terça-feira, 11 de outubro de 2022

CURTAS 6 -ANÁLISES RÁPIDAS

 

        Devido a uma série de fatos e reflexões nas mídias e nas redes sociais, se segue a 6ª parte da série Curtas - Análises rápidas.
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Um governo kamikaze

        O termo japonês kamikaze nomina pilotos da II Guerra treinados para atacarem as bases militares estadunidenses no Pacífico como forma de ataque, chocando seus aviões nas citadas bases. Foi inspirada no antigo seppuku samurai (ou haraquiri no Ocidente), um suicídio simbólico de coragem e firmeza de caráter.
        Da Guerra Fria em diante, o termo se popularizou pra nominar fatos análogos em campos diversos, em especial no cotidiano e no político. E voltou mais uma vez na era Bolsonaro, neste 2022.
        Foi através da PEC dos Auxílios, elaborada para gerar auxílio temporário para famílias pobres, taxistas e caminhoneiros, em R$ 600 e 1000, respectivamente. Um rombo de R$ 41 bi no teto de gastos, segundo Guedes e a mídia, que a alcunharam de PEC kamikaze. Uma alcunha, vários motivos.
        Oriundo da venda da Eletrobrás, o rombo serviu para custear a PEC, cuja aprovação ilegal em um temporada eleitoral oficial e o caráter temporário dos auxílios dão mais sentido ao apelido. Bolsonaro a negou ser eleitoreira, mas isso não colou devido ao contexto sociopolítico claro que ele mesmo plantou.
        Desesperou-se por estar bem atrás de Lula e ter recordes de rejeição. Pagou generosamente votos do Centrão pela aprovação da PEC. Os auxílios aliviaram o potencial eleitoral, mas a fonte secou logo. E o orçamento secreto bilionário crescente ajudou a dívida pública a arrombar o teto dos gastos.
        Bolsonaro e Guedes instituíram o ódio e a violência. Gelaram educação, cultura e saúde, liberaram armas e espalharam doença que gerou mais de 700 mil órfãos e viúvos, mergulharam milhões na fome, na miséria e sob as marquises e ainda entregaram estatais a capitalistas obscuros. Títeres da guerra, da peste, da fome e da morte.
        Agora que a patuleia sabe mais do que o governo tem representado desde o seu início, Bolsonaro sente seu fim próximo. Após a fala de Lula aos evangélicos, parte deste público decidiu redirecionar o voto. Ao testar todos os limites, Bolsonaro trilha seu último caminho. Um caminho kamikaze.

Nota da autoria: o texto é resultado de pura e fria análise pessoal.

Para saber mais:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Seppuku
- https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pec-kamikaze-a-morfina-eleitoral-do-governo-bolsonaro-04072022
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A Defesa e seus sigilos nas redes sociais

        Apresentada ao mundo nos anos 1990, a internet representou a democratização do conhecimento, e de fato até acessávamos uma infinidade de coisas. Mas a ascensão da extrema-direita nos anos 2010 tem impedido alguns acessos sem que a geral se desse conta, dada a preferência pelo entretenimento, que engloba 75% dos acessos.
        No Brasil não foi diferente. A era Bolsonaro trouxe de volta a censura de informações, iniciada com a depleção do Portal da Transparência, criado na era petista para que a população pudesse acessar dados e movimentos institucionais, inclusive de recursos financeiros e humanos¹.
        Com o sucesso dessa depleção sem protesto popular digno de nota, e os seguidos sigilos seculares de Bolsonaro para impossibilitar investigações de crimes envolvendo sua família, foi a vez das FAs de censurar o acesso a relatórios contidos em perfis do alto oficialato nas redes sociais, para evitar "más interpretações" por parte de outros influencers, dos populares e do Judiciário.
        A fiscalização das redes sociais pelas FAs não se limita às suas próprias páginas. Ela se estende aos perfis de alguns influencers que porventura as tenham criticado em algum fato, enumerando-os como "detratores", a exemplo da perseguição a servidores com dossiê pelo Ministério da Justiça em 2020, então sob o comando de André Mendonça, que hoje compõe o seleto grupo de juízes do STF.
        Nesse sentido, o vasculhamento dos perfis de influenciadores e de servidores públicos em redes sociais pelas FAs pode também estar por trás das aparentemente inexplicáveis indisponibilizações de postagens (textos ou vídeos) pelas plataformas responsáveis pelas redes sociais. Desmonetizações de vídeos de influenciadores críticos têm sido relatadas com certa frequência.
        Mas, ora, se tanto dizem defender a democracia plena, por que então esse temor e acessos a dados de seus perfis pessoais nas redes sociais? Bem, vale a nós lembrarmos de que "defesa da democracia" tem sido a expressão mais comumente bradada nos discursos de extremistas e milicos aliados, desde a Guerra Fria clássica criada pelos paranoicos EUA.

Notas da autoria
¹ Em acordo com a classe política, a elite do funcionalismo público estável conseguiu manter em sigilo parte de seus direitos pecuniários e suas matrículas individuais.

Para saber mais:
- https://theintercept.com/2022/09/17/ministerio-da-defesa-esconde-relatorios-de-redes-sociais/
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A funcional corrupção no Grande Sertão

        Mote na direita, o combate à corrupção é um sonho na esquerda. Utopia inglória: até nos top five escandinavos ela existe, em doses bem menores. As doses cavalares brasileiras já são banalizadas há tempos. Mas o nível inaudito de agora coloca a era Bolsonaro como a mais corrupta da nossa história.
        Surge no caminho uma velha novidade: cerca de 20 municípios do interior do Piauí do ministro Ciro Nogueira, se declararam ter em suas prefeituras RHs bem robustos para as pequenas populações. Embora não seja ilegal em si, essa desproporção gera suspeita de malversação de verbas da União.
        Foi isso que levou a uma descoberta interessante, revelada em reportagem do The Intercept em 19/9. Nas 20 cidades piauienses, matrículas sem servidor e escolas sem aluno florescem por meio dos recursos da União graças ao ministro do Centrão. Tudo fantasma.
        Na prática, essa malversação é antiga e continua forte, mantendo o coronelismo que a mídia diz ter acabado desde as eleições diretas para todos os políticos. Como as igrejas gospels e o crime organizado nas grandes urbes, o coronelismo ainda impõe o voto de cabresto. A grana extra convence os eleitores. 
        É um costume genérico em cidades do Grande Sertão brazuca sustentadas pela subsistência agro pastoril, pobre em contraste com a abundância nos gabinetes das prefeituras locais, e favorecido por muita ignorância e pouca educação.
        É nesse terreno que Jair Bolsonaro investiu mais em 2021, como também mostra a reportagem da revista Piauí 184, de janeiro/2022, que descobriu como uma dessas cidades, após votar em peso em Haddad em 2018, passou a ser bolsonarista três anos depois.
        Volume e origem da grana- os recursos distribuídos são do orçamento secreto. Ciro é do PP de Arthur Lira, presidente do Centrão e da Câmara, e de 13 dos 20 prefeitos beneficiados e dos coroneis. É a sigla mais corrupta (ranking de 2016) e de maior fundo em 2022.
        Segundo Simone Tebet, ex-candidata à presidência, em entrevista recente ao Flow podcast, a grana recebida em cada cidade é similar à destinada a capitais como São Paulo ou Rio. Seria como pagar uma equipe odontológica para fazer 14 extrações dentárias por pessoa, incluindo lactentes ainda sem dente.
        É certo que no sertão de Alagoas não difira do caso piauiense, pois Lira é o maior beneficiado dessa grana. Afinal, para Bolsonaro e sua caterva se reelegerem vale até voto fantasma. Mas, para isso, eles têm que vencer a onda vermelha que volta a se fortalecer no Grande Sertão.

Notas da autoria

*Uma fonte auxiliar de base dessa análise é uma newsletter do The Intercept via e-mail, de 27/9/2022.

Para saber mais
https://theintercept.com/2022/09/19/aliados-de-ciro-nogueira-no-piaui-usam-matriculas-fantasmas/ (acessível ao público)
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Bolsonaro acusado, mas nem tanto

        A corrupção tem sido tema constante nos debates promovidos pelas emissoras de TV aberta, sendo Lula o maior alvo natural sobre coisas batidas e já resolvidas. Todos os adversários foram duros, e Jair Bolsonaro lançava ofensas. Mas Lula até que teve bom desempenho, em especial no último debate, exigindo fontes e ainda tocando em feridas dos adversários. 
        Bolsonaro também foi alvo. Simone Tebet apontou sobre as negociatas das vacinas e a má política para a mulher, e Soraya Thronicke foi na onda com insinuações. Lula foi o único a ir mais fundo, sobre a compra de 107 imóveis de luxo, a corrupção pastoral na educação e outros escândalos.
        Até um o suposto padre Kelmon, arranjo de última hora do condenado Roberto Jefferson para ser candidato do PTB e virar boca de aluguel de Bolsonaro, apareceu para fazer fita com ataques a Lula ao ponto de tirá-lo do sério no debate da Globo. Mas Lula se safou no fim.
        Mas, vale salientar. As cobranças dos adversários foram sopros, em comparação com o teor dos seguidos e evidentes escândalos de corrupção financeira e ético-moral, aparelhamento institucional, opacidade de informações, violações de direitos humanos e contra princípios constitucionais pétreos.
        Tal como Lula, Bolsonaro não escapou das acusações, ainda que as negue com suas mentiras. Mas, em comparação com o petista, não foi exigido como deveria. Como Bolsonaro, os adversários faltaram com a coragem mínima necessária para irem mais a fundo. Ou faltaram com a ética mesmo.
        No debate da Globo, até que Lula foi quem mais cobrou do mandatário. De boa, fez menção das rachadinhas, da gestão da C19 com escândalos das vacinas e tudo, e até das negociatas com troscentos imóveis com dinheiro vivo. Mas, quem roubou a cena foi o padre boca de aluguel.
        Faltou a todos apontar a Bolsonaro a sua condenação pelo Tribunal Permanente dos Povos, que mesmo sendo de opinião, fez um relatório digno de nota cuja cópia foi entregue ao Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. 
        Quiçá, como dizem os mais otimistas, o dele já esteja guardado.

Fonte: interpretação analítica pessoal ao acompanhar o debate.
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O urgente combate à politização religiosa

        Em 2003 e em 2009, o então presidente Lula sancionou tranquilamente duas leis ligadas à religião: a primeira, que consolida a liberdade de culto já prevista desde a 1ª constituição da República (1891), mas carecia de regulamentação; e a segunda e última, que cria o Dia da Marcha para Jesus, dedicada ao público evangélico.
        Como já abordado no blog, a marcha para Jesus surgiu na Inglaterra como movimento de rua para aumentar o rebanho fiel  em meio ao aprofundamento da secularização popular e ao crescimento do islamismo pela imigração oriunda do Oriente Médio e Norte da África.
        Também abordado, esse movimento gospel no Brasil, trazido pelo casal Hernandez da Renascer em Cristo, assumiu paulatinamente um viés diverso do original: financeirizado e também político-ideológico. Seu efeito de evangelização em massa de grande alcance proveu sucesso ao movimento no país.
        Embora o protestantismo já fosse mais permissivo quanto à carreira política de pastores - visando maior evangelização popular-, foi a partir da aproximação dos políticos com líderes de grandes igrejas no final da década de 1990 que se abriu, lenta e sutilmente, o caminho para a politização no mundo religioso.
        Isso se revelou especialmente útil para os líderes de grandes corporações pentecostais e neopentecostais. Em meio ao status democrático iniciado na era Collor e maximizado na era petista. esses líderes já apontavam sua suposta preocupação com os também supostos riscos da "democratização dos costumes".
        Após 2009, as marchas para Jesus já sacramentadas na lei carregavam em seus trios elétricos e palcos, candidatos durante as campanhas eleitorais, puxando milhares de fiéis nas ruas. E aí explode, em caráter crescente, a barulhenta bancada da bíblia, que tem sido bem barulhenta na era Dilma.
        Com cada vez mais parlamentares no Congresso e nos parlamentos regionais Brasil afora, a bancada assumiu caráter histriônico e, baseando-se em falácias, gritava por pautas de costumes e cobrear garantias que privilegiassem "seu rebanho" - rebanho composto por eles próprios, claro.
        É aí que se verifica o destaque aos evangélicos como um mundo à parte. Organizações como a IURD criam partidos políticos, e desde então, em campanhas eleitorais, políticos vão aos cultos ou conversam com os pastores mais influentes na fé, na política e no poder econômico. Talvez prometendo mundos e fundos.
        O embarque de Jair Bolsonaro nesse meio elevou a ligação política-religião a um nível inaudito, ao ponto de o presidente querer colocar as igrejas evangélicas em lugar de honra nas decisões de Estado, forçando, ainda sem sucesso, um caminho rumo a uma ditadura semiteocrática que pode acontecer se Bolsonaro for reeleito.
        Esse privilégio tão almejado pelos pastores poderosos favoreceu uma geração arrogante e hostil à diversidade por trás das falas delicadas e bonitas, observada há algum tempo. Um claro indício de que urge - já passando da hora - de se combater essa politização religiosa. Sabemos que a direita disso se aproveita, resta à esquerda correr atrás.

Para saber mais
https://www.brasildefato.com.br/2022/10/09/e-fundamental-tirar-a-dimensao-religiosa-da-disputa-politica-afirma-cientista-politico
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Bolsonaro canibal e o tráfico de Damares

        Nessa corrida padra o 2º turno, a agressividade marca as campanhas do presidente Jair Bolsonaro e de Luiz Inácio Lula da Silva, com explorações de alguns temas, sendo o moral-religioso o mais tocado, com respostas do petista. Mas, outro tema apareceu e chamou a atenção: o canibalismo.
        O tema, mencionado por Bolsonaro numa entrevista há algum tempo, caiu no debate público com perguntas sobre sua veracidade. O contexto deste debate é presente, como atribuição da campanha de Lula em sua propaganda eleitoral contra o adversário.
        A entrevista- ela de fato aconteceu, e Bolsonaro afirmou que "comeria o índio" se a comitiva que o acompanhou até a aldeia na Amazônia não tivesse se recusado. Se justificou em seu alegado "respeito à cultura dos Yanomamis", que "se todo mundo ficasse, teria que se sujeitar ao momento".
        Bolsonaro ainda se referiu aos Yanomamis do rio Surucucu. Mas sua fala foi rebatida por Júnior Hekurari, presidente do Condisi (Conselho do Distrito Sanitário Indígena): "não há canibalismo entre indígenas brasileiros hoje", e reforçou: "nós do Surucucu não o praticamos".
        Hekurari explicou que um povo Yanomami Xamathari, da Amazônia venezuelana, pratica um rito no qual o corpo do morto é cremado por dias, e um pouco de cinza fina dos ossos é pulverizado como sal ou pimenta em um caldo de banana consumido apenas pela família do morto. Não é canibalismo.
        É certo que o TSE tenha se valido dessa informação para determinar à equipe de Lula retirar o vídeo do ar. Pode ter sido para prevenir distorções, ainda que a fala de Bolsonaro seja verídica, pois o vídeo originalmente é dele próprio, sendo aproveitado pela campanha petista.
        Mas também pode ter sido um contrapeso, tendo-se em vista que Alexandre de Moraes segue de olho naquele que o toma por desafeto, determinando tirar do ar alguns vídeos de fato falsos contra o petista, como os que claramente promoveriam a intolerância religiosa. 
        Mas segue a polêmica, com Bolsonaro canibal, Lula "endemoniado" em templo afrobrasileiro, e temperada com a senadora eleita Damares Alves dizer que "crianças pequenas têm dentes arrancados para sexo oral em Marajó", e o seu antigo e suposto envolvimento em tráfico de crianças. Até vésperas de 30/10.

Para saber mais
- https://www.nexojornal.com.br/externo/2022/10/07/O-falso-canibalismo-Yanomami-relatado-por-Bolsonaro
- https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/123165-tribos-indigenas-brasileiras-praticam-canibalismo.htm
- https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/10/11/apos-fala-de-damares-mpf-da-3-dias-para-ministerio-detalhar-denuncias-sobre-estupro-e-trafico-de-criancas-na-ilha-do-marajo.ghtml
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