Dia 2/10/2022: enfim, chegou o dia D das eleições para presidente da República, governadores dos estados, senadores e deputados estaduais e federais. A propalada promessa de seu destaque para os analistas do presente e historiadores do futuro se concretizou. E há razões suficientes para isso.
A começar, lógico, por ter sido um dia de eleição para presidente da República, em um país que em toda a história da República tem trilhado uma verdadeira cordilheira do Himalaia de altos e baixos – sempre com dominância depressiva para a patuleia, é claro.
Muito do que se seguirá não se baseia numa fonte específica, mas em muitas e várias – do rádio corredor de pessoas dentro e fora da família às mídias de todas as vertentes. Essa diversidade de fontes é essencial para a minha análise de conjuntura, pois quanto mais restrito o número e variedade de fontes, mais limitada e superficial é a análise.
Para simplificar a vida e o interesse dos leitores, os destaques de análise são apresentados em subtítulos, para o entendimento da conjuntura explicativa dos fatos.
Falhas dos institutos de pesquisa
As primeiras pesquisas sobre sucessão presidencial e nos Estados surgiram em agosto/2021 e se atingiram o ápice de frequência a poucos dias das eleições, por todos os muitos institutos. As pesquisas são essenciais para avaliar os governos vigentes e ajudar a movimentação dos partidos nas convenções que aprovam as candidaturas.
Me indagaram por que não perguntam sobre deputados e senadores. Como são muitos nomes para assembleias e congresso, seria melhor aos institutos abordar a preferência partidária, o que não seria uma boa, dada a forte antipatia de grande parte da patuleia aos partidos, e há predileção geral aos chefes do Executivo, que são poucos e decisivos.
A abordagem sobre os chefes do Executivo é mais fácil e acessível ao público. O executivo é o poder responsável por avalizar os paradigmas e o pragmatismo das políticas públicas – apesar da crescente atenção pública ao legislativo.
Métodos e números- Os métodos são: presenciais (por abordagem; é detalhada ou espontânea); telefônicos (o entrevistado tecla o número do candidato preferido), ou virtuais (por formulários online), com amostras definidas numericamente . Nas pesquisas presenciais o popular deve ser abordado pelo pesquisador, e não o contrário.
No presencial detalhado, o pesquisador preenche formulário com dados do abordado; na espontânea ele pergunta, sem citar nome, em quem o abordado prefere votar. Os métodos telefônicos e virtuais também podem variar entre si. Alguns institutos escolhem um, e outros utilizam mais de um, após avaliação subjetiva de eficiência.
Os institutos foram tantos quanto os métodos – e os resultados, alguns tão díspares que despertaram suspeitas, como os casos do Paraná Pesquisa e Brasmarket, que segundo noticiosos, receberam grana dos Bolsonaro, explicando supostos empates técnicos ou liderança absoluta do atual presidente sobre Lula.
Vale citar outro fator de erro: o Censo Demográfico IBGE, atualizado decenalmente e referência nas pesquisas de opinião. Como o de 2020 está em curso só agora por desinvestimento no tempo certo, os pesquisadores se valeram do de 2010 adaptados com dados de estudos isolados mais recentes do IBGE.
Projeções- as pesquisas eleitorais se valem da suposição: "em quem você votaria se a eleição fosse hoje?". Uma clara evidência de que são projeções de momento. Essa projeção sugere ainda margens de erro, em geral de 2 a 4% por cada dado obtido, já indicando a chance de erros para mais ou para menos.
Por isso, o descrédito aos institutos de pesquisa se sustenta na desinformação, um excelente motivo para a claque bolsonarista se destacar, poupando descaradamente o Brasmarket e o Paraná Pesquisas, que inverteram os dados sem punição alguma durante toda a temporada da corrida eleitoral. Desses, falar mal já soa elogioso.
Uma proposta estúpida- a margem de erro de 5 pontos que favoreceu Bolsonaro no resultado do 1º turno moveu pauzinhos na Câmara. O presidente desta, Arthur Lira, bradou algumas críticas, mas Ricardo Barros, líder do governo, propôs discutir a prisão de até 10 anos para quem errar nas pesquisas.
A proposta reflete a estupidez e o mau caratismo dos governistas. Até parece que os pesquisadores têm, agora, que andar com bola de cristal, cartas de tarô ou mapa astral para saber se seus dados cravarão os fatos no futuro.
Desempenho dos candidatos
A maior frequência de pesquisas em dias próximos e decisivos do pleito busca medir a reação popular a cada candidato em última hora. A medição de desempenho se valeu na expressividade nas propostas de governo e críticas a adversários. Se a lei eleitoral¹ exigisse todos os candidatos oficiais nos debates, os dados seriam bem interessantes.
Mas, enquanto isso, analisemos Lula, Bolsonaro, Ciro, Tebet e o nanico Felipe D'Ávila. O padre também.
Lula- muito bem nas sabatinas (Globo e SBT-Ratinho), foi mediano no primeiro debate (Band) e decisivo no da Globo, no qual cobrou de Bolsonaro explicações sobre as rachadinhas e nos escândalos do MEC, vacinas e imóveis. Seu forte destaque nas eleições nordestinas e em MG o fez ultrapassar Bolsonaro ao fim da contagem de votos.
Bolsonaro- tentou na moderação, mas seus traços psicopáticos prevaleceram em vários momentos: misoginia, belicismo e mentiras. Ruim no debate da Band, ficou mais à vontade no SBT (que o apoia), na ausência de Lula.
Ciro- cometeu suicídio político ao ser belicoso contra Lula e incitar, no final, a migração de seus eleitores para Bolsonaro e negar apoio ao petista em 2º turno, isolando-se do PDT. Perdeu o 3º lugar na sua reta final, evidenciando a sua ferrada política. Talvez sua maior burrada tenha sido acenar à direita.
Simone- declarando-se representante das mulheres, a ruralista conseguiu arrebanhar mais mulheres e foi bem em todos os debates, mas não cobrou de Bolsonaro sobre a negociata claramente suspeita com tantos imóveis em dinheiro vivo, ainda que o tenha feito em outros escândalos e nos preconceitos contra minorias.
D'Ávila- o nanico do Novo (bolsonarismo de sapatênis) só saiu da proposta privatista para atacar Lula no SBT. Fora isso, só privataria e antipatia popular. Bem, agora vamos ao padre Kelmon.
Substituto de Roberto Jefferson, com candidatura impedida pela Justiça, o suposto padre foi mera bengala de Bolsonaro para desarmar Lula em eventual embate no debate da Globo. Embora parte da militância petista acusasse a emissora de favorecer o extremista, Lula foi bem no geral.
Abstenção
A abstenção foi uma preocupação grande para a campanha de Lula, pois sua equipe viu o acontecido em 2018 como fator da derrota de Haddad. Faz sentido. E como muitos populares tiveram alterado o seu local para votação, diversas prefeituras forneceram transporte público gratuito para eleitores mais pobres.
A campanha de Bolsonaro bateu tecla contra essa gratuidade, enquanto o STF julgava a medida dos prefeitos. O ministro Luís Roberto Barroso indeferiu a medida, mas sem prejuízo das cidades que a adotaram. Assim, nas cidades com gratuidade a abstenção foi baixa, enquanto que nas sem gratuidade, o número de ausências foi bem sentido.
Apesar das filas grandes em zonas eleitorais em todo o país, términos atrasados aqui e ali e até urna com voto de papel numa cidade do Amazonas, ao fim da contagem houve em torno de 20% de abstenção. Não se sabe se deveu à negação da gratuidade por Barroso, ou se foi resposta da campanha de Bolsonaro à incitação de Lula de irem votar.
Cabresto gospel
Entre tantas possibilidades, vale citar outro fator, tão importante quanto ignorado: a pressão sobre moradores de favelas na capital fluminense. Eleitor em Inhoaíba, bairro pobre salpicado de igrejas evangélicas da zona oeste carioca, um jornalista do The Intercept relatou em newsletter o seu testemunho.
Eleitores de verde-amarelo dominavam, alguns portando bíblias indicando ida anterior a cultos. Os poucos corajosos de camisas vermelhas eram hostilizados. É sabido que em algumas favelas pastores dessas igrejas se aliam a criminosos organizados locais, e durante os cultos incitam os fiéis a votar nos candidatos deles.
O jornalista não menciona esse curral eleitoral em Inhoaíba, mas é bem provável a sua ocorrência. Igrejas da Assembleia de Deus estão em todos os bairros e favelas e é a denominação mais poderosa em termos políticos. Não tem sido raro que em seus cultos de revelação os pastores ainda preguem que Bolsonaro é "enviado de Deus".
Nesse clima, eles ainda usam a cartilha de ódio para doutrinar seus fiéis contra as esquerdas, feministas, mulheres independentes, religiões de matriz afro e LGBTQIA+. Não por acaso, 72% dos evangélicos votaram no extremista no 1º turno, cifra muito acima dos 65% estimados nas pesquisas. A intensificação dos cultos a Bolsonaro, regados de ódio e preconceito, chegou ao ápice nas vésperas da eleição.
Reflexão final...
Diante de todos os dados expostos acima, percebe-se que muito mais coisas ocorreram por debaixo dos panos do que os institutos de pesquisas poderiam imaginar. A dança dos números de Bolsonaro e Lula na corrida eleitoral não deu indícios claros de que tudo e mais um pouco iria acontecer a poucas horas do pleito.
A elaboração deste artigo demorou devido à adição de mais fatos que fazem reinterpretar e contextualizar. Em especial sobre os evangélicos, ficou muito claro o ataque final da campanha de Bolsonaro nos últimos momentos antes do pleito, no temor de perder no 1º turno graças aos vídeos de sua passagem nas incompreendidas lojas maçônicas.
A migração dos eleitores de Tebet e Ciro mostraria a sua diversificação em cima da hora. Os eleitores de Ciro migrados para Bolsonaro foram os mais à direita e pareceram majoritários de fato, pois Ciro preferiu guinar à direita, apressando seu colapso político já previamente pavimentado pelo enfadonho rancor contra Lula e PT.
Agora, mesmo alvejados pelo descrédito popular alimentado pela estupidez dos governistas no Congresso, os institutos de pesquisa seguem em seu dever legal, agora adotando novas metodologias de forma a ter uma previsão com maior precisão ou alcance.
Mas cabe salientar, mais uma vez: pesquisa não é adivinhação. Elemento essencial à ciência (afinal, matemática e estatística são ciências), a pesquisa serve justamente para desvendar e interpretar dados quantitativos e qualitativos. Claro que nada é 100% certeiro, pois são elucubradas por humanos, que não são 100%.
Adivinhação, eu sugiro aos bolsonaristas congressistas uma boa consulta a videntes e outros bruxos. Ah! verifiquem antes o atestado de eficiência profissional deles, tá? E, aos populares que desacreditam totalmente das pesquisas: antes disso, descreditam a boçalidade dos governistas do Congresso.
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Imagem: Google
Notas da autoria
¹. Segundo a lei eleitoral, são convidados todos os candidatos oficiais ao debate televisivo, desde que seus partidos tenham ao menos 5 representantes no Congresso.
Para saber mais
- https://br.noticias.yahoo.com/partido-de-bolsonaro-pagou-r-27-milhoes-para-instituto-parana-pesquisas-164632122.html
- https://www.youtube.com/watch?v=RbPOPswtHrQ (canal Desmascarando - fatores dos resultados 1º turno)
- https://www.youtube.com/watch?v=DhE6gyiBpKc (Reinaldo Azevedo - fascistoides contra pesquisas)
- https://www.conexaopolitica.com.br/congresso/projeto-prisao-pesquisas-institutos-camara/
- Newsletter The Intercept, A pior política em minha casa, por Lorran Matheu, de 8/10/2022 (por e-mail)
- https://theintercept.com/2022/09/20/as-vesperas-da-eleicao-assembleia-de-deus-usa-cartilha-de-odio-para-doutrinar-fieis-contra-lula-feministas-e-lgbts/
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