Mariana, 2015. Barragem do Fundão se rompe e um tsunami de rejeitos se espalha por quase 265 km² de área. 19 mortos, dano socioambiental no Rio Doce e adjacências, e perda de pastos, lavouras e pescado. A Samarco, da Vale-BHP-Billington, foi multada e depois perdoada.
Brumadinho, 2019. Barragem Córrego do Feijão se rompe e espalha tsunami de lama de rejeitos. 278 mortos e desaparecidos, e dano ambiental severo em uma área de mais de 3 mil km². Destruição, poluição, desabrigo, sede e fome. As imagens ao lado não deixam mentir, mas os altos executivos seguem impunes.
A Vale foi condenada a indenizar em R$ 2 milhões as famílias dos funcionários mortos, além de corrigir os graves danos decorridos. Percebendo os pesos dessas condenações, a Vale corre atrás de milionários recursos jurídicos de reversão, devido às provas de negligência na inspeção e na manutenção da barragem.
Janeiro de 2022. Chuvas constantes castigaram dias a fio quase 800 cidades mineiras, com transbordamento de rios, mananciais e, claro, barragens. Na trégua de fevereiro vem o imenso sacrifício dos locais pela recuperação do que for possível.
Os casos supracitados demonstram como modificações profundas na fisiografia ambiental podem desencadear consequências imprevisíveis e em larga escala. Disso sabemos bem, mas apesar de tudo, parece não aprendermos. Agora, se tudo isso acima assusta, imaginem o que está por vir.
Barragens x vidas
Que a mineração tem sido a maior riqueza de MG, ao lado da agropecuária, todos sabemos. Desde os tempos dos bandeirantes, que desbravaram o vasto interior, viram várias preciosidades brotando da terra, escravizaram indígenas e negros até a última gota de suor e sangue, e a expressão virou o nome oficial da província e atual estado de Minas Gerais.
Hoje, MG é campeão de imensos buracos de minas e suas barragens de rejeitos, antes símbolos de progresso para as mentes humildes, e hoje, símbolos de temor, danos e mortes, motivados em especial pela negligência dos gestores dos megaempreendimentos, com o silêncio obsequioso dos governos.
Há 6 dias, sete cidades estavam em alto risco de rompimento da barragem Usina Carioca: Pará de Minas (local), Onça de Pitangui, São João de Baixo, São João de Cima, Casquilho de Baixo, Casquilho de Cima e Conceição do Pará. 4 dias depois, mais três entram na lista: Ouro Preto, Barão de Cocais e Nova Lima, esta última da grande BH.
Segundo o G1, a própria Vale alertou o governo mineiro sobre o perigo iminente. Há dois anos, a empresa teria evacuado moradores e desativado as barragens, agora reativadas e a um passo de causar novas tragédias socioambientais.
Agência reguladora- apesar dos alertas gerados pela mineradora, a ANM - Agência Nacional de Mineração, do Ministério das Minas e Energia, afirmou em nota que sua força-tarefa que monitora as estruturas não identificou qualquer situação de emergência. Uma afirmação imprudente.
E também sem lógica matemática contextual. Afinal, se Zema ainda errático no caso Capitólio, já foi alertado, por que a ANM nega? Quem mente aí, o G1 ou o governo? As imagens acima já dão a resposta.
A situação de MG é apenas um exemplo do que algumas barragens já causaram e outras estão para ferrar a qualquer momento. Mas, se preparem: o pior ainda está por vir.
90 Brumadinhos
Enquanto somos bombardeados por tendências noticiosas como essas, um segredo foi descoberto e posto à tona. Também se refere à construção de barragens, em local totalmente novo, em uma área de preservação permanente. Por si só, violação ambiental já virou tradição. Mas tal segredo é novo.
Trata-se de um megaprojeto a ser implantado em grande área, parte desta dentro dos limites de área de cerrado preservada no norte mineiro. "Uma gigantesca mina de ferro e duas barragens com 90 vezes o volume de rejeitos de Brumadinho devem se tornar parte da paisagem de cerrado no norte de MG". Sim, isso mesmo. 90 Brumadinhos à vista.
Multipliquem 3000 da extensão do desastre de Brumadinho por 90, e tentem imaginar a extensão do projeto das represas, em uma área de especial interesse para estudos da vida natural e da história geológica e da pré-história humana no Vale das Cancelas. Fora o impacto na vida do povo local.
Longa e rica em detalhes, a matéria do The Intercept Brasil (TIB) narra o enredo em que os atores agem com intento bem obscuro, ferindo leis pétreas, para materializar o megaempreendimento da sino-brasileira Sul-Americana de Metais (SAM), controlada pela Honbridge Holdings, em Hong Kong.
Investimento- o prometido vale US$ 2,1 bilhões em extração e beneficiamento de minério e 1,4 bilhão em mineroduto de 478 km, passando por 9 cidades mineiras e 12 baianas, até descarregar num porto, em Ilhéus. A equipe multiprofissional envolvida acredita haver reserva suficiente de ferro para minerar por anos.
Segundo os investidores, o orçamento total do projeto, em reais, chega a quase R$ 20 bilhões, o equivalente ao inicialmente orçado para a obra da polêmica usina de Belo Monte (que findou sugando o dobro do esperado, gerando onda de protestos ambientalistas e indigenistas no país).
Após quase 10 anos de embargo pelo Ibama, a estrutura foi liberada em 2019 pelo presidente do órgão Eduardo Bim, nomeado pelo ecocida ex-sinistro Ricardo Salles. A insana canetada de Bim se deu apenas 6 meses após o trágico e extenso horror causado da barragem desabada de Brumadinho.
Estratégia- Bim passou por cima dos analistas-chefes responsáveis, qualificados servidores de carreira. Em seu parecer, ele disse aos gestores mineiros para fatiar o projeto em duas etapas, passando assim a impressão ao público de impacto socioambiental menor e a coisa sair do papel. A estratégia só deu certo por ter sido feita por via desonesta.
Aliás, de qualquer nome de confiança indicado pelo governo Bolsonaro, seria ingenuidade esperar resposta com um mínimo de honestidade, razoabilidade e sensatez.
Alto risco
Apesar de o segredo ser exposto só recentemente, a investida da SAM ocorre desde 2009, quando da primeira negociação entre seus executivos e o governo Neves através do Projeto Bloco 8, documento que logo chegou ao secretário estadual do Meio Ambiente, Germano de Oliveira, que encaminhou à sede mineira do Ibama em BH.
Mas, o Ibama da época funcionava: o documento não escapou ao crivo dos analistas técnicos, cuja ordem final, dada por sua chefia, foi de barrar o projeto devido ao grave risco socioambiental de proporção gigantesca e custo incalculável. Absolutamente insustentável, em todo sentido.
Na avaliação dos técnicos, o impacto já se iniciará na supressão sumária de 70 nascentes numa região naturalmente pouco chuvosa, ameaçando seriamente a sobrevivência dos mananciais de superfície que sustentam a diversidade biótica e as comunidades tradicionais seculares. A contaminação da água subterrânea pela mina e percolação da água de rejeito agravará a situação socioambiental.
Local valioso- o local indicado pelos executivos da SAM é o Vale das Cancelas, no norte de MG. Aos olhos do governo e da SAM, um paraíso ferrífero. Aos olhos de analistas do Ibama, estudiosos de ciências naturais e turistas, um belo patrimônio natural. E aos moradores tradicionais, seu sustento e história.
O Vale das Cancelas compreende a porção mordeste do Parque Estadual Grão Mogol, uma área de preservação ambiental (APA) que abarca a cidade de Grão Mogol e adjacências, mais ao sul.
O clima local é tropical subúmido, com precipitações irregulares. Sua geologia tem formações sedimentares e ígneas1 bastante diversas erodidas pela água e pelo vento, entre tabuleiros, chapadas e planícies onduladas e amplas.
O conjunto revela um ambiente complexo de vegetação diversa (uma transição de cerrado, mata-seca e caatinga), nascentes, vazantes, rios, lagos e nichos brejosos, conhecido localmente como "gerais" em alusão à sua própria diversidade, a ocupar tanto a extensão do parque quanto o vale.
O Vacaria é o principal rio do conjunto hidrográfico regional, que também abrange outros, como Ventania, Jequitinhonha, Itacambiruçu e seus afluentes, que desembocam em lagos, brejos ou quedas d'água vertendo para formar piscinas naturais aqui e ali, especialmente em temporada de chuvas.
Tais afluentes já foram perenes, formando rica rede d'água. Agora estão intermitentes, devido às monoculturas de eucalipto, árvore australiana usada para secar os pântanos no Rio para combater a malária há mais de 100 anos, por sugar até 550 litros por dia. Os afluentes só oferecem água durante as chuvas.
Tradicionais ameaçados- na região do Vale das Cancelas há povoados de pequenas propriedades rurais dos geraizeiros, famílias tradicionais que vivem da agricultura de subsistência. A sua pecuária é pequena e solta, e as roças são de milho, feijão, mandioca, hortifrútis e plantas medicinais.
Somente as sobras da produção são comercializadas, em comunidades vizinhas ou em feiras, em forma inteira ou processadas e embaladas. Alimentando-se das ervas nativas, o gado gera baixíssimo custo de criação e manutenção, sem afetar negativamente o ambiente.
Essa prática denuncia a antiguidade e sabedoria seculares dos geraizeiros, na convivência pacífica com os ecossistemas e as belezas locais turisticamente atrativas, numa relação estreita, engajadora por sua proteção. Pois, no fundo, sabem que algo muito ameaçador pode surgir ali.
Esse sentimento surgiu em 2011, após eles notarem um grupo de estranhos de roupas sociais que conversavam entre si como que em sussurros, indiferentes aos locais mais próximos, a perscrutar com atenção o lugar ora clicando com seus celulares, ora telefonando.
Mas o que eles provavelmente não sabem é das dimensões reais da SAM e de seus impactos, como a remoção de comunidades inteiras do local de origem para terminarem em outro de natureza parecida. Mas, já com sobrevida ameaçada pela futura falta da água de superfície e da contaminação dos lençóis freáticos.
Violação no pacto federativo
Por pacto federativo se define o conjunto de regras que determina a divisão de responsabilidades públicas para a União, Estados e Municípios, tanto no campo de atuação quanto na participação nos movimentos de recursos públicos e outros atributos relacionados, segundo o art. 1º da Constituição.
Por ser constitucional, os juristas afirmam esse conceito como a essência do pacto, independente das recentes propostas de alterações em alguns dispositivos legais que já circulam no Congresso desde que Jair Bolsonaro tomou posse da presidência da República.
No tema tratado neste presente artigo, o pacto federativo foi lembrado pela advogada e antecessora de Bim, Suely Araújo, como sendo o dispositivo ferrado pela violação à Constituição, com a instalação da megaestrutura. Suely explica pelo menos dois aspectos principais dessa ferrada:
1. a instalação da mina e das barragens de contenção de resíduos em área reconhecida e protegida por lei federal que delega, em certa medida, a responsabilidade a MG pela colaboração, cedendo ou embargando licença para edificar - se ceder, arcará sozinho com os estragos socioambientais da SAM.
2. a megaestrutura atingirá dois Estados (a mina, as barragens e início do mineroduto em MG e a maior parte na Bahia), e a previsão é a de que a licença e posterior fiscalização nas ações da mina já instalada caberão apenas a Minas Gerais, retirando da Bahia o direito fiscalizador sobre o duto em seu solo.
No relato de Suely, não bastando as duas violações, o projeto também fere a lei de segurança das barragens ao apresentar distância menor do que 10 km das comunidades tradicionais realocadas, tendo-se em conta a chance de avarias com potencial de vazamento acidental por chuvas concentradas ou por manutenção insuficiente ou ausente.
O secretário Germano- o empresário Germano Vieira foi nomeado secretário do meio ambiente (Semad-MG) ainda na era Aécio-Anastasia. Ele foi aproveitado depois pelo governador eleito Fernando Pimentel (PT) em 2010. Era figurinha fácil nos círculos dos executivos do ramo da mineração.
Essa boa relação se estendia aos representantes da SAM, de quem recebeu sem hesitar o projeto Bloco 8, que foi encaminhado ao Ibama-MG para avaliação técnica. Recebeu nova visita dos executivos da empresa, aos quais prometeu dar-lhes a resposta do órgão. Após certo tempo chegou a resposta.
Segundo os avaliadores, o projeto apresenta dados da estrutura subestimados para a cota mínima estimada de minério extraído, e das capacidades também estimadas das barragens de rejeitos, com o objetivo claro de causar a ilusória sensação de grande margem de segurança socioambiental.
O grosso parecer técnico foi parar em Belo Horizonte (Semad-MG) e em Brasília (MMA e Ibama), havendo assente do órgão ambiental em impedir a licença. Mas Germano foi mantido no posto para, na era Zema, dar nova chance à SAM e ser substituído depois pela atual Marília Carvalho de Melo.
Era Bolsonaro- Bolsonaro sempre foi anti ambiental. Só manteve o MMA por intensa pressão popular e do Congresso. Mas vingou ao nomear Ricardo Sales ministro. Salles ficou conhecido por se juntar a milicos para comandar exportação ilegal de madeira amazônica.
Para presidir o Ibama, Salles substituiu Suely Araújo por Eduardo Bim, que liberou as atividades ilegais em áreas protegidas e terras indígenas, bem como licenças a projetos antes embargados, entre eles o Bloco 8 da SAM, que trata sobre a estrutura de mineração e do orçamento.
Governo Zema- Para que a SAM toque o projeto, Zema, Germano Vieira e Thiago Toscano (ex-diretor presidente do Instituto de Desenvolvimento Integrado, Indi) assinaram protocolo de intenções que viabiliza finalmente toda a prática da instalação ad megaestrutura no Vale das Cancelas.
Sabrina Felipe (The Intercept) indagou à Secretaria de Desenvolvimento Econômico sobre liberar um projeto que viola a lei mineira Mar de Lama Nunca Mais. A direção foi errática: tergiversou sobre "detalhes sigilosos dos protocolos de intenções, conforme decreto que regula o acesso às informações do Executivo".
É o decreto 47.740/2019. Ele fere a publicidade constitucional, pois é dever de todo ente público informar à sociedade de seus atos e objetivos, direta ou indiretamente, via meios comunicativos oficiais, por se sujeitarem ao controle social, salvo as relativas à segurança das autoridades públicas e familiares.
Atos públicos envolventes um setor que envolve a biosfera planetária e a vida humana, portanto essencial, devem ser informados à sociedade sim, e qualquer sigilo em protocolos de intenções fora da previsão legal, como o caso da SAM, se torna ilegal. O citado decreto bonificou as mineradoras.
Obstáculos- se a SAM e o governo estadual se felicitaram, um inquérito do MP-MG e MPF deu origem à ação civil pública ajuizada no fim de 2019 na 3ª Vara de Justiça Federal em Montes Claros, onde o juiz federal Marco Fratezzi Gonçalves favoreceu o MPF determinando que cabe só ao Ibama licenciar a atividade da SAM. Mas, havia uma brecha.
Mas, um despacho de 08/2020 permitiu ao Ibama delegar a licença a MG. Em 09/2020 a SAM se reuniu com Bim em videoconferência, sem revelar detalhes da pauta. Em 03 e 04/2021, Bim assinou 2 acordos de cooperação com a Semad, que formalizam outorga ao governo de MG licença à SAM.
Delegação de licença- a permissão de licença pelo Ibama a Estados existe há 24 anos e se baseia em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 1997, e na lei complementar 140 de 2011. Desde então, 85 licenças (rodovias, hidrelétricas, portos, projetos de mineração e outros) foram delegadas assim, mas nenhum deles como o mineroduto da SAM.
Mas, muitos casos seguem em tramitação desde 2011, segundo informa a Semad-MG. O caso da SAM se seguiu graças aos acordos de cooperação assinados por Bim e pelo governo do estado. Uma questão de privilégio, estendida à própria Semad-MG para licenciar por dois Estados (mineroduto).
E na Bahia?- A Semad-MG disse que procurou o governo baiano para tratar sobre os impactos do mineroduto da SAM. Repórteres investigativos da TIB procuraram a Secretaria de meio ambiente e o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, que não deram respostas sobre o tema.
Afastamento de Bim- Bim foi afastado por 90 dias pelo STF logo após assinatura dos acordos de cooperação, graças a uma denúncia do TIB em 2020 de afrouxamento de regras ambientais para facilitar o tráfico internacional de madeira e liberar o garimpo ilegal. Após os 90 dias, retomou a presidência, continuando a sua atuação ecocida, que segue.
Percepções de Suely Araújo e outros nomes: reflexões
A cientista política Suely Araújo foi nomeada presidente do Ibama em junho de 2016. Ela foi avaliada pelos servidores do órgão como liderança de "boa ética ambiental". Foi mantida na era Temer, apesar de dos rumores de possível "novo nome". E com Bolsonaro presidente, o ministro Salles e asseclas de confiança.
Salles veio para depreciar tal ética ambiental e administrativa. Para completar, já pensava em radicalizar no Ibama, daí veio um plano: criar uma denúncia contra Suely, que já juntava suas coisas para se demitir, por conhecer o ministro.
Ela saiu logo após o post de Salles no Twitter sobre o contrato "caro e irregular" de R$ 30 milhões da locação de caminhonetes para rondas e flagrantes de crimes ambientais. Evitou conflito e explicou o valor baseado no número de veículos, frequência rotineira e combustível, via pregão publicado no DOU em 2016.
No Twitter, Bolsonaro elogiou o post de Salles como exemplo de "desmonte de irregularidades da esquerda", sem provas. Suely apenas classificou as publicações como "desconhecimento".
Hoje em dia, ela atua como especialista em políticas públicas no Observatório do Clima, de onde percebe e aponta os problemas legais e técnicos no caso da SAM (citação com adaptações):
"O controle a ser efetuado pelo órgão de apenas um Estado, sem um possível acordo entre eles, pode vir a prejudicar a gestão ambiental do empreendimento", por "invasão de atributos legais de um Estado por outro"; pode haver "dificuldade operacional nas vistorias [...] em eventuais aplicações de sanção administrativa [....] caso (haja) infrações pelo Estado que não participa do licenciamento".
Sobre federação, ela se refere ao art. 60 da CF: "há que se lembrar que o respeito à federação está na essência da Constituição. Tanto é assim que o tema é um dos poucos (como) cláusula pétrea". Ela aponta uma PEC submarina do Congresso que propõe abolir a forma federativa de Estado.
Para mineradoras tão ambiciosas quanto a SAM, tal abolição é supra sumo dos desejos, tal como um supercelular para um adolescente, freado no caráter pétreo do art. 60, como se esbarra na falta de grana de compra.
Autor de Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos e professor da Escola Politécnica da USP2, Luis Sanchez descreve problemas na fragmentação pela SAM e liberada pelo Ibama: "com avaliação separada, não se analisam os impactos que podem resultar da construção e da operação simultâneas de ambos os empreendimentos. As medidas [...] para mitigar esses impactos cumulativos não são consideradas".
O professor Bruno Milanez, da Faculdade de Engenharia da UFJF2, concorda: "se os estudos de impacto são feitos (separadamente), é a mesma coisa que comer um ovo cru e depois um pedaço de queijo para enfim dizer que comeu uma omelete".
A defensora pública Ana Cláudia A. Storch considerou "permissivos" os parâmetros de negociação dos entes estatais com a SAM, dada a premissa de "desenvolvimento econômico" que move até o MP. Mas adverte: "não temos nem clima, água e meio ambiente que possam suportar tamanha exploração sem critérios objetivos".
População ignorada- Após a assinatura dos dois acordos entre Ibama e governo de MG, o MP- MG3 de Jarbas Soares Jr (nomeado por Zema) favoreceu a SAM. Jarbas assinou termo de compromisso para a SAM bancar uma equipe técnica que auxilie o órgão a entender sobre licenciamento. Depois, Zema e Jarbas tiveram a audácia de publicar fotos da solenidade nas respectivas contas no Instagram.
Tal equipe técnica é da estadunidense Aescon, que presta serviços de assessoria a gigantes como Rio Tinto, BHP Billington (envolvida na tragédia de Mariana) e Anglo American, estas últimas com negócios no Brasil.
Em vídeo-ligação, Jarbas disse que o acordo assinado "é exatamente para ouvir a comunidade", e afirmou que "os que serão mais afetados pela empresa não participaram da formulação do acordo". Houve mesmo participação popular?
Atenta, a comunidade acadêmica representada pela assessora jurídica Margarida Alves e grupos como Associação Brasileira de Antropologia criticou a pressa do MP-MG na empreitada, e desmentiu Jarbas: "nenhuma comunidade teve acesso ou foi consultada quanto ao acordo firmado".
Jarbas é o mesmo que, junto com o MPF, DP-MG, DPU3 e Vale, acordo bilionário como forma de reparação pelo crime socioambiental em Brumadinho. Esse acordo é criticado pelo movimento dos atingidos pela lama da empresa, por não ter sido chamado a participar da negociação, que foi sigilosa. O mesmo pode ter sido o acordo firmado com a SAM.
O que se confirmou em ligação feita pelo TIB à SAM para acesso aos acordos: "o acordo possui cláusula de confidencialidade, principalmente considerando que os trabalhos são desenvolvidos para o MP-MG como destinatário da avaliação que ainda está em curso, não cabendo qualquer divulgação pela SAM".
Se os locais foram totalmente desconsiderados nos acordos, imaginem sobre a capacidade retida pelas barragens e o cenário de um hipotético derrame de lama.
Impactos da SAM- Por ser proibida por lei, mas constada no Bloco 8, a construção de 2 barragens equivalentes a 90 Brumadinhos a menos de 10 km das comunidades já constitui prova pesada para um ente ambiental indeferir e embargar em definitivo, sem caber recurso judicial.
A lei veda licença ambiental para construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem cujos estudos de cenários de ruptura identifiquem comunidades na zona de autossalvamento, área de raio até 10 km de distância da linha de projeção da eventual língua de lama.
Estima-se para a barragem maior reter quase 900 milhões de m³ de rejeito (em Brumadinho vazou 12 milhões de m³ por mais de 3 mil km²). Dificílimo imaginar a área de hipotético derrame do volume projetado. E, calma que nem precisa chegar a tanto para se saber dos impactos físicos irreversíveis.
A simples construção levará à perda de terras de famílias tradicionais em três municípios da área; submergirá cemitérios, casas e grande parte de cerrado do Parque Nacional de Grão-Mogol. Além de inacessível às famílias, os três municípios terão abastecimento seriamente comprometido.
E disso tudo as populações locais certamente não têm a menor ideia.
Esperança- Em dezembro-/2021, a DPU e a DP-MG ajuizaram ação civil pública contra governo de MG, SAM, Lotus, ANA3 e Ibama, pedindo suspensão do projeto até que conclua a regularização fundiária do território dos geraizeiros impactados, alegando violação do direito à consulta prévia, livre e informada dos povos tradicionais do Vale das Cancelas.
Tal prazo para se efetuar, de forma completa e detalhada, a regularização fundiária e o direito à informação prévia, livre e íntegra que permita aos habitantes tradicionais da região pode ser bastante longo, principalmente pela sujeição de envolver um trâmite judicial que pode se arrastar por anos.
Que assim ocorra. Que a justiça funcione pra valer - até para que o meio ambiente sustente todas as populações, mesmo que meliantes socioambientais, sejam eles empresários, políticos, procuradores, ou aqueles por mera vocação, também vivam, com suas eternas ameaças.
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Imagens: Google (montagem da autoria do artigo) - barragem de Brumadinho, para ilustração.
Notas da autoria
1. Tipos rochosos por processo gerador: ígneas (magma intruso na crosta ou extrusão vulcânica); sedimentares (por deposição, condensação e solidificação) e metamórficas (ígneas ou sedimentares retrabalhadas em profundidade e soerguidas à superfície por tectonismo).
2. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade de São Paulo (USP)
3. Siglas: ANA e ANM = Agências Nacionais de Águas e de Mineração; MP-MG e MPF = ministérios públicos MinasGerais e Federal; DP-MG e DPU = Defensorias Públicas de MG e da União
Para saber mais
- https://theintercept.com/2022/01/11/barragens-gigantes-90-vezes-brumadinho-minas-gerais-ibama/
- http://www.evento.abant.org.br/rba/31RBA/files/1539444348_ARQUIVO_artigo_JulioCBorges_RBA2018.pdf
- https://oglobo.globo.com/politica/lama-da-barragem-em-brumadinho-afetou-area-de-quase-3-mil-quilometros-quadrados-23433589
- https://www.nexojornal.com.br/extra/2022/01/10/7-cidades-em-MG-est%C3%A3o-sob-risco-de-rompimento-de-barragem
- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/01/13/tres-barragens-de-residuos-da-vale-em-mg-correm-o-risco-iminente-de-rompimento.ghtml
- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/01/13/tres-barragens-de-residuos-da-vale-em-mg-correm-o-risco-iminente-de-rompimento.ghtml
- https://www.brasildefatomg.com.br/2022/01/17/artigo-mineradoras-tem-que-ser-responsabilizadas-pelos-estragos-das-enchentes (BdF 1)
- https://www.brasildefatomg.com.br/2022/01/17/caso-vallourec-revela-falta-de-prioridade-das-mineradoras-com-a-seguranca-da-populacao
- https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=Responsabilidade+por+Rompimento+de+Barragem
- http://www.evento.abant.org.br/rba/31RBA/files/1539444348_ARQUIVO_artigo_JulioCBorges_RBA2018.pdf (estudo da 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, abordando geografia física, flora e fauna e a vida dos geraizeiros).
- https://www.ouvidoriageral.mg.gov.br/noticias/1385-normativos
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/07/presidente-do-ibama-pede-exoneracao-depois-de-ministro-questionar-contrato-de-aluguel-de-carros.ghtml
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