segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Análise: vitórias da CPI da C19

 

        Como qualquer comissão parlamentar de inquérito (CPI), a CPI da C19 iniciou passando ao público a impressão ligada de que iria terminar em pizza, sem desmascarar ou abrir portas para punir os envolvidos no tema da sindemia de C19. Mas. ela acabou se diferenciando, graças à objetividade e firmeza de sua cúpula (presidente Omar Aziz, relator Renan Calheiros e o vice Randolfe Rodrigues), e seus membros na tribuna.
        Uma mostra dessas qualidades foi a sua prorrogação por mais três meses, totalizando perto de 6 meses, graças à sua cúpula e membros como Alessandro Vieira, Simone Tebet, Rogério Carvalho e outros. O que, ainda antes do fim, gerou resultados muito interessantes a serem abordados aqui.

Por que a visão popular negativa sobre as CPIs

        Como dito acima, as CPIs sempre foram mal vistas pelo imaginário popular, pois os integrantes dizem que a CPI surge para investigar explorando determinado tema que chama a atenção pública. Talvez daí a geral pensa que no final todos os errados "deveriam ir logo pra cadeia".
        Em verdade, essa é uma visão errada, incutida desde muito por políticos populistas sob eventual investigação em atos ilícitos de grande magnitude. Como o próprio presidente Bolsonaro tem feito para depreciar a CPI corrente.
        Segundo o cientista político Leonardo Rossato, a visão errada vem justamente do trabalho que a CPI faz de investigar fatos, tarefa tradicionalmente policial. Mas, se trata de uma investigação política, atribuição regida em regimento interno do parlamento brasileiro. É uma investigação política.
        A investigação aufere à CPI o seu poder discricionário (polícia) concatenando vários fatos ligados a um tema. A CPI da C19 expôs ao público ações ilícitas e seus envolvidos, incluindo as omissões do governo na gestão da sindemia que resultaram em mais de 600 mortos e milhares de sequelados1.
        O "ninguém será preso" é uma ideia errônea ligada à desinformação. CPIs têm poder limitado de polícia, no máximo tornar depoente um investigado e dar voz de prisão em caso de desacato ou de excessos, como já aconteceu com dois ou três casos, todos hoje investigados.
        Mas mesmo com seu poder de polícia, a CPI não tem poder judicial, daí não dar veredictos após a verificação do relatório final. Sua função essencial é desvendar as teias de relações e entrelinhas do tema explorado, e mostrar os protagonistas e coadjuvantes, tudo no espectro político.

As vitórias da CPI da C19: análise

        Mesmo com todas as suas limitações, pressões externas e depreciações advindas do governo e da Câmara, a CPI da C19 gerou resultados positivos, que Leonardo Rossato enumera em seis pontos, aqui mais condensados para que o texto não fique demasiado prolongado e enfadonho.
        Vacina e C&T- a vacinação se seguia muito devagar: até o início da CPI em 28/4,  só 13,2% dos brazucas receberam a 1ª dose e 5,8% as duas (dados oficiais de Secretarias regionais). Após a vergonha dos cloroquiners e a assertividade de quem exaltou vacinas e ciência, aumentaram as agulhadas.
        Governos regionais e federal aceleraram a aquisição das vacinas disponíveis. Não fosse a CPI, o Brasil levaria mais de ano e meio para cobrir 80% do povo, com morticínio maior. Hoje, pelo menos 78% já tomaram pelo menos 1 dose.
        Antes da CPI, os cientistas não conseguiram dissolver o discurso anticiência bolsonarista. Na CPI, os cientistas Pedro Hallal, Natália Pasternack e Claudio Maierovitch tiveram sucesso, assim como o médico e senador Otto Alencar em detalhes técnicos, mas didáticos, sobre vírus, tratamento precoce e vacinas. 
        Corrupção e práticas nazistas- na CPI foram expostos negócios ilegais com vacinas da Covaxin e AstraZeneca e testes, tudo fantasma, com empresas de fachada para corrupção e lavagem de dinheiro, e o deputado Ricardo Barros e Marcos Tolentino do Fib Bank figuras centrais dessa teia.
        O deputado Luís Miranda expôs a trama com base em denúncia do irmão servidor concursado do MS/ importação. A partir daí, vários nomes foram convocados, inclusive Barros, Toletino e outros que abusaram do direito ao silêncio e de mentiras confrontadas pelos senadores.
        Na alegação de ter patrimônio imobiliário de R$ 7 bilhões (aonde?), o Fib Bank foi criado como banco virtual para atender às volumosas transações ilícitas, como as supracitadas.
        Depois, o nazismo com vidas: prescrição arbitrária de medicações provadamente ineficazes (kit-C19, flutamida para câncer de próstata, ozonioterapia retal, etc.), canto obrigatório de hino com letra nazista, omissão da C19 nos obituários, "estudos" com dados mentirosos e metodologia duvidosa.
        Tudo sob críticas do ex-MS Mandetta, e pleno aval (e pressão) do ex-MS Pazuello e de Queiroga, estes com o gabinete paralelo que ditava as práticas, e o ministério da Economia, em nome da santa Cloroquina, com volumosas cifras por trás disso tudo. Quem sabe, as offshores agradecem.
        As operadoras de planos de saúde envolvidas são a Prevent Senior e a Hapvida, ambas com seus donos próximos à família Bolsonaro. Mas, quiçá, pode haver outras. Afinal, nesse horror que revela a era Bolsonaro, essas operadoras lucraram muito, mesmo sem revelar os valores na CPI.
        Nisso, vale um spoiler dedutivo. A denúncia de Witzel talvez tenha impedido a extensão dessas práticas nos hospitais federais fluminenses, dada a influência de Flávio Bolsonaro, que quer entregá-los à iniciativa privada.
        Percepção civilizatória e política- no campo civilizatório, se destacaram a bancada feminina, ao enfrentar o violento machismo bolsonarista, e Fabiano Contarato, por seus discursos históricos contra a LGBTQIAfobia.
        Simone Tebet foi o principal alvo do machismo de depoentes abusivos e de colegas governistas que a interrompiam a todo custo, e Contarato respondeu por si e por Randolfe (que não é gay) ao empresário Fakhoury e ao MEC Milton Ribeiro. As duas partes chamaram na CPI a atenção sobre a equidade na diversidade social.
        No campo político, não é segredo para ninguém que o brasileiro vê na política como sinônimo de corrupção de todo jeito e desvarios contra a ética - fruto da própria historicidade da cultura corrupta da elite, que secularmente dominou os bastidores da política.
        A CPI foi capaz de mostrar que existem vários políticos sem escândalos em suas carreiras, não importando se são veteranos ou estreantes. E, também, na exposição de tantos fatos relevantes, acabou com o personagem que Bolsonaro plantou para a sua eleição, ao revelar que o mesmo protagoniza o maior esquema de corrupção percebido desde a redemocratização.

        O cancelamento da homenagem às mais de 600 mil vítimas da C19 por Renan Calheiros parece não mexer com o brilho da CPI citado em tantas linhas. Ele explicou que, em decorrência de pressões para encerrar tudo até 20/10, se dedicará à análise do relatório final com Aziz e Randolfe.
        A decisão foi criticada pela mãe do humorista Paulo Gustavo, vítima há poucos meses. Não que não tenha razão. Mas é perfeitamente certo que o enceramento oficial da CPI tenha a homenagem, mesmo simbólica, o que seria feito com chave de ouro.
        Uma vez que tenha produzido esses resultados tão positivos, se espera que no plano civilizatório, se espera da CPI também possibilitar a humanização da vida e da morte na C19, após o aguçamento da banalização pelo bolsonarismo ao ponto da mórbida complacência diante da barbárie.
        Mas, ainda é cedo para se chegar lá. A morte por barbárie permeia a nossa história há séculos. Mas, a CPI poderá ser lembrada na história do futuro como a oportunidade para nossa humanização. Quiçá.
        Os atores da barbárie da C19 no Brasil podem nunca ser presos. Mas sabemos que não é culpa da CPI. Nisso, já é em si mais uma vitória: nem toda CPI tende a terminar em fracasso.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Por efeitos adversos decorrentes pela adesão errrônea ao kit-C19, Milhares desenvolveram sequelas hepáticas, nefrológicas e neurais ou mentais. A adesão foi voluntária em apoiadores do presidente.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=J_MQpjK4N7c (Meteoro Brasil entrevista Leonardo Rossato, cientista político-CPI já venceu)
- https://nadanovonofront.com/2021/10/01/a-cpi-ja-venceu/
- https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/09/17/O-envolvimento-dos-planos-de-sa%C3%BAde-com-o-tratamento-precoce
- https://oglobo.globo.com/politica/kit-covid-operadoras-de-planos-de-saude-sao-alvo-de-reclamacoes-na-ans-em-dez-estados-1-25231700


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