Análise: o verdadeiro Apocalipse
No dia 28 de julho deste ano, o Jornal Nacional, no horário "nobre", divulgou ao público a chegada do Dia da Sobrecarga da Terra, através do qual a exploração de recursos naturais atingiu o seu limite máximo.
A notícia, também divulgada em outras mídias e no Youtube, veio bem após a divulgação dos recordes de destruição da Amazônia brazuca e da Caatinga neste ano e da aprovação, pelos deputados, da PL da grilagem de terras públicas.
Talvez em decorrência de muitos informes políticos, parte da patuleia talvez nem viu, e quem viu deve ter se assustado. Mas, para geógrafos, ambientalistas, ONGs e naturalistas, a notícia do esgotamento já era esperada.
De qualquer forma, a ideia do único planeta do Sistema Solar gerador vida ter esgotados os seus recursos é inconveniente e dolorida, mas necessária de se saber. O que acontecerá com a humanidade, alguns devem se perguntar nesses dias. Será, enfim, o "fim do mundo"?
O Apocalipse na ciência
Na Bíblia, livro sacro dos cristãos, o Apocalipse gera nos fiéis reações como o temor ou esperança de dias melhores. A palavra é grega e remete a fim ou mudança. Para os mais temeroso é o fim de tudo, do mundo. Para os esperançosos, o fechamento de um ciclo para dar lugar ao outro.
Essa referência bíblica veio à mente, mas numa visão científica, relativa ao estudo da capacidade regenerativa da Terra em dispor seus recursos, em relação ao índice de consumo humano: em 28/7, os cientistas anunciaram o esgotamento do planeta. Enfim, como é esse estudo?
O estudo
É conhecida a capacidade de autorregeneração da Terra, desvendada em registros fósseis e rochosos que apontam pelo menos 4 grandes episódios de extinção em massa, o maior deles no Permiano-Triássico1, há +- 250-245 milhões de anos atrás, no qual desapareceram 95% da vida multicelular após série de eventos catastróficos.
Nesse sentido, na história da Terra há duas interpretações apocalípticas: cada comunidade macrobiótica teve seu fim absoluto após tempo geológico; a cada fim de ciclo do planeta.
O estudo em questão envolve equipe multidisciplinar de cientistas como climatólogos, geólogos, ambientalistas, biólogos de várias áreas, demógrafos2 e outros, que identificam e monitoram fenômenos inerentes às suas áreas de qualificação e cruzam dados para correlacionar os fatores e os efeitos do esgotamento dos recursos no planeta, relacionando com a taxa de consumo humano.
Os resultados são lançados anualmente (ver ao lado). A identificação do esgotamento é minuciosa por envolver vários métodos de pesquisa3, e a sua constatação deriva de informações cruzadas sobre os resultados, humanos e naturais. O resultado é uma série histórica desde 2000.
Essa série revela que cada ciclo pesquisado não completa um ano inteiro, e a tendência é diminuir mais, É que a voracidade humana não respeita o tempo do planeta, daí hoje se precisar de 1,5 Terra para satisfazer aproximadamente 8 bilhões de pessoas - sem falar nos demais seres vivos.
Estudo paralelo já aponta o risco de novo evento de extinção em massa, dessa vez pelos impactos da ação humana, cujas consequências caracterizam o atual Antropoceno que, mesmo sendo seu início alvo de discussão, já é aceito pelos pelos estudiosos da relação homem-Terra por se voltar na identificação das consequências antrópicas.
Alguns defendem seu início na Revolução Industrial, e outros (maioria), na era nuclear (1945-50). Em datações radiométricas de rochas, fósseis e artefatos, a referência aP (antes do Presente) recai em 1950, graças aos efeitos deletérios da radiação, transitórios ou permanentes, no ambiente e na biota4.
Causa notavelmente humana
Embora saibamos que mudanças ambientais e climáticas drásticas marcaram a evolução da Terra, hoje é bem aceita a afirmativa de que temos maltratado o planeta nos últimos 250-300 anos.
A preocupação com o meio ambiente surge em paralelo à indústria como motor econômico a partir do século XIX, com a criação de áreas de preservação permanentes. Mas a notabilidade veio com o científico Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Formado por cientistas de todo o mundo, o IPCC protagoniza estudo da ONU sobre aquecimento climático5 acelerado por ação humana desde 1960. Desde então, tem alertado governos sobre a grande dimensão do impacto humano no ambiente e no clima em escala global.
O grupo viu em hippies e movimentos sociais bons aliados, e nova políticas foram propostas. Mas até hoje se esbarra em interesses econômicos, aos quais os governos se rendem pelo lucro capitalista, apesar dos alertas científicos e leis em vigor, e o impacto aumenta pela sua diversidade.
Destruição de biomas - A devastação é um dos principais pontos quando o assunto é gases-estufa. O Brasil de Bolsonaro é o maior vilão hoje e as críticas do mundo são razoáveis, mas é injusto culpá-lo sozinho por tudo. Outros vilões são Indonésia, Índia, Bangladesh, Paquistão e Congo (ex-belga).
As empresas capitaneiam decisões que ultrapassam os limites legais de licença ambiental. Já as autoridades respondem pela impunidade, pois lucram em deixar a boiada passar. Também para lucrar, o governo Bolsonaro faz um paradoxo que fundamenta as críticas: ele incentiva os crimes.
Daí os recordes de desmatamento, incêndios, invasão de terras indígenas para exploração ilegal de recursos, cessão de restingas e manguezais à especulação imobiliária, poluição desregrada, grilagem de terras públicas preservadas ou não, ameaças a servidores do Inpe, Ibama e ICMBio, etc.
Crime ambiental é problema histórico no Brasil, mas na era Bolsonaro assumiu dimensões antes não imaginadas, sujeitas a superações anuais e alvos de preocupação de governos e cientistas.
Poluição- fruto da urbanização, industrialização, monocultura e pecuária extensas, do descarte errôneo de lixo, de esgoto não tratado, da fumaça de automotores em geral, e do descaso sociopolítico. O excesso de lixo reflete o consumo irracional, e a sua composição, a procedência.
Altera a composição do ar; contamina água, solo e subsolo; degrada o ambiente e atinge os outros seres vivos. A Ilha de Lixo do Pacífico escancara nosso mau trato com o planeta e os seus resíduos são reduzidos por turbulência a micropartículas ingeridas ou inaladas por seres marinhos e acumuladas em tubos digestivos ou respiratórios e brânquias. Derrames de óleo intoxicam aves e frutos do mar.
Ajuda a diminuir a biodiversidade e a bagunçar o clima, e adoece a própria humanidade através contaminações físicas e químicas. E vale citar dois subtipos perigosos de poluição:
Contribui em diminuir a biodiversidade e na bagunça climática, e adoece a própria humanidade por contaminações diversas, físicas e químicas. E vale ainda citar dois subtipos perigosos de poluição.
Tecnológica - lixo eletrônico (peças de computadores, notebooks, smartphones, baterias e cabos) é cada vez mais comum. Emissor importante de metais pesados e outros tóxicos, é o principal em nações-polo tecnológicos como EUA e China. O lixo espacial também é poluição tecnológica.
Nuclear- o perigo invisível é produzido pelos países que o usam como principal fonte energética. Seus resíduos são armazenados em tambores especiais e herméticos que são descartados às centenas nos oceanos, com mais risco à biosfera.
Praga- Outra verdade tão dura quanto inconteste é que viramos praga. Em 1850 eram 1 bilhão de pessoas; em 1950, 2,5; em 1990, 5,2; em 2000, 6,9; e hoje somos 7,9 bilhões. A projeção para 2050 assusta: 9,7 bilhões.
A pequena queda na curva 2010-20 se deve à política de controle de natalidade em alguns países, mas nossa voracidade com os recursos da Terra tem crescido, explicando os menores intervalos anuais de recuperação-esgotamento no planeta.
A menção à religião se explica na dificuldade de alguns governos para o controle da natalidade, como nos países islâmicos mais pobres em educação, pois altas taxas de natalidade facilitam a difusão da fé. Muito embora, sozinha, não responda pela explosão demográfica global.
Em busca de soluções
As primeiras políticas ambientais surgiram nos anos 1800, com o surgimento de parques como o estadunidense Yellowstone por sua beleza e o nosso Parque Nacional da Tijuca no Rio, por iniciativa de D. Pedro II para recuperar água potável e terras degradadas por lavouras e extração de madeira. A ideia foi depois seguida pelos demais países.
A política das áreas de preservação permanente é válida na proteção e fomento à educação ambiental e ecoturismo. Mas não resolveria o problema, conforme a ciência notou depois, só tendo efeito nos governos no século XX, com o tema Aquecimento global.
O fenômeno foi tema de constante alerta dos cientistas ao ponto de, em 1972, ocorrer o primeiro Acordo do Clima em Estocolmo, Suécia, em época do poluente capitalismo industrial. Demais eventos se sucederam até a recente Cúpula de Washington. O Brasil sediou dois, em 1002 e 2012, no Rio.
Os Acordos e Cúpulas do Clima foram eventos de explanação dos fatores humanos e naturais do aumento térmico do planeta, bem como a política de créditos de carbono para conter o fenômeno. Mas, esbarram no poderoso lobby de oligopólios que até pagam especialistas para negar sua existência.
O Acordo de Paris (2015) fez história ao ser o primeiro com assinaturas de EUA e China (Trump retirou e Biden voltou). Apesar disso, prevaleceram interesses econômicos contra as necessidades da Terra para sustentar a vida, dada irreflexão de empresas e governos no tema lucro: é preciso produzir, e para isso são necessários recursos naturais - com estoques menores ano a ano.
Nesses eventos, a educação ambiental tem sido apontada para se construir nas sociedades civis meios colaborativos para mitigar os impactos. Entre esses meios figuram o consumo consciente e o controle de natalidade, para mitigar desperdícios e flagelos ligados à explosão demográfica.
População, estoque alimentar e doenças
Como já citado, viramos uma praga, que compete com a diversidade, graças à qual ironicamente estamos aqui e dela precisamos. Mas, contra a diversidade vai também o sistema econômico, que vê na população um crescente contingente de consumidores e operários a girar a roda da fortuna.
Grande polo econômico, o agronegócio responde pela maior produção alimentar mundial. Desde os anos 1990 se produz o suficiente para toda a população, o que reduziria o flagelo social, alimentar e ecológico de 2/5 da população, compostos sobretudo de mulheres e crianças em situação crítica.
Na prática, ele destina quase tudo como para a indústria de produtos para gado e agroquímicos, e se financeiriza sem solucionar o flagelo supracitado, que expõe a face cruel de um sistema que soma valores culturais com capitalismo agressivo que só valoriza alguém capaz de pagar por seu consumo.
Outro problema está na crise que leva a migrações em massa cruzando fronteiras por terra e mar, exercendo mais pressão socioecológica em destinos onde buscam viver melhor, levando também risco de doenças.
Reflexões finais
Por exercermos impacto de dimensões antes impensadas e negar autocrítica sobre nossa relação com o planeta, somos inteiramente responsáveis pela aceleração das más consequências de toda nossa pressão sobre toda a biosfera.
Em forte estresse por mudanças ambientais e climáticas, a biodiversidade diminui aos poucos, e a lista vermelha de flora e fauna em vias de extinção aumenta. Leis ambientais endurecidas são ignoradas por megaempresas e governos corruptos que aparelham as instituições por lucro, o que inutiliza o esforço dos que têm boa vontade política no setor ambiental.
Informados pela ciência, as autoridades tem ciência da situação crítica do planeta e sabe que se precisa traçar políticas muito além de criar grandes novas áreas de preservação permanente e investir em educação, gerenciamento dos lixos e substituir combustível fóssil e nuclear.
Ciência e tecnologia- têm sido essenciais em todas as áreas. Sabemos que informações de Marte e Lua nos ajuda a entender muito da própria Terra, mas o turismo de bilionários traz dúvidas sobre a real intenção ao caçar outras Terras. Sai mais barato priorizar nosso lar natural.
Créditos de carbono- é muito abordado nos Acordos e Cúpulas do Clima. Em alguns países há leis de incentivo a empresas e repartições públicas investidoras em créditos (captura) de carbono.
Resíduos- o gerenciamento adequado de resíduos não tem só coleta seletiva, carece de informação melhor de que todos são recicláveis, fontes para combustíveis ou outros materiais úteis, em sucessão. E investir em educação básica para se aprender a enviar para depósitos de reciclagem.
Controle de natalidade- assunto difícil por envolver valores, mas necessário de ser enfrentado e abordado para deter a explosão demográfica. Crucial para a regeneração dos recursos pelo planeta.
Bioeconomia- investimento econômico em estreita ligação com as necessidades da biodiversidade e do planeta. É um processo dinâmico e transdisciplinar. O mesmo que economia ecológica.
Educação- tema explosivo, pois espanta mal intencionados políticos, econômicos e empresários. É crucial para que todas as práticas ecologicamente corretas sejam efetuadas. Munida de disciplinas de gestão de resíduos e consumo consciente, deve ser inculcada desde o ensino fundamental.
O anarcocapitalismo atual torna desafiadoras todas essas iniciativas, exigindo inteligência política e muita coragem para enfrentar a má intenção empresarial, política e midiática. Mas, são necessárias, diante da situação alarmante da nossa Terra, da biodiversidade e da humanidade - conjunto do qual depende o próprio capitalismo.
Ou enfrentamos para cuidar e nos preservar, ou daremos razão aos crentes temerosos do apocalipse absoluto, que será somente nosso se não cuidarmos já - a Terra terá apenas apenas mais trabalho para renovar seu ciclo.
Imagem: Google
Notas da autoria
1. Período geológico, marcado pela extinção dos primeiros grandes anfíbios e o surgimento dos primeiros dinossauros.
2. Área da geografia, a Demografia é o estudo descritivo e estatístico de diferentes populações, humanas e/ou não-humanas.
3. Métodos: matemático, laboratorial (físico, estatístico, químico, bioquímico, geoquímico, etc.), campo (biológico, geográfico, ambiental, coleta de amostras para laboratório), descrição e discussão dos achados. Pode haver outros métodos.
4. Toda a composição de seres vivos do planeta, incluindo a espécie humana.
5. As primeiras citações de aquecimento médio datam de 1850, mas só em 1960 se tornou estudo científico, sustentado pela ONU.
Para saber mais
- https://noticias.buscavoluntaria.com.br/terra-esgotada/ (de 2/8/21).
- https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2021/08/03/documentario-de-argentino-sobre-afundamento-do-solo-e-exibido-em-maceio-na-quinta-feira.ghtml
- https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/crescimento-populacao-mundial.htm
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_ecol%C3%B3gica
- https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/sustentabilidade/al-gore-denuncia-industrias-por-negacao-da-mudanca-climatica,823939160467b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
- https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2019/09/19/cinco-manobras-da-negacao-da-ciencia
- https://www.oxfam.org.br/blog/desperdicio-de-alimentos-entenda-suas-consequencias/
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