terça-feira, 30 de maio de 2023

CURTAS 30 - ANÁLISES (Congresso x Lula e CF, Petrobrás x MMA)

 

Congresso contra CF/88 e Lula

                Em pleno andamento de 2023, no calor de duas comissões parlamentares (de 8/1 e do MST) e da posse oficial de Marina Silva à frente do MMA, a estrutura ministerial do Lula 3 voltou à discussão no Congresso. Isso, após aprove pelo mesmo no alvorecer do governo.
                A discussão foi feita por comissão mista do parlamento, após nova análise do decreto, e resultou em parecer de Medida Provisória que propõe a reestruturação ministerial do governo, pegando pastas cruciais para este. Soa estranho? A princípio sim. Surpreende? Não, e vocês saberão por quê.           
                
Rotina
                Os governantes eleitos criam decreto de estrutura ministerial. Portanto, todos criam as suas respectivas. É uma competência presidencial prevista na Constituição de 1988, avaliada e aprovada por comissão mista do Congresso. Por sua duração, a era petista teve a estrutura mais estável.
                Dado o aprove rotineiro, a imprensa nem foca mais nisso. Até este ano. O contexto político-ideológico de agora conta: a comissão tem maioria bolsonarista e vários do volúvel Centrão. Daí não surpreender a conduta de aprovar o parecer da MP que reestrutura o governo.
                
Objetivos
                À primeira vista, muitos dirão que são cortinas de fumaça para desestabilizar o governo e criar vídeos lacradores na rede. Mas sabemos que onde há fumaça há fogo, ou costuma havê-lo. Com mais de 300 parlamentares (latifundiários e seus patrocinados), a bancada do boi vê problemas no MMA e MPI.
                Tudo porque o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) há muito está nas mãos do lobby do agrobusiness e este quer tomar para si funções que a nova gestão Lula distribuiu para as supracitadas pastas e do Ministério da Reforma Agrária (MRA).
                Assim, o MMA perderia a responsabilidade pela Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural do Código Florestal, que voltariam para o Min do Desenvolvimento Regional (MDR) e o da MAPA, respectivamente.
                A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), sob responsabilidade única do MRA na atual gestão, passaria a ser comando duplo: ao MDR, respeitando o disposto no decreto lulista, e ao MAPA. Claro, com este certamente gritando mais alto.
                Já a única facada poderá deixar o MPI moribundo: a demarcação de terras, função central para a qual foi criado, retornaria para o Ministério da Justiça (MJ). Exceto a dupla subordinação da CONAB, o resto voltaria exatamente como estava disposto na gestão Bolsonaro.

Boicote parlamentar
                Ao tomar conhecimento da MP, o governo federal ficou aturdido sentindo-se impotente de início. Nas redes sociais, influencers pró-governo a princípio o criticaram, mas logo tiveram consciência de que haveria uma tentativa de golpe parlamentar em curso, devido à alegria da ala bolsonarista.
                Parte do governo suspeitou de primeira que há clara intenção de boicote por parte do parlamento, uma vez que a bancada do boi tem encontrado ampla satisfação de seus interesses com a paralisia fisiológica do governo anterior bem nos tópicos que a incomodam.
                Decepção – Em paralelo ocorreu o inesperado, tanto para Lula quanto para sua base: alguns governistas votaram em favor do parecer da MP, o que facilita a vitória da MP de fato. O ministro Alexandre Padilha, do MDR, também prestou um bizarro elogio a proposta.
                Outro motivo que estonteia a patuleia apoiadora do governo federal foi o inesperado elogio de parte da ala governista do parlamento, que colaborou para a vitória do parecer da MP, que por sua vez sinaliza aprove do texto definitivo. Mas, será que tudo no governo está perdido?

Reação 
                Mas o governo federal reagiu. A ministra Marina Silva alertou: “não basta a credibilidade de Lula, eles não querem a estrutura do governo que foi eleito, mas a do governo que perdeu”. A fala se refere tanto à era Bolsonaro quanto ao intento parlamentar de paralisar uma prioridade do governo.
                Temor de saída – A fala de Marina veio após reunião convocada por Lula com ministros das pastas apontadas pelo parecer de MP aprovado, e após a mídia noticiar uma Sonia Guajajara frustrada com o presidente diante dos fatos. Ao que tudo indica, parece que elas ficam mesmo.
                Dino – O governo também já conversou com o STF a respeito do perecer. Em postagem no seu Twitter, o ministro da Justiça Flávio Dino citou a Constituição-1988 ao afirmar que “é privativo ao presidente da República decretar a sua estrutura de governo”.
                Em única afirmação, o MJ se refere mais especificamente a três artigos:  o 76, que versa sobre os poderes do presidente; o 84, que trata sobre as suas atribuições, entre elas a estrutura de governo (olhem aí!); e a 87, sobre as atribuições principais dos seus ministros frente às respectivas pastas criadas pelo presidente.
                Para o jurista aposentado Ayres Brito, a alteração do texto presidencial dos Ministérios "é uma forma de boicote ao governo". O que, sugere, na prática, mais um plano golpista somado ao neolavajatismo judicial paranaense que retirou Eduardo Appio¹ do TRF-4 para proteger o mandato de Moro no Senado.
                Esperanças – Direta e explicativa para o entendimento popular, a afirmação de Dino nos traz um alento de esperança de reversão possível, visto que sugere inconstitucionalidade no teor do parecer da MP parlamentar, dando brecha para os leitores interpretarem como golpe.
                Houve um golpe antiambiental antes: a aprovação da PL de Bolsonaro que favorece desmate da Mata Atlântica, cujo dia foi comemorado em 27/5. Essa proposta foi pega pelo STF para julgamento de inconstitucionalidade. Se o veredicto a considerar inconstitucional, a sua revogação é automática.
                Claro que golpe parlamentar é tão perigoso quanto o militar clássico. Dilma Rousseff que o diga. Nesse caso há dois alvos, o governo e a CF-1988. O primeiro é teoricamente mais frágil, mas tem o poder de vetar a MP. Já o segundo tem o STF como cão de guarda. Xandão que o diga. Aguardemos.

Nota da autoria
¹ Novo juiz de Curitiba que remeteu ao STF a denúncia de Tacla Duran, advogado da Odebrecht, contra o senador e o deputado cassado Deltan Dallagnol de suborno.

Para saber mais
https://www.youtube.com/watch?v=aAeOG0EBKZ0 (Meteoro– MPI pode perder demarcações)
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O conflito BR x MMA

                Enquanto tenta fazer diálogos possíveis com o Congresso, o governo federal se depara com um embate entre a pasta do Meio Ambiente (MMA) e a Petrobras (BR). O motivo: a ministra Marina Silva vetou a licença ambiental solicitada pela empresa para extrair petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
                O veto da ministra se baseou em laudo oficial de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Ibama. Ela explicou que o EIA apontou impacto socioambiental amplo decorrente do risco de vazamento de óleo durante a perfuração dos "petrorreservatórios" (poços produtores) pressionados nas profundezas.
                O estilo "durão" de Marina se explica no seu conhecimento da realidade amazônica a partir das suas origens nos seringais do Acre, no impacto do mercúrio em seu organismo e no seu histórico político e ambiental. Agora, o Foz do Amazonas se tornou alvo de seu abraço ativista.
                Foz do Amazonas - Ela é vista em três óticas: na geográfica, referente à descrição e abrangência; na geológica, que trata sobre a composição sedimentar e a geomorfologia; e na ambiental, que versa sobre as características biológicas, climáticas e das relações entre o homem e o meio.
                Geografia: se estende da costa do Amapá até o limite do talude submarino. A oeste se limita com a Guiana Francesa e a leste, com a bacia Pará-Maranhão (v.figura). A larga plataforma continental afunda até 250m, seguindo-se o talude submarino que se limita a pouco mais de 3000 m de profundidade.
                Sua referência é a desembocadura em delta do rio Amazonas no Amapá. Enérgico, o rio despeja água a centenas de km no mar. A maior parte da carga sedimentar do rio está próxima à costa.
                Geologia: se compõe de diferentes tipos sedimentares (conglomerados, lamitos e folhelhos). Na plataforma há sedimentos arenosos terrestres e detritos calcários. Na beira plataformal há uma linha de recifes - uma feição comum no litoral brasileiro a partir do Sudeste. 
                O talude de perfil escalonado é mais amplo perto da foz do rio Amazonas, denunciando a origem terrestre predominante dos depósitos mais recentes que suavizam o perfil. A  idade geológica da bacia varia do Cretáceo³ nas camadas rochosas mais antigas ao Holoceno (mais ou menos 12 mil anos).
                Ambiente e vida: o litoral é muito influenciado pelas marés e mantém condições in natura apesar das ameaças humanas. Na maré baixa a água doce avança centenas de quilômetros no mar, mas na maré alta dominam águas salobras² e oceânica - e ainda tem o belo espetáculo da pororoca.
                Ainda presente na foz do Amazonas, a pororoca (estrondo em tupi) reconfigura a costa e mexe com a vida local. No piscoso fundo do mar, um estudo na plataforma e na sua quebra levantou uma barreira de corais a se estender continuamente das águas potiguares até as da Guiana Francesa. 
                Na região da bacia, o estudo identificou ecossistema coralino diferente de qualquer outro do tipo: um sistema equatorial. Mas é sensível ao menor impacto como os demais. Tal pesquisa,  em paralelo à descoberta de óleo e gás na região, suscitou um irresolvível conflito entre o governo (MMA) e a BR.
                Local do bloco - No talude da bacia há vários poços de estudo. Um deles, o FZA-M-059, se revelou muito produtor. A uma profundidade de quase 2000m, ele se localiza a 159 km de Oiapoque, próximo à fronteira com Guiana Francesa, e dista mais de 500 km do centro da foz do Amazonas.
                Imbróglio - Surgiu devido a divergências sobre os potenciais de risco da atividade sobre o meio físico e biológico e à vida das comunidades tradicionais numerosas que vivem dos recursos da região. A atual ministra do MMA se sustenta fortemente nas considerações do laudo técnico do Ibama.
                Enquanto BR e MMA procuram se resolver em reconsiderações, o caso revela uma outra faceta do conflito: o rompimento do senador Randolfe Rodrigues com Marina em função da negação da ministra de conceder licença ambiental à BR. Rodrigues se desligou da Rede e agora está sem partido.
                Lula - Como Randolfe, Lula também se revela favorável ao trabalho da BR. Mas não abre mão de Marina, pelo papel central em uma área tão prioritária em seu governo. Seu espírito conciliador pode ter levado Marina a aguardar a reconsideração do Ibama solicitada pela BR.
                Isso põe o presidente em rota de colisão com sua política de redução do carbono: recursos fósseis são grandes emissores do gás, junto ao desmatamento. A queda significativa deste em jan-fev 2023 foi positiva, mas a indústria fóssil contradiz a boa intenção, e pode pôr, sim, aquela região em risco.
                Acompanhemos os fatos. Enquanto isso, são aprovados projetos infames na Câmara, como a 490 (Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas) e a MP que altera a estrutura de governo. Como prometeram os bolsonaristas na posse da nova legislatura, a guerra está declarada. O governo tem que reagir, e rápido.
                BR e MMA que resolvam seu conflito de forma a visar o bem maximizado do meio ambiente e das comunidades da região da Foz do Amazonas. Assim seja.

Nota da autoria
¹  Folhelhos (rocha laminada escura de argila e matéria orgânica); lamitos (lama petrificada); arenitos (areia petrificada) e conglomerados (rocha composta de cascalho cimentado de lamito) são os principais tipos rochosos. Camadas mais recentes e superficiais ainda não são rochas.
²  Água ligeiramente salgada, típica de estuários (áreas de maré, de encontro de água doce e marinha). 
³  Período geológico que vai de +- 140 milhões de anos até a catástrofe da extinção dos grandes dinos há 66 milhões de anos atrás.

Para saber mais
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/05/petrobras-vai-pedir-ao-ibama-para-reconsiderar-licenca-ambiental-para-bloco-no-foz-do-amazonas.ghtml (fonte da imagem do artigo)
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sábado, 27 de maio de 2023

CURTAS 29 - Análises (fim do PPI, CPI do MST, Caatinga...)

 

Renato Freitas, a fortaleza negra

                Renato Freitas seria apenas mais um influencer de classe popular se não tivesse se decidido a investir na carreira política. Vocês, leitores, podem dizer: “isso é normal hoje em dia”. Mas vale frisar que pobre ser vereador na elitista Curitiba é bem difícil. E mais: ele é preto.
                Se ser preto e pobre já é cláusula de barreira num local em que a elite branca é o norte cultural veemente, imagine ser do PT, o maior partido político de esquerda latino-americano, massacrado localmente no ápice do antipetismo que elegeu Bolsonaro.
                O início – Um ato em igreja de origem escrava após missa inspirou a fake midiática para justificar a cassação aprovada pela Câmara dos Vereadores, apesar do desmentido da Diocese local. Renato foi cassado e tornado inelegível, mas reagiu indo à Justiça que reverteu o processo.
                Renato voltou ao posto, mas a Câmara o cassou de novo. Novo embate judicial que deu ao jovem a vitória do retorno, a tempo de concorrer e se eleger deputado estadual em 2022. Mas viriam novos episódios adversos.
                Episódios – Sabendo do racismo arraigado, Renato já esperava que provocações viriam. Em uma sessão de Direitos Humanos na Assembleia, ele recebeu a acusação de vitimismo feita pelo presidente da comissão. O outro episódio ocorreu fora, mas pode respingar na sede em que atua.
                Foi em aeroporto de Foz do Iguaçu. Ele foi chamado por PFs a sair do avião para “inspeção aleatória” e os acompanhou. Após a inspeção, foi liberado e voltou ao avião acusando racismo, pois era o único passageiro negro no voo em questão.
                Segundo mídias, uma funcionária¹ alegou “recusa do deputado à checagem prévia”. Por seu turno, Renato diz que passou por checagem no raio-X como todo mundo, e responsabiliza agentes de Proteção da ANAC. Em nota, a PF diz que “vai apurar o fato”, e o deputado pode ir à Justiça.
                Muitos podem minimizar os fatos como mal-entendidos, mas a sua repetição revela o grave problema do racismo estrutural, que afeta qualquer não-branco. Por isso, Renato se torna figura tão fundamental no contexto como referência na busca de meios de, pelo menos, minimizar o flagelo.
                Renato Freitas teve apoio de lideranças católicas e juristas de ala progressista. Advogado por formação, ele vê na aliança entre política e justiça o seu meio, a sua força primordial para combater desigualdades. Sendo uma fortaleza negra, ele se revela uma valiosa referência dos não-brancos.

Nota da autoria
¹ Não foi divulgado se a funcionária é do aeroporto ou da empresa aérea responsável pelo voo.

Para saber mais
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A poderosa Caatinga

                Ao se falar em regulação climática natural e da composição atmosférica, as referências são as grandes florestas úmidas. Por isso entendemos de imediato que anomalias climáticas e térmicas se ligam, entre outros fatores, à destruição sistemática dessas florestas. É um dado bem documentado, ao contrário do que acontece com as regiões mais áridas.
                Isso talvez se deva aos limites impostos pelos rigores climáticos e dos meios, com risco de maior dificuldade alimentar, hídrica e medicamentosa devido à maior distância entre cidades e vazios populacionais. Daí ser recente a descoberta dos benefícios da areia do Saara que chega aos ácidos solos da Amazônia e adjacências.
                Daí ser recente a descoberta dos benefícios da areia saariana que chega aos ácidos solos da Amazônia e adjacências, graças aos minerais alcalinos nela presentes. E, com a mudança climática em curso, vale mais atenção à fisiologia das regiões semiáridas e áridas.
                E talvez nem precise viajar ao exterior para estudar as zonas mais secas: o Brasil tem duas delas: os Lençóis Maranhenses – de fato um deserto, mas de pequeno porte –, e o grande sertão da Caatinga.
                Caatinga – É um ambiente de relevo rochoso áspero e conjuntos vegetais que variam de florestas abertas, altas e decíduas a áreas de cactáceas, arbustos espinhosos e tufos de gramíneas. O clima é semiárido, no qual períodos secos podem durar mais do que os úmidos, mas isso não é uma regra absoluta. É o único bioma 100% brasileiro.
                De origem tapuia, o termo caatinga se deve à coloração acinzentada pálida da vegetação e do solo em períodos mais prolongados de seca. Ainda ao iniciar as chuvas, o verde reaparece, mas a água ainda é escassa: é a seca verde, que pode gerar prejuízo agrícola.
                Os solos variam de neossolos (superficiais e jovens) aos latossolos (mineralizados, mais profundos e seculares), oriundos da decomposição de rochas sedimentares dominantes. Como as chuvas são mais escassas, eles são menos lixiviados do que os da Amazônia e outros biomas úmidos.
                Novidade – O CO2 nas alturas gera aquecimento e o desmate amplo, desequilíbrio climático. Enquanto o capital dá de ombros, C&T se juntam na corrida contra o relógio. Suíça, Canadá e Islândia já investem com projetos já prontos de captura e armazenamento artificiais de carbono.
                É sabido que solos de ambientes naturais armazenam muito carbono sequestrado, e daí cientistas se voltam para as zonas áridas e semiáridas. E há recente pesquisa publicada sobre a nossa Caatinga, com levantamento de aspectos cruciais, alguns muito bons e outros nem tanto.
                Os ruins – A Caatinga enfrenta dois principais problemas: um deles é que menos de 8% de toda a região do bioma estão de fato protegidos, e mesmo assim estão seriamente ameaçados pela desertificação. Em 30 anos, a região perdeu 40% da disponibilidade hídrica natural e pode perder mais devido ao agro.
                Se o fenômeno El Niño (que eleva a temperatura global) se estabelecer com força como já preveem, a chance de o nosso Semiárido sofrer com seca forte e longa é alta, bem como maior pressão climática.
                Os bons – Embora seja mais maleável às mudanças climáticas, como as demais regiões áridas e semiáridas pelo mundo, a Caatinga tem solos abertos capturam mais rápida e diretamente o carbono do que os das florestas fechadas. E, pelo estudo, a Caatinga revela excelência em sequestrar e armazenar CO2.
                Em busca de solução – O novo governo tem foco na mitigação das emissões de carbono. Registros de regresso do desmate são um bom começo, mas o país ainda carece de maior investimento em C&T para sacramentar uma política industrial de baixo impacto ambiental.
                Sempre tão agradável ao capital vigente, a indústria de combustíveis fósseis ainda é um problema grande a ser resolvido, pois foi agravado pela privataria das refinarias. E não é exclusividade brasileira: ele está no mundo todo e satisfaz interesses dos países centrais que integram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
                Enquanto as universidades juntam os cacos pretéritos, nossa Caatinga segue como local de estudo sobre o seu potencial de sequestro e retenção de carbono. Além dos solos, a flora é alvo é estudada nesse potencial: como elas absorvem carbono mesmo em períodos de seca.
                Em paralelo às pesquisas da ciência, ambientalistas (entre analistas e ativistas) seguem em luta pela criação de novas unidades de preservação permanente no bioma, bem como criar projetos de recuperação das áreas degradadas para conter o avanço da desertificação. Se o governo vai atender, nos resta aguardar.

Nota da autoria
¹ Pelo uso irregular ou abusivo do solo (pecuária extensiva, agrobusiness que gasta muita água).

Para saber mais
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgx49z1z40xo (tecnologias de captura de carbono)
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A coragem em findar o PPI

                Em apenas 4,5 meses, o governo Lula cumpriu 1/3 das promessas de campanha. Agora, mais uma promessa foi cumprida, e nos parecia muito improvável: revogou o PPI como política de preços da Petrobrás (BR). Mas, afinal, o que é essa sigla e qual o seu significado na prática?
                PPI – Entre outros feitos, o ex-presidente Michel Temer impôs a Paridade do Preço de Importação, ou PPI, que presume os valores dos combustíveis equiparados ao do barril do óleo cru (Brent) lá fora. Ou seja, ela é, na prática, a dolarização dos preços dos derivados de petróleo (petroderivados).
                A PPI ficou mais conhecida pela depleção adicional à economia popular. A alta dos combustíveis ecoou em bens de primeira necessidade: alimentos, vestuário, energia e outros – conforme previsão de analistas na época. Ainda assim, foi imposto, com uma justificativa muito obscura.
                Em 2016 correu um boato de que a manutenção do subsídio que barateava os combustíveis poria em risco seus estoques. Caminhoneiros paralisaram gerando risco de desabastecimento dos comércios populares. Sob pressão da Lava Jato, Graça Foster saiu da presidência da BR.
                Após a deposição de Dilma Rousseff, Temer entrou e meteu a PPI, que abriu mais importação de petroderivados, parte destes obtidos do refino do petróleo exportado do Brasil. A PPI só foi tesourada pelo presidente Jean Paul Prates da BR, nomeado por Lula.
                Alegação – A “defasagem de preços, com risco de desabastecimento nos postos” foi palatável à grande mídia e ao capital. Entre 2019-22, a economia popular desandou via desvalorização do real, desgoverno, juros altíssimos, inflação e PPI, mas a mídia preferiu culpar a C19 pela piora dos flagelos sociais em curso.
                A PPI convenceu a patuleia de “antes combustíveis caros do que ficar sem comer”. Caminhoneiros, no entanto, se revoltaram com dois reajustes semanais impostos. O Auxílio Brasil virou cala-boca eleitoral, mas malogrou com a derrota do ex-presidente.
                A verdade – Lucros recordes da BR encheram páginas de economia da grande mídia em tom quase alegre. Tais ganhos resultavam, sobretudo, de ações na Bolsa. Mas era estranho que a estatal não retornava quase nada para o país, como sempre fazia antes.
                O mais estranho é sabermos do maior valor das ações públicas. É aí que se descobre que, do lucro total somado, 70% terminaram lá fora, enriquecendo os acionistas estrangeiros. Como? A BR repassava parte dessa grana pública a eles. Ok, mas como tanto dinheiro ia pro exterior?
                As altas semanais dos combustíveis, que chegaram à média de R$ 8 o litro de gasolina comum, foram a fonte do imenso volume de grana repassada para os acionistas estrangeiros aplicarem lá fora. A patuleia pagava para enriquecer sobretudo estrangeiros. Essa foi a verdadeira serventia da PPI.
                Lula – A interrupção da PPI por Lula 3 foi esperada como um alarde. Mas, aparentemente, não se viu alarido mercadológico. Pois o governo reconhece a natureza da BR como estatal de economia mista, com 49% de suas ações privadas, segundo a lei que a criou. O lance aí foi outro.
                O atual presidente criticou com razão os recordes globais de dividendos para fora, explicando em parte (a outra é a roubalheira) a falta de retorno em investimento público. Um crime dantesco de lesa-pátria.
                O fim do PPI não elimina os acionistas estrangeiros: não há nada de ilegal em tê-los nas ações privadas. Nem mesmo mitigará a lucratividade da BR, que só volta à atribuição de retornar a sua parte que deve ao Estado a que pertence, conforme previsto em lei, como royalties de investimento público.
                A lucratividade da BR é excelente contribuinte para o nosso desenvolvimento e soberania. O triste recorde de investimento revelou, mais uma vez, quem são os reais corruptores, além dos corruptos agentes públicos que têm imperado nesses anos todos. O problema, agora, é conseguir findar o vício.

Para saber mais
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A extrema-direita no esporte-reupado

                O jogador Vini Jr é um remanescente das “pratas da casa”, título dos jogadores vindos das bases do Flamengo, no RJ. Era mal chegado à maioridade quando se destacou em jogos do time profissional rubro-negro. Mal entrou na 2ª década de vida, ele foi comprado pelo Barcelona por R$ milhões.
                Hoje milionário, Vini Jr desponta entre as principais estrelas do futebol global aos 22 anos. Mas, vidão à la Marrakesh à parte, ele sente o peso de ser estrangeiro negro na Europa de domínio e orgulho branco seculares.  Depreciações alusivas à sua cor de pele têm sido constantes.
                No último jogo, além de ouvir o tradicional “macaco”, viu exibirem um boneco preto com o seu nome e uma corda no pescoço. A quase concretização de uma ameaça.
                Não é a primeira vez – O boneco foi a gota d’água do racismo enfrentado por Vini Jr e outros jogadores negros em geral. E já envolveu até quem não tem nada a ver com a história.
                Em 5/5/2023, durante intervalo de treino do Barcelona, o técnico Carlo Ancelotti recebeu a repórter esportiva Maria Morán para entrevista. Sob o calor quase desértico da Catalunha, ela usava uma camisa regata simples. Normal, mas virou motivo suficiente para um show dantesco na rede.
                Na postagem da entrevista no Twitter de Maria choveram ameaças de estupro, xingamentos, ofensas e críticas aos direitos femininos atuais. Por ser mãe solo, nem sua filha de 2 anos escapou. Maria atribuiu os ataques à La Liga, o que se estendeu às ofensas racistas, como ela mesma apontaria.
                La Liga – É o nome popular da trilhardária Liga Espanhola de Futebol Profissional, que reúne alguns dos maiores times do futebol mundial. É dirigida pelo advogado costarriquenho naturalizado espanhol Javier Tebas. Até aí tudo bem, não fosse um problema: a polêmica de racismo protagonizada pelo próprio.
                Suas declarações racistas dirigidas a Vini Jr incendiaram torcedores ideólogos nazifascistas que se juntaram como La Liga, grupo denunciado por Maria Morán em vários episódios ofensivos.
                Repercussão e cobrança do Brasil – O caso Vini Jr repercutiu na imprensa esportiva europeia e daqui e quase estremeceu a diplomacia Brasil-Espanha. O ministro Flávio Dino e o chanceler Mauro Vieira cobraram da Espanha medidas punitivas. Vini agradeceu em rede a solidariedade de colegas e torcedores.
                Em resposta, o governo espanhol se disse “preocupado” com o crescimento dos ataques racistas e xenofóbicos, e prometeu tomar providências, movimentando órgãos competentes. Com a repercussão, Tebas pediu desculpas a Vini Jr, com uma explicação pouco ou nada convincente: “não foi intencional”.
                A real do problema – O racismo no esporte é a extensão de um problema nada recente. Que o digam os Jogos Olímpicos de Munique de 1936, com o discurso de Adolf Hitler, e nos hooligans do Liverpool nos anos 1970 a 1990, ainda que estes nunca tenham sido condenados por racismo de fato.
                O racismo contra atletas negros, a misoginia contra Maria Morán e outras tantas mulheres e a xenofobia, entre outros preconceitos vindo à tona, se refletem no recrudescimento da extrema-direita, que é vista pelos simpatizantes a solução extrema contra os males do mundo e varre a Europa desde 2008.
                As ofensas a não-brancos, estrangeiros, mulheres e minorias sexuais e étnicas - famosos ou não -  não são reflexos só do nazismo. Vêm das ideias mais antigas que o originaram, e alimentam o nazifascismo moderno que criou aqui o bolsonarismo. São, acima de tudo, sinais do quão mal sepultado foi esse passado.
                Falta aos governos reconhecerem esse enterro mal feito e corrigi-lo. Medidas educativas mais efetivas devem ser incentivadas pelos governos, sob pena de punição se não efetuadas. A renazificação é um mal que deve ser reconhecido e, por isso, combatido, se quisermos a sonhada democracia no esporte.

Para saber mais
https://revistaforum.com.br/esporte/2023/5/22/presidente-da-la-liga-foi-de-grupo-fascista-apoiador-do-vox-extrema-direita-da-espanha-136352.html. 
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...