Desde os últimos dois meses de 2021, quando surgiram as primeiras pesquisas de intenção de voto pelo DataFolha, Ipespe (antigo Ibope), o novo Paraná Pesquisas e outros meios especializados, o velho ex-presidente Lula começou largando na frente, tendo o atual presidente Bolsonaro em segundo e, distantes, Ciro Gomes, Sergio Moro e João Doria.
Mas, entre janeiro e fevereiro deste ano, bem em especial com os danos e perdas do sul baiano, maior parte de MG e Petrópolis, houve uma mudança nos números das pesquisas, indicando uma descida nos patamares lulistas e uma subida do seu Jair: 39 a 31, às vezes 38 a 32, considerando-se margens de erro.
A repetição de patamar na Paraná Pesquisas acendeu um alerta amarelo no PT e na equipe de Lula indicando a necessidade de identificar e avaliar falhas e lançar estratégia nova que reverta o revés. Uma análise é avaliar se há de fato a suposta proximidade entre duas figuras populares, mas essencialmente diferentes.
Por outro lado, já se percebe no PT e sua base a certeza da vitória do velho Lula, por ser revelação de historicamente o líder constante terminar eleito no final. Uma certeza que pode ser errônea, apesar de novo distanciamento revelado nas últimas pesquisas.
Fatores vários e possíveis
Com certeza, essa dança dos números que aproximou perigosamente Bolsonaro de Lula
A dança dos números não surgiu do nada, e o fato de ter ocorrido em plena coincidência com os três desastres supracitados pode dar uma boa pista do ocorrido.
No início de janeiro, Bolsonaro curtiu a vida adoidado no litoral catarinense e parou em hospital para avaliação de cirurgia intestinal, chamando o oncologista que gozava suas férias nas Bahamas para depois ter alta, surfar em jet ski em Brasília e virar vagabundo na boca geral.
Já surfando na onda dos 42% da preferência popular, 21 pontos à frente de Bolsonaro, Lula cedia entrevistas para canais como Carta Capital, Revista Fórum, Brasil 247 e correlatos, após o sucesso de sua passagem pelo podcast PodPah, disponível na plataforma de vídeos do Youtube.
Mas, logo nesse ínterim em que as chuvas intensas avançavam pelas lotadas barragens de rejeitos de minério de MG pondo em perigo quase 820 dos 853 municípios, e iam aos poucos para a serra de Petrópolis, viria um reverso que agora ameaça a alta chance de nova eleição do petista.
Oscilação evangélica- a influência quase bárbara da bancada da bíblia uniu os líderes religiosos e políticos para discutir as propostas de políticas públicas e outros interesses que, óbvio, o 1/3 brazuca evangélico não tem ideia, ou sabe, mas prefere não acreditar ou não se meter.
A partir da era Temer, a imensa maioria dos pentecostais1 se deixou levar pelas indicações de seus pastores sobre quais candidatos a votarem nos pleitos municipais de 2016 e em Bolsonaro em 2018, na toada de prosperidade, paz, fim da "imoralidade corrupta, comunista e sexual", e outras coisas do tipo.
Como os seguidos fatos revelaram a verdadeira face dos Bolsonaro e aliados (até pastores), boa parcela dos fiéis acordou, ajudando na preferência atual de Lula, que teria abaixado em fevereiro por conta do (temporário) Auxílio Brasil, freio nos ataques à vacinação e crédito mais fácil de Bolsonaro, sem se atentarem de serem apenas agrado eleitoreiro.
Mas isso não significou chance da perda de preferência pelo velho petista. Até porque, pesquisas em meados de março revelam novo distanciamento entre Lula e Bolsonaro, agora em torno de 14 pontos segundo PoderData, Quaest e Ipesp.
O perigoso "já ganhou"- a série histórica de pesquisas tem mostrado relativa folga na liderança de Lula, causando apreensão nos Bolsonaros e seu séquito. Nos bastidores do PT, sua base e os apoiadores, as chances de vitória no 1º turno, veio o clima automático de "já ganhou". Nada mais arriscado.
Embora condicionado pela relativa constância da série histórica, o sentimento precoce é perigoso, pois nunca se descarta a chance de virada. Que o digam Paes e Garotinho na corrida eleitoral ao governo estadual do RJ. O então desconhecido Wilson Witzel venceu bastando dar apoio a Bolsonaro.
O que garante a liderança do petista é a sua coerência política do povo como indutor econômico, mesmo que seus movimentos o levem a dialogar com figuras nada palatáveis à militância. Apesar da recente revelação de pastores com muita grana do MEC a pedido de Bolsonaro, em áudio do ministro Ribeiro2.
Chuvas: vacilo de um, proveito do outro- as chuvas de dezembro que afetaram o sul da Bahia não impediram o recesso presidencial em Santa Catarina. Apesar de ter sobrevoado a região com o seu kit comitiva, os predicados "vagabundo" e "insensível" mexeram um pouco. Depois sobrevoou Minas e Petrópolis (RJ).
Na Bahia e RJ ele prometeu liberar recursos para recuperação. Mas seu semblante calmo diferia dos dizeres consternados, ao ponto do governador baiano ironizar: "nós temos recursos". Foi razoável? Impossível saber. Mas, conforme disse, ele já está agindo na região, com vagar.
O novo estrago de 20/3 na imperial Petrópolis pode impulsionar a reeleição de Bolsonaro, pela promessa citada. De qualquer forma, em aparente espontaneidade, o governador do RJ Claudio Castro prometeu recursos para a recuperação da cidade.
Enquanto isso, Lula mantinha as suas entrevistas, passando a impressão de que não se atentou às tragédias. Mas, nas suas falas ressaltou ligação dos extremos e mudanças climáticas com a incessante devastação de grandes áreas naturais, com tendência de piora, com críticas ao governo atual.
Discussões político-partidárias- após ficar por anos longe de partidos, Bolsonaro entrou no PL de Valdemar da Costa Neto, que já foi condenado por corrupção e permanece incorrigível como o Centrão inteiro. Tão volúvel quanto Ciro Gomes em partidos, seu Jair só entrou para tentar a reeleição.
Mas, parece ser mais simplista nas suas escolhas de nomes que exaltem o seu, como Braga Netto, que parece cair como luva para vice. Já Lula procura é mais "matemático": a filiação de Alckmin ao PSB consolida a chapa e a liderança de Haddad ao governo de SP, embora França (PSB) não desista.
Outro facilitador para o discípulo de Lula é a decisão de Guilherme Boulos (PSOL) para a Câmara dos Deputados, visando reforçar a futura base progressista no Congresso enquanto expressa apoio ao velho presidenciável.
O retorno refletido nos Estados
Na Bahia, Rui Costa (PT) sai de cena para disputar o Senado e dá caminho a seu vice ACM Neto (União Brasil), hoje com 66% das intenções locais. Lula ensacou Jaques Wagner, rejeitado por 50% na corrida ao governo estadual. O próprio ACM Neto acenou apoio a Lula.
Em Pernambuco, Lula diz apoiar Paulo Câmara (PSB) à petista Marília Arraes, que migrou para o inorgânico Solidariedade de Paulinho. O que revela um certo gosto amargo para a jovem, que se sentiu excluída pela velha guarda do PT no Estado, que pareceu não se atentar às suas propostas.
No Ceará ainda não definiram nome, mas qualquer um que Lula e o discípulo Camilo Santana apoiar vence o bolsonarista Capitão Wagner (União Brasil): os PDTs Isolda Ceta e Roberto Cláudio, e o tucano Chiquinho Feitosa. Explica-se: o Estado é reduto eleitoral de Lula.
É possível que o restante do Nordeste acompanhe essa tendência pela preferência de apoiados por Lula, como o velho aliado Renan Calheiros em Alagoas, apesar de ter votado pela saída de Dilma por chantagem do MDB. Mas sua atuação na CPI da C19 pode contribuir muito.
No Rio, a situação está bem clara: o nome apoiado por Lula é Marcelo Freixo (PSB), em segundo na preferência, em empate técnico em Claudio Castro, governador após impeachment de Witzel. Pode virar no segundo turno, a depender das flutuações políticas no decorrer do ano.
MG está como o Ceará: qualquer nome apoiado por Lula venceria o bolsonarista Zema, líder nesse momento. Um forte candidato para apoio lulista é o PSD Alexandre Khalil, prefeito de BH, popular por sua atuação. É aguardar o manifesto oficial
No Sul, SC se perde em vários empates técnicos, até um petista (o líder mal chega a 20%). No RS ainda impera preferência à direita. No PR Ratinho Jr. segue à frente, seguido de Roberto Requião (PT). A liderança de um cara hostil a servidores públicos em geral marca a imunidade paranaense à sensatez.
Nesse momento de fim de março, o novas pesquisas do Ipesp e do DataFolha revelam o retorno de Lula a uma liderança mais folgada em relação ao vice Bolsonaro. Há explicações para esse alívio, uma delas a tendência observável de voto maior em governáveis apoiados pelo petista nas regiões citadas.
Outra explicação que pode estar por trás desse retorno está na oscilante relação de Lula com canais populares das redes sociais. Pois coincidiu a supracitada queda de fevereiro com a restrição aos poucos canais de esquerda no Youtube e Facebook. No início de março, sua equipe apostou na diversidade de canais para entrevistas e lives.
Um importante canal de esquerda no Youtube que muito aguarda uma live é o Portal do José, do advogado e youtuber José Fernandes. O professor de Direito Constitucionalista deverá ter mais paciência, já que a equipe do presidenciável já tem planos confirmados novos compromissos nas redes sociais. Que o excelente canal tenha sido incluso na lista.
Nesse ínterim, Bolsonaro pode a ceder aos apelos dos servidores federais com salários congelados desde 2016 para um reajuste de 20%, para repor as perdas com a inflação oficial recente. Por outro lado, assinou três PLs e dois decretos, com mudanças no código penal e na legítima defesa, bem como o conceito de terrorismo.
As medidas aliviantes anteriores3 assinadas por ele se revelaram uma forma de recuperar o fôlego entre os eleitores pobres e para agradar seus bolsominions - grupo provavelmente reduzido devido às mortes por C19 após o libera geral da vacinação. Muitos eram contrários.
Mas, por outro lado, as sanções às recentes propostas supracitadas podem não agradar a parcela evangélica democrática e contrária à violência, bem como a maior parte da população, que em pesquisa realizada em 2019 se manifestou favorável à posse, mas contra o porte de armas desejado pelo governo.
Especialistas ouvidos pelo Globo criticaram as sanções como a liberação da "licença para matar", e entre estes, os juristas apontaram clara inconstitucionalidade no conceito proposto de terrorismo: na prática, "a intenção das propostas é a criminalização dos movimentos sociais".
Eleitoralmente, Bolsonaro atira de novo no pé. Temporário, o Auxílio Brasil nem ilude muitos dos cidadãos necessitados, que antes tinham a segurança do permanente Bolsa Família, mesmo limitado. E importante parte do eleitorado evangélico já se manifestou voltar-se para Lula ou Ciro.
Lula poderá usar de sua astúcia política para se aproveitar das mais novas escorregada de seu adversário. Está melhorando, mas depois do alerta amarelo aceso no PT e na sua equipe, ele percebe, com sua velha astúcia política, que pode mais. Quim sabe.
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Imagens: Google (fotomontagem da autoria deste artigo)
Notas da autoria
1. Menção para evitar generalização na geral evangélica. A maioria dos protestantes da "velha guarda" (históricos ou episcopais) escolheu Haddad. São os luteranos e (antigos) metodistas, batistas e presbiterianos.
2. Será abordado no tema da teocracia no bolsonarismo, ainda a ser publicado.
3. Referentes a aumentos nos valores dos saques do FGTS e quanto ao PIS/PASEP.
Para saber mais
- https://www.brasildefato.com.br/2022/02/17/distancia-entre-lula-e-bolsonaro-caiu-entenda-o-que-diz-a-pesquisa-poderdata
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4995269-pesquisa-mostra-que-79-dos-baianos-rejeitam-reeleicao-de-bolsonaro.html
- https://revistaforum.com.br/politica/2022/3/22/qualquer-candidato-apoiado-por-lula-camilo-vence-no-ceara-aponta-pesquisa-real-time-111913.html
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/03/19/interna_politica,1353893/pesquisa-diz-que-kalil-vence-zema-se-tiver-apoio-de-lula-em-minas.shtml
- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50522542 (crítica de juristas e especialistas às medidas sancionadas pelo governo)
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/03/25/bolsonaro-anuncia-projetos-que-alteram-legitima-defesa-e-definicao-de-terrorismo-especialistas-veem-licenca-para-matar.ghtml