quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Análise: na democracia, a censura do capital

     
        Quem no Brasil viveu diversos momentos políticos ditatoriais se lembra bem de que o acesso às informações era bastante restrito. Vários setores de entretenimento cultural estavam entre os alvos mais conhecidos dos censores. Na imprensa dominavam receitas gastronômicas, notícias da guerra urbana cotidiana, esporte e, claro, a eterna lista de classificados. Economia e política eram muito precárias e superficiais. 
        Tais restrições configuraram a censura, tipicamente operante em governos totalitários, e muito criticada entre as nações de governos democráticos como uma violação ao direito humano à informação. E se afirmar agora, que a censura não é obrigatoriamente exclusiva de regimes extremistas?
        Sim, a censura é típica, mas não exclusiva de ditaduras. E como mostra o parágrafo inicial, ela se direciona para vários setores da vida política e da sociedade.  

Alguns exemplos na democracia brasileira

        Os exemplos a seguir serão citados em 4 períodos: pós-ditadura; Collor; FHC-PT e Temer-Guedes-Bolsonaro.
        Pós-ditadura: entre mar//1985 e meados/1988 o país viveu a transição democrática. Sarney ferrou a censura deixando os meios comunicativos livres para divulgar suas informações. A extrema pobreza e as minorias ganhariam espaço com viés liberal por trás das cobranças aos poderes públicos; o mercado financeiro ganha o espaço atual.
        Era Collorem 1989 veio a 1ª eleição presidencial do pós-ditadura que escolheu Fernando Collor, que veio para "revolucionar a economia" e "caçar os marajás". A tal revolução foi a mudança do cruzado novo para cruzeiro sem mexer na hiperinflação, que continuou ferrando a economia popular. 
        Já a caça aos marajás que a grande mídia tanto elogiou, só saberíamos anos depois que eram os servidores públicos médios e mais pobres, através do confisco de poupanças que, segundo o governo, teriam volume "a partir de Cr$ 50 mil".
        Só que a verdade viria anos depois da deposição de Collor: o tal confisco atingiu quem não fosse servidor público, e há indícios de que tenha atingido quem tivesse poupanças inferiores a Cr$ 50 mil, ferrando ainda mais a vida popular. A fila de indenizações perdura até hoje...
        Era FHC: na era Itamar Franco, o Plano Real revolucionou ao estabilizar a economia por moeda estável, o real valendo Cr$ 1750, com níveis inflacionários próximos de primeiro mundo, sem boicote de empresas para o comércio. O plano está aí até hoje, apesar do governo Guedes-Bolsonaro.
        Um efeito confiança pegou a geral, com boom de consumo. Mas depois veio o que a grande mídia não explicou por que a geral se ferrou rápido: por trás da "moeda forte", houve processo semelhante nos preços dos bens, serviços e impostos. A sensação inicial de se ter mais grana foi só ilusão.
        Coisa semelhante a grande mídia faz ao divulgar cada índice de inflação, baseado, na prática, na média da classe média-abastada, subestimando a realidade sentida pelas classes populares. Essa prática midiática se revelaria após o Plano Real, como característica do neoliberalismo mais franco.
        Os tímidos avanços sociais na era petista foram aproveitados pela grande mídia para mostrar como as reformas privatizantes e neoliberais "melhoraram a vida popular".
        Era Temer-Bolsonaro: na era atual, Guedes atirou contra o câmbio flutuante, com duro impacto sobre a economia popular, novamente ameaçada pela volta da hiperinflação, junto aos cortes sucessivos de benefícios de distribuição de renda, havendo o recorde de empobrecimento a lembrar os anos 1970.
        Apesar do escancarado ímpeto destrutivo de Guedes, a grande mídia hoje o protege exaltando os lucros indecentes dos grandes grupos econômicos, por sinal devedores de R$ 2 trilhões em encargos somados. Pior: a maior parte desses lucros vem de nossos impostos convertidos em dívida pública.
        O impostômetro de São Paulo registrou R$ 2,1 trilhões arrecadados em outubro, mais do que 2019. É a soma dos impostos federais e regionais, pagos pelas classes médias e populares, cuja maior parte se destina aos títulos da citada dívida.
        A grande mídia não expõe com veracidade as razões dos aumentos semanais dos combustíveis. Há tempos, Guedes pouco a pouco vende as ações públicas da Petrobrás sem retorno real para o Estado. Hoje, quase todas, se não todas as refinarias estão privatizadas.

        Muito do comportamento descarado dos Bolsonaro com o tesouro público revela a nossa riqueza. Compras bilionárias de votos, gastos opulentos com comitiva grande e inútil em viagens oficiais e com cartão corporativo revelam os vícios políticos de quem se diz antipolítico.
        A grande imprensa tem a coragem de, ao menos, criticar tamanha ostentação do governo com tais viagens oficiais. Mas se cala solenemente quando o problema esbarra em Guedes e seus negócios com offshores em paraísos fiscais, e as compras de votos dos parlamentares, que têm Guedes por trás. 
        O silêncio seletivo continua marcando nossas mídias, pelo menos na economia, mas em plena democracia teórica. Mas há nisso uma verdade relevante e, por isso mesmo, aterradora: a censura das ditaduras políticas acabou, mas há a censura econômica, a revelar a ditadura do capital.
        E, vale completar, tudo isso às custas das classes populares e dos mais pobres.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. 

Para saber mais
- https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Sociedade/Imprensa
- https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/564683/imprensa.pdf
- https://www.scielo.br/j/op/a/QKcD8Yn4fK6qYmMgXX5PtHw/?lang=pt (o conservadorismo patronal da grande imprensa brasileira)

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