sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Análise: por trás do ataque ao sistema do MS

        Quando anunciada à grande mídia, a variante corona Ômicron foi divulgada como oriunda da África do Sul, devido à sua descoberta por cientistas sul-africanos, os primeiros grandes anunciadores. E assim, a Grã-Bretanha, seguida pela União Europeia e países da Ásia e das Américas, fecharam fronteiras para a África do Sul e vizinhanças.
        Foram dois motivos: a descoberta da capacidade notável dessa variante de gerar muitos mutantes em tempo recorde, e a descoberta de holandeses infectados com essa variante, em diagnóstico anterior à divulgação da origem africana da mesma. Daí a razão do temor, que levou a novos lockdowns em alguns países da UE.
        Mas nem todos os países trancaram em definitivo as fronteiras para os países do sul africano, embora exigissem comprovante de vacinação aos viajantes oriundos da África e Holanda. Apenas um manteve, a princípio, total abertura sem exigências: o Brasil, na voz do presidente Bolsonaro, claro.
        Mas em seguida, o presidente Barros, da Anvisa, prontificou a exigência de passaporte de vacinação dos viajantes vindos do exterior, como medida protetiva, o que causou um estremecimento nas bases governamentais.

Primeiro ato: o conflito de falas

        O presidente Bolsonaro prontamente se manifestou contra Barros, contrariando a norma da Anvisa. Para ele, nada poderia ir contra a sua filosofia de primeiro a economia, deixe a vida pra depois, e num pronunciamento público, desprezou a importância dada pela OMS e nações à nova variante.
        Logo depois desse pronunciamento, o ministro da saúde Marcelo Queiroga, que acompanhava o presidente da República, foi questionado sobre a possibilidade de resolver o conflito de posições entre o governo e a Anvisa, e a resposta foi uma máxima da filosofia acima citada: "melhor perder a vida do que a liberdade".
        A fala repercutiu por toda a imprensa e, claro, nas redes sociais, causando nova onda de debates acalorados em que as mais diversas interpretações ali surgiram, alguns tentando minimizar o impacto com explicações mirabolantes, e outros em pronta condenação.
        Enquanto a geral se atentava a esse conflito de falas, foi incluído um aplicativo, o ConectSUS, no qual, além de outras informações, os usuários do SUS podem acessar, entre outras informações, a do registro eletrônico do comprovante de vacinação para obter permissão para viagem, eventos coletivos, etc. 
       Até que, de repente, nessa sexta-feira dia 10, quem tem o aplicativo instalado em seu celular viu que, ao acessá-lo, não conseguiu.

Segundo ato: o ataque ao ConecteSUS

         Os cidadãos com o ConecteSUS relataram que, após logar, apareceu uma tela escura com uma mensagem: "os dados internos do sistema foram copiados e excluídos. 50 TB de dados está em nossas mãos. Nos contate caso queira o retorno dos dados". Nessa reprodução fiel do texto, dá para se notar os erros primários de português, como se a autoria tivesse baixa instrução.
        Abaixo da mensagem, dois endereços: "https://t.me/minsaudebr", pelo Telegram, e um e-mail,  "saudegroup@ctemplar.com". O Telegram é a conhecida versão russa do WhatsApp (o famoso 'zap'), e o e-mail se refere a um provedor privado, muito possivelmente desconhecido da geral, confirmando ser um ataque. Mas, quem teria coragem de acessar um desses endereços?
        Não é o primeiroAtaques cibernéticos ocorrem desde o advento da internet. Desde que passaram a armazenar suas informações na internet, acatando princípios inerentes ao númus público, como publicidade, eficiência e impessoalidade, entre outros, os órgãos públicos logo se tornariam sujeitos a tais ataques.
        Além de sua extensão no sistema de dados do MS, este ataque tem significado singular. É mais um dos vários apontados na era Bolsonaro, evidenciando uma estranha historicidade, que se destaca em comparação a acontecidos em governos anteriores.
        Chama especial atenção o comportamento diferenciado do governo Bolsonaro quanto a este tema, bem como o contexto circunstancial em que os ataques virtuais acontecem. Se antes a população era informada dos fatos via pronunciamento oficial, com ajuda da mídia, hoje somente a mídia divulga o fato - e sempre coincidindo com momentos relevantes para a nação.
        Exemplo do TrateCovDurante a CPI da C19, o aplicativo TrateCov, desenvolvido por equipe capitaneada pela médica Mayra, conhecida como "capitã Cloroquina", foi relatado por Mayra e pelo ex-MS Pazuello sobre a indicação do tratamento precoce com fármacos já provados ineficazes e perigosos como sendo obra de hacker. 
        Investigação posterior aos depoimentos de Pazuello e Mayra mostrou que o TrateCov nunca foi realmente anunciado em publicidade oficial, e nunca foi alardeada pelas mídias suposta irregularidade sobre o tratamento precoce via aplicativo. Durante a CPI, após os depoimentos, o TrateCov foi banido sem diálogo prévio com a população.
        Agora, algo parecido acontece com o ConectSUS.
        
Terceiro e último ato: o que, ou quem, está por trás do ataque - reflexões

        O ataque aos sistemas do MS, em especial no ConectSUS, ocorreu logo após a Anvisa determinar, em resolução documentada e assinada pela presidência, a obrigatoriedade do passaporte de vacinação anti-C19 para viajantes vindos do exterior, especialmente da Europa e África, locais com um forte recrudescimento da C19.
        A determinação recebeu reação contrária do presidente da República, que põe o país na contramão dos que, inclusive, voltam a fechar fronteiras. E foi a partir daí que o ataque ocorreu surpreendendo milhões de cidadãos, que se assustaram perante o risco de terem seus dados perdidos.
        A alguns jornalistas de emissoras que o defendem, o ministro da saúde deu uma de assegurar que os dados dos cidadãos cadastrados não foram perdidos. O que gerou dupla reação: se para alguns foi um alívio, para uma possível maioria foi a senha para despertar desconfiança com o próprio governo.
        Uma desconfiança que faz pleno sentido, a começar pela estranha (e nova) coincidência de ocorrer um ataque desses que impede o acesso aos dados que comprovem ou possam comprovar a vacinação dos cidadãos em situações que repartições públicas ou viações exijam seu passaporte.
        E mais: como se pode afirmar tão categoricamente que os dados não tenham sido perdidos com o tal ataque? Não basta o tal aviso esquisito. O medo de acessar os endereços citados após o estranho aviso que aparece nos celulares é perfeitamente compreensível, mesmo que o do Telegram pareça bem sugestivo. 
        Mais recentemente, o presidente da República assumiu querer saber dos nomes dos servidores envolvidos na determinação da Anvisa, o que desencadeou em entidades da sociedade civil e também dos serviços públicos a solidariedade aos trabalhadores da autarquia.
        Com tanta coincidência a repercutir entre os internautas, a oposição do Parlamento olha tudo com forte suspeita. O negacionismo reiterado do governo seria uma razão óbvia, mas materialmente não prova, ao menos juridicamente, que o ataque tenha partido necessariamente do Planalto. Ainda que se denote como um bom indício para tanto.
        Para piorar a suspeita sobre o governo, recentemente o governo lançou a consulta pública sobre a vacinação anti-C19 de crianças de 5-11 anos, diante do aumento das infecções por Ômicron no país. Emitida após muita hesitação, a consulta exige atestado médico para vacinação e é muito criticada pelos cientistas pela exigência e o viés ideológico implícito.
        Mesmo que as fontes midiáticas nunca noticiem, o próprio comportamento da equipe de governo a entrega enquanto suspeita numero 1 do ataque ao ConectSUS e outras plataformas .gov, que seguem de acesso ruim ou impossível, evidenciando desatenção ou descaso. 
        Ainda que não tenhamos como provar, resta ao menos uma certeza, a de que, enquanto cidadãos não acessam seus dados de boa, o governo dança funk em churrasco numa lancha, contente com o caos que se aprofunda com a liberação de réveillons e carnavais por todo o país. Dona Morte agradece.
        
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Imagens: Google (montagem da autoria do artigo)

Notas da autoria

Para saber mais
- https://outraspalavras.net/outrasaude/no-ataque-hacker-a-saude-as-duas-marcas-do-governo-bolsonaro/
https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/12/07/melhor-perder-a-vida-do-que-a-liberdade-diz-queiroga-veja-analise-de-frases-e-medidas-sobre-viajantes.ghtml
- https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/pf-aponta-que-ataque-hacker-atingiu-ministerios-e-mais-de-20-de-orgaos-do-governo/
- https://www.poder360.com.br/congresso/oposicao-considera-suspeito-o-ataque-hacker-ao-ministerio-da-saude/
- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/governo-bolsonaro-dados-hacker/
- https://www.tecmundo.com.br/seguranca/224452-anonymous-declara-guerra-bolsonaro-hackeia-fib-bank.htm
- https://revistaoeste.com/politica/grupo-hacker-invade-outros-sites-do-governo-federal-e-xinga-bolsonaro/
- https://canaltech.com.br/seguranca/stj-e-alvo-de-ataque-cibernetico-confira-tudo-o-que-sabemos-ate-agora-174162/


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