foi anunciado para depor como ex-governador do RJ quando a C19 já havia se instalado, o STF, através do ministro de Bolsonaro Kassio Nunes Marques, concedeu a ele habeas corpus para não comparecer. Mas, Wtitzel fez questão de ir. Ele tinha uma bomba em mente.
O resumo de um depoimento bombástico
Foram 5 horas e meia de depoimento explosivo, marcado por muitas trocas de desaforos pelos senadores bolsonaristas. Witzel acusou Bolsonaro de culpar os governadores pelo caos econômico devido às medidas restritivas. A mídia à época divulgou esse tema como causa do racha. Erro feio.
Segundo Witzel, o racha com o clã veio em 2019, durante investigações da execução de Marielle, quando "foram presos os dois executores [...], e o governo começou a retaliar", impedindo diálogos com ministros: "encontrei o ministro Guedes. Ele virou a cara e falou 'não posso falar com você'".
Tal perseguição "coincidiu" com o afastamento do delegado da PF Hélio Khristian Cunha de Almeida, o HK, por propina de mais de R$ 300 mil para obstruir a tarefa, quando Bolsonaro foi citado devido à sua amizade com os executores1.
O ex-ministro Sérgio Moro foi mencionado lhe dando um recado de "parar de falar que que ser presidente, (senão), infelizmente ele não vai te atender em nada", sendo respondido por Witzel de que "está no caminho errado. Se quer ser ministro do Supremo, não tem que fazer isso".
O depoimento de Witzel sobre o caso Marielle partiu de um questionamento do próprio presidente da Comissão, Omar Aziz. E também revelou que a aliança de Witzel com os Bolsonaro foi meramente eleitoreira. Conseguido o objetivo, as investigações voltaram a rolar até a citada obstrução.
Sobre a C19, Witzel contou que se dispôs a colaborar em toda a rede hospitalar, e em hospitais de campanha para mais vagas em UTIs, mas que fora impedido nos hospitais federais, porque "são de Flávio Bolsonaro", conforme disse ter ouvido, e completou que a "milícia está por trás da máfia" dos federais, esvaziando os de campanha2.
E disse correr risco de vida: "Porque sei da máfia da saúde no RJ e quem está por trás dela. E tenho certeza de que tem miliciano por trás disso, eu e minha família corremos risco [...]. Inclusive, já disse que era a minha intenção sair do país para preservar a integridade física [...] da minha família".
Por diversos momentos, houve baixarias causadas pelos senadores governistas capitaneados por Flávio Bolsonaro, que por sua vez era escorado por dois deputados aliados. Sem responder a perguntas do senador governista Girão, Witzel saiu da CPI, sendo chamado de "covarde" por Flávio.
Com a sessão então encerrada pela saída, o ex-governador se reuniu com Randolfe, Aziz e Renan para um depoimento em reservado sobre o caso Marielle e mais da saúde: "os fatos são muito graves". E ali terminou de contar o resto, que caiu em segredo de justiça.
Em decorrência de suas revelações, Witzel sabe que seu risco de vida é maior do que nunca, e por saber que por enquanto não poderá sair do país, requisitou proteção, sendo prontamente atendido por Randolfe, que acionou a sólida Polícia do Senado.
Reflexões sobre o depoimento
O depoimento do ex-governador Wilson Witzel não revelou, na prática, novidades. Mas serviu, ao menos, para solidificar a veracidade de uma interferência tão profunda quanto negativa na saúde pelo clã Bolsonaro, e a ligação do mesmo com criminosos milicianos. E por isso o 01 Flávio fez espetáculo na tribuna, depreciando a saída precoce do depoente.
O revelar do verdadeiro caráter dos Bolsonaro em plenário e a público foi a principal motivação para o interesse de Omar Aziz em questionar Witzel sobre os acontecimentos relacionados à execução de Marielle - sobre os quais o ex-governador contaria em segredo de justiça, em reservado. Nesse caso, por isso Witzel não se intimidou com as ameaças de Flávio.
Sobre a gestão dos hospitais federais, de fato se observa que desde o início do governo o senador Flávio Bolsonaro indicou gestores para a Superintendência e na direção de oito unidades federais, no Rio. É muito possível que esse vício já existisse quando era deputado estadual.
Pelo teor do exposto, o desmonte dos hospitais de campanha no RJ mostrou à CPI a imposição de milicianos na saúde federal desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, e virou objeto para forja de provas de corrupção usadas para o impeachment de Witzel e investigação sobre sua esposa.
Isso talvez explique o desmonte acelerado na saúde federal, com carência severa de infraestrutura e na saída de servidores temporários sem renovação, a cara de abandono. Como os federais do Andaraí e do Bonsucesso, este último alvo de incêndio a matar alguns pacientes internos, ainda não investigado.
Documento para tribunais internacionais
Witzel expôs a público toda a merda jogada no ventilador. Tal merda são os novos elementos que podem se agregar a uma série de outros a integrar um megaprojeto político de Bolsonaro, de natureza destrutiva, a se abater amplamente sobre o povo brasileiro.
Mais do que mero descaso de governo, a dominação dos hospitais federais desnuda o que a PEC32, a reforma administrativa, vai agravar se aprovada. Além de excluir 80% dos brazucas do direito à saúde pública e outros serviços essenciais, a PEC favorecerá o descontrole do nepotismo miliciano. O citado incêndio no HF Bonsucesso é só um sinal disso.
Quando foi nomeado ministro da Saúde, Mandetta era anti-SUS, aprendendo a valorizá-lo como público graças à sindemia de C19. Tornado pró-SUS, se preocupou com a interferência do 01 Flávio Bolsonaro na saúde federal no RJ e suas consequências.
Além dos sucessivos desinvestimentos e desvios de recursos aos serviços públicos essenciais, e a retirada de direitos e benefícios (agora o abono do PIS pode ser abolido), o assassinato de pelo menos alguns opositores (entre índios e servidores) e o descontrole da C19 entram no rol do megaprojeto de Bolsonaro.
A cúpula da CPI já sabia disso: antes da convocação de Queiroga e anteriores, já estava em mente elaborar recurso com apontamentos de juristas convocados, para despachar a tribunais internacionais. Os dados de Witzel, incluindo os segredados, servirão para compor nova denúncia para o TPI de Haia.
Relembrando: o Tribunal de Haia é especializado em julgar crimes contra a humanidade, entre eles genocídio, geral ou por limpeza étnica. Já existem denúncias contra genocídio indígena. Agora, será contra o megaprojeto político de genocídio em massa geral contra praticamente toda a nação.
Se isso acontecer, toda a merda jogada no ventilador reunida como prova documental provará algo de que a nação tem sempre desconfiado: a de que essa CPI não vai oferecer pizza alguma. E, muito menos, pão e circo para bolsominions e alienados.
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Imagens: Google (montagem: autoria deste artigo)
Notas da autoria
1. PM reformado Ronnie Lessa e ex-PM Élcio Queiroz, da milícia Escritório do Crime e próximos dos Bolsonaro. Moravam no mesmo condomínio do clã.
2. Foram alvos do pretexto dos Bolsonaro para acusar Witzel e sua esposa de corrupção, forjando provas para impeachment.
Para saber mais
- https://www.viomundo.com.br/denuncias/depois-de-quase-5-horas-e-meia-de-depoimento-explosivo-wilson-witzel-deixa-cpi-mas-sera-reconvocado-veja.html
- https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2021/06/ponto-a-ponto-veja-como-foi-o-depoimento-de-wilson-witzel-na-cpi-da-covid-ckq01p8qn008x018m7u6d6tkw.html
- https://br.noticias.yahoo.com/witzel-fala-sobre-caso-marielle-e-bolsonaro-na-cpi-da-covid-fatos-sao-graves-173146698.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAADd-K5EWuirx9SPKN71pLh4r0uaR5LQiDtxSQz-ykBkRT3kOps5Sn-tLX47xfMMeWIogmetkjtSK7KCjTSGfZQuiBDMFk3qAWzFwKGeYI-uD0OZA0ZwvkijP0HPhd0acBt-tQxWN3oBjWYagXZN2yU5w8S7i2kg4nVHKIB2x-WNE
- https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/delegado-que-apura-assassinato-de-marielle-ser%C3%A1-afastado-do-caso-diz-colunista-1.1750646
- https://www.dw.com/pt-br/nome-de-bolsonaro-surge-em-investiga%C3%A7%C3%A3o-da-morte-de-marielle/a-51042497
- https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/delegado-que-apura-assassinato-de-marielle-ser%C3%A1-afastado-do-caso-diz-colunista-1.1750646
- https://redetvwebmais.com/site/delegado-da-pf-no-caso-marielle-criou-central-de-mutretas-diz-inquerito/
- https://www.brasildefato.com.br/2020/03/14/marielle-bolsonaro-e-a-milicia-os-fatos-que-escancaram-o-submundo-do-presidente
- https://www.oantagonista.com/brasil/cpi-da-covid-convoca-juristas-para-apontar-crimes-de-bolsonaro-e-fundamentar-denuncia-no-tribunal-de-haia/
- https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2021/04/cpi-da-covid-pode-embasar-acoes-contra-bolsonaro-em-tribunais-internacionais/
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