Neste 3/10/2021, surgiu nas diversas mídias notícia sobre as ligações do ministro da Economia (ME) Paulo Guedes com empresas brasileiras e no exterior, produzindo capital volumoso em dólares em pouco tempo. Ele investe em seu próprio nome e no de sua esposa.
A descoberta foi feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês), que também aponta políticos e gente de alto escalão do governo como o presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto, neto de Roberto Campos, deputado privatista já falecido.
Não seria nada demais, pois investir no exterior não é ilegal em si, não fossem detalhes como as relações entre o ME com os envolvidos no descalabro exposto antes pela advogada Renata Morato na CPI, e o fato de que o ME seja chefiado pelo próprio Guedes como ministro, que é uma função pública e causa furor.
Mas, por que tanta midiatização do tema? O que o depoimento de Morato sobre as relações tem a ver com isso? Há muita coisa em jogo, e procurar refletir as possibilidades é o objetivo deste artigo.
Entendendo um pouco a seletiva agressividade de Guedes
Paulo Guedes já foi explorado em outros artigos deste blog, desde a biografia até a formação em Harvard e seu apreço à economia anarconeoliberal, que lhe dá fama de investidor agressivo, com certa razão, na forma como se investe na fonte de recursos. Uma agressividade bem seletiva.
O investimento é agressivo quando vai sobre a fonte para obter os recursos para si. No mercado financeiro, a vendida "necessária mitigação do Estado" explica a forte apropriação de recursos desta fonte. Há duas maneiras: expansão de atividades em outro país, e a privataria.
Na expansão de atividade econômica, a nossa legislação garante subsídios fiscais por certo prazo. Quando os subsídios extrapolam o prazo legal, a empresa lucra um extra nem sempre declarado, para investir em paraíso fiscal, na conivência do governo. É uma agressividade que Guedes assente como crescente econômico disfarçado de motes populistas.
A privataria é uma eficiente apropriação de serviços e recursos de instituições antes públicas. Os recursos são mais volumosos e os métodos de obtenção, mesmo duvidosos, estão mascarados pela lei. Essa prática neoliberal é ainda mais agressiva.
Mas a agressividade acaba quando o grupo financeiro alcança a meta de acumular capital. Aí, ele se torna conservador, para conservar e acumular mais dinheiro - em paraíso fiscal. O que Guedes vê como sucesso econômico. Uma filosofia aberta aos negócios externos, de offshore.
E quando se fala em paraíso fiscal, se fala em offshore, que é investimento em empresa, conta ou ação no exterior. Como no capitalismo financeiro o vale-tudo é norma, a empresa pode ser fantasma, como aquela em Bali envolvida na tramoia bilionária com vacinas da Covaxin.
A reportagem sobre essa conexão da família Guedes, de Roberto Campos Neto, empresários e políticos brazucas com negócios situados em paraísos fiscais faz parte do projeto Pandora Papers, do próprio ICIJ, que reúne mais de 600 profissionais de 117 países e territórios e 150 veículos.
Breve histórico- tudo começou em 2014, quando Guedes, então sócio da gestora de recursos Bozano Investimentos, fundou a sua Dreadnoughts International, nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal no Caribe, como estratégia para escapar das turbulências ligadas à reeleição de Dilma Rousseff.
A citada offshore surgiu em setembro com US$ 8 milhões, correspondentes a quase R$ 50 milhões hoje, com pai e a filha Paula juntos. Em 2015, a esposa Maria Cristina entra como acionista e diretora, subscrevendo (transferindo) mais US$ 1,55 milhão, totalizando US$ 9,55 milhões.
A abertura da offshore da família Guedes foi feita pela assessoria especializada Trident Trust, com informes ultraconfidenciais. Quando a esposa de Guedes entrou, a documentação foi transferida para a funcionária do Crédit Suisse em Atlanta, EUA, conforme mensagens escritas trocadas entre elas.
Até 28/9/2021 Guedes foi controlador da Dreadnoughts International, à qual se relaciona a maior parte dos 11,9 milhões de papeis do Pandora Papers, com informes como certificados de acionistas em nome de beneficiários, justificativas de aberturas de empresas, comprovantes de aportes de recursos, e e-mails de funcionários encarregados da criação de offshores.
Outros nomes- a verificação da montanha de papeis relaciona, além de Guedes, os ministros da Economia de Gana, Cazaquistão e Paquistão em offshores. Em países desenvolvidos a coisa explode: a investigação Panama Papers de 2016 ferrou a carreira política de David Cameron, do Reino Unido.
Roberto Campos Neto criou sua offshore em 2004 com US$ 1,09 milhão, R$ 5,8 milhões hoje, e a fechou oficialmente em outubro de 2020, com capital ignorado devido a aumento do limite mínimo de transferência para US$ 1 milhão, e à má transparência das transferências brazucas. No controle privado tendo cargo público por 1 ano e 10 meses, ele poderia ser enquadrado na lei.
Além de Guedes e Campos Neto, outros nomes envolvidos em investimentos em offshores são os donos da operadora de plano de saúde Prevent Senior, envolvida na sujeira nazista com kit-C19; Flávio Rocha, dono das lojas Riachuelo; e Luciano Hang, o famoso Véio das lojas Havan,
Polêmica - à guisa de reflexão final
Segundo a Piauí, a abertura de offshores ou de conta no exterior em si não é ilegal, desde que seu saldo seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central, e que não desempenhe função pública "com acesso a informações privilegiadas em razão do cargo ou função", conforme o art. 5º da Constituição.
Paulo Guedes alega ter se desligado da função privada desde que assumiu o cargo público, em resposta à ação pública movida pelo PDT ao STF. Mas, não respondeu à Piauí, mídia do ICIJ, sobre especificidades como a declaração e continuidade de subscrição de recursos para a offshore.
Tendo fechado sua offshore oficialmente em outubro de 2020, Roberto Campos Neto ficou como controlador privado e presidente do BC por quase 2 anos, o que chancelaria o seu enquadramento. Ele alegou que todas as suas empresas foram declaradas à Receita e ao BC, e quando sabatinado, revelou ter atuado no exterior "com recursos próprios e sem transferências recentes".
Verdade ou não tais respostas, é certo que o status público-privado dessas pessoas seja ruim, por conflitar com princípios éticos e legais, e à alta nebulosidade que encobre irregularidades nos paraísos fiscais, onde a tributação é muito baixa ou nula e há muita lavagem de dinheiro, pondo criminosos e investidores juntos.
Verdade ou não as respostas vagas, é certo que a situação público-privada dessas pessoas seja má devido a conflitos com princípios éticos, morais e legais, e à alta nebulosidade que encobre práticas antiéticas em paraísos fiscais, onde a tributação é muito baixa ou nula, e lavagem de dinheiro é típica, colocando criminosos lado a lado com os investidores.
A respeito de seus negócios em paraísos fiscais, os investidores com função pública se calam, o que chancela a suspeita de práticas ilegais. Eles agem em sigilo, para blindar seus patrimônios de oscilações econômicas e escapar de tributos mais altos nos países natais (elisão fiscal).
O Brasil tributa mais de 20% do volume de grana a ser repatriada. Nos paraísos fiscais, as taxas são quase nulas ou inexistem. Cinicamente, Guedes chegou a cogitar uma taxa de repatriamento de até 6% no máximo, bem acima do cobrado nos paraísos fiscais com imposto (até 2%).
Reforma administrativa- Como Guedes tem o típico perfil de acumulador financeiro, o assunto mexeu com uma parte dos servidores públicos, na crença (não sem razão) da possibilidade de Guedes chancelar, na privataria dos serviços públicos, a captura de grana pública para investir na offshore. O que também explica a extrema ansiedade do ministro pelo aprove pleno da PEC32, da reforma.
A crença faz sentido. O exemplo se inicia com a ideia de privatizar os Correios pelo deputado cassado Eduardo Cunha, quando, na era Dilma, se iniciou o melhor período lucrativo da instituição, a atingir recorde recentemente. Agora o ente está privatizado, só não sabemos quem o detém hoje.
Há dois exemplos anteriores, um deles daqui: a privatização de entidade do MS responsável pela excelente logística de medicamentos do SUS, de vacinas e de materiais médicos e hospitalares, em 2018, virando a atual VTClog que se envolveu nos absurdos logísticos da era Bolsonaro.
O outro foi a colapso da carreira política de David Cameron, que ocorreu logo após o amenizar da privataria das instituições britânicas iniciada nos anos 1990, que por sua vez inspirou o então governo FHC fazer o mesmo por aqui.
O termo privatização está implícito na PEC32, mas se entende na "entrega dos serviços públicos à iniciativa privada". Não só o Estado se "livra" de tais serviços, como também R$ bilhões serão títulos da dívida pública, ou repassados aos paraísos fiscais. Em sigilo, como Guedes sempre fez.
E tal como o Chile de Pinochet-Guedes, o Estado brazuca se resumirá a um zumbi controlado pelos mesmos patronos das offshores.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1.
Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/04/analise-um-orcamento-as-custas-de-vidas.html (PEC 186)
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/01/analise-o-pior-golpe-e-o-do-capital.html (ações de Paulo Guedes)
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/07/paulo-guedes-antieconomia-milhoes-de.html (sujeito a correção)
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/08/quem-de-fato-governa-o-brasil-cada.html (governo Guedes)
- https://www.youtube.com/watch?v=vfZ2_5Vs7p4 (Paulo Ghiraldelli e as offshores)
- https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/10/4953211-guedes-e-campos-neto-mantem-empresas-em-paraisos-fiscais-revelam-jornalistas.html
- https://piaui.folha.uol.com.br/paulo-guedes-tem-offshore-milionaria-em-paraiso-fiscal/
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