O presidente Jair Bolsonaro sancionou essa semana o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214), que foi elaborada pela deputada Marília Arraes (PT-PE) em 2019 e desde então tem sido discutida pela bancada feminina da Câmara.
Entretanto, o aprove da referida lei foi teve um veto do presidente da República, justamente o artigo que previa a distribuição gratuita de absorventes a estudantes de baixa renda e mulheres em vulnerabilidade social.
Apesar do aprove, o veto foi bastante impactante para Marília Arraes e a relatora Zenaide Maia (Pros-RN). O motivo disso é que a distribuição gratuita a esses grupos mais vulneráveis era um dos destaques da lei, dado o objetivo de combater a precariedade ou pobreza menstrual.
Pobreza menstrual
Por pobreza menstrual se define a condição de adolescentes e mulheres em situação de forte vulnerabilidade social, como renda insuficiente para a compra de absorventes ou falta de acesso por ser moradora em situação de rua.
A pobreza menstrual é consequência direta e natural da própria vulnerabilidade socioeconômica, que ocorre em todo o mundo. Se na África e na Ásia há mais massas migratórias por razão de guerra, degradação ambiental ou violação de direitos, no Brasil cresce devido ao acirramento da concentração de renda, e perda de direitos.
A pobreza menstrual se agravou com a pandemia de C19, e entra como mais um fator de risco a configurar a sindemia de C19. Vale relembrar: sindemia é a doença complicada por fatores prévios e predisponentes ao seu agravamento (vulnerabilidade socioeconômica, comorbidades, idade avançada, cultura específica. etc.).
A relatora do então PL lembrou que uma a cada quatro adolescentes deixa de comparecer à aula presencial por estar menstruada e não ter acesso a absorventes e produtos de higiene, por conta de sua vulnerabilidade socioeconômica. Isso, no Brasil.
Lei 14.214/2019
Diferentemente das propostas e leis em geral, o ainda PL já nascera como um texto bem conciso e curto, dotado de apenas oito artigos simplificados, que atestavam a objetividade clara e direta em duas direções: a promoção à saúde e uma extensão assistencial às meninas e mulheres em vulnerabilidade social.
O ainda PL constava na sua previsão, além de medidas visando a promoção da saúde menstrual, a garantia de aceso gratuito a absorventes e acessórios para higiene feminina, no seu objetivo mestre de combater à precariedade menstrual, que é a soma da pobreza menstrual e acesso ao programa de promoção da saúde.
O leque objetivo do PL teria caráter de promoção à saúde feminina e também assistencial. Essa junção se somaria no combate à precariedade menstrual, que tem crescido com o empobrecimento que assumiu uma velocidade recorde na era Bolsonaro.
Vetos polêmicos- Ao sancionar a Lei, Bolsonaro vetou o artigo referente ao acesso gratuito de absorventes e produtos de higiene feminina, e o outro artigo, o 6º, que apontava as beneficiárias da gratuidade.
Outro artigo também vetado foi o 5º, que versava sobre as despesas desprendidas pela União ao SUS, para a aquisição dos novos insumos, que entrariam no rol como "específicos" para a saúde feminina.
O veto não impediu a manutenção do Art. 2º da lei, que acaba sendo o cerne central que trata da institucionalização do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual como uma estratégia de promoção à saúde feminina.
Neste artigo, o governo alegou que absorventes estão fora dos insumos-padrão do SUS, e também da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). A lista de beneficiárias foi considerada pelo governo como "contrária ao princípio da universalidade do SUS".
O alcance social da lei sancionada se restringe às ações, informativas, preventivas e de promoção da saúde pelo poder público (SUS) contidas no Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, de modo a prevenir meninas e mulheres das más consequências sobre a saúde feminina.
Reflexões
O veto de Bolsonaro ao Art. 1º, que versava sobre a oferta gratuita às socialmente vulneráveis, não atingiu o Inciso I do Art. 2º da referida lei, que define a precariedade menstrual como "falta de acesso a produtos
de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação feminina, ou
a falta de recursos que possibilitem a sua aquisição".
Parece ironia que tenha sido mantido, pois o objetivo do veto foi justamente impedir o acesso dos insumos para as meninas e mulheres socialmente vulneráveis, que define o objetivo assistencial do projeto.
Das duas, uma: ou foi um escape despercebido no momento do veto, ou uma interpretação diferenciada por parte do presidente e dos ministros Guedes (Economia) e Milton Ribeiro (MEC). É muito mais certa a segunda hipótese, uma vez que o veto do Art. 6º dissolveu a especificação tácita das beneficiárias potenciais.
Essa análise crítica se recai sobre dois pontos necessários, ligados às alegações do governo sobre os vetos: a) os absorventes não integram o rol dos insumos-padrão do SUS; e b) a especificação de beneficiárias contradiria o princípio da universalidade do SUS.
De fato, eles não se incluem na lista-padrão, mas o projeto previa o rol de "insumos especiais" ou "para beneficiárias específicas" a ser incluído no SUS, o que, por si, já dissolve a alegação do governo. Já em relação à Rename, a alegação se faz razoável, pois absorvente não é medicamento.
Já a especificação de grupos beneficiários não fere necessariamente a universalidade do SUS, pois o então PL já dava a entender que o acesso aos absorventes se estenderia às hospitalizadas em condição menstrual, independente de ser, ou não, socialmente vulnerável.
Já existem ferimentos, ocasionados pelos gestores em saúde pública ou pelo MS, ao princípio da universalidade do SUS, impedindo a pronta prática do mesmo. Alguns hospitais públicos adquirem fraldas geriátricas para serem usadas em pacientes internados, e outros não, indicando lacuna legal.
Daí ser comum usar fraldas geriátricas em internadas menstruadas, justamente pela ausência de absorventes para essa condição específica. E daí haver custo elevado devido a trocas muito frequentes, uma vez que, mesmo menstruadas, as pacientes urinam e eventualmente defecam, arriscando infecção.
A inclusão de absorventes para fins específicos (hospitalizadas menstruadas e cessão àquelas em risco social) no rol de insumos especiais do SUS pode aliviar os altos gastos com fraldas geriátricas, que seriam utilizadas apenas para os pacientes muito dependentes, que necessitam de uso constante1 delas.
Intenções do governo: já é de amplo conhecimento que as citadas alegações do governo não são mais credíveis para a maioria popular. Pois desde o início o governo tem agido para a deterioração paulatina dos serviços públicos essenciais e da economia.
Tal deterioração parte dos cortes profundos e sucessivos de recursos de serviços essenciais, da privataria de estatais e demissões em massa. Aprovado em comissão especial, o trecentésimo texto da PEC32 está nas mãos do plenário da Câmara, apesar da pressão das representações dos servidores públicos.
Apesar da vacinação, a sindemia de C19 continua sendo usada pelo governo para causar nova onda da doença e, daí, novo esgotamento na saúde pública e novas atividades nazistas na saúde privada. Um ministro da saúde que xinga populares em outro país vai se preocupar com saúde feminina?
Claro que não. E, para completar, que o diga Paulo Guedes que tanto depreciou a nossa economia, que reduziu o poder alimentar popular a fragmentos e ossos. Claro que não vão bastar os ossos, valerá a miséria menstrual para completar o quadro, Tudo faz parte do projeto.
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Imagens: Google (montagem autoria do artigo)
Notas da autoria
1. Uso temporário ou permanente, em internação hospitalar.
Para saber mais
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14214.htm#:~:text=L14214&text=Institui%20o%20Programa%20de%20Prote%C3%A7%C3%A3o,essencial%20o%20absorvente%20higi%C3%AAnico%20feminino. (lei 14.214 de 2019, por planalto.gov.br)
- https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/10/07/bolsonaro-veta-distribuicao-gratuita-de-absorventes-a-mulheres-pobres.html
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/07/bolsonaro-veta-distribuicao-de-absorventes-a-estudantes-e-mulheres-pobres
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