Congresso
contra CF/88 e Lula
Em
pleno andamento de 2023, no calor de duas comissões parlamentares (de 8/1 e do
MST) e da posse oficial de Marina Silva à frente do MMA, a estrutura
ministerial do Lula 3 voltou à discussão no Congresso. Isso, após aprove pelo
mesmo no alvorecer do governo.
A
discussão foi feita por comissão mista do parlamento, após nova análise do
decreto, e resultou em parecer de Medida Provisória que propõe a reestruturação
ministerial do governo, pegando pastas cruciais para este. Soa estranho? A princípio
sim. Surpreende? Não, e vocês saberão por quê.
Rotina
Os governantes eleitos criam decreto de
estrutura ministerial. Portanto, todos criam as suas respectivas. É uma
competência presidencial prevista na Constituição de 1988, avaliada e aprovada por
comissão mista do Congresso. Por sua duração, a era petista teve a estrutura
mais estável.
Dado
o aprove rotineiro, a imprensa nem foca mais nisso. Até este ano. O contexto
político-ideológico de agora conta: a comissão tem maioria bolsonarista e vários
do volúvel Centrão. Daí não surpreender a conduta de aprovar o parecer da MP
que reestrutura o governo.
Objetivos
À primeira vista, muitos dirão que são
cortinas de fumaça para desestabilizar o governo e criar vídeos lacradores na
rede. Mas sabemos que onde há fumaça há fogo, ou costuma havê-lo. Com mais de
300 parlamentares (latifundiários e seus patrocinados), a bancada do boi vê
problemas no MMA e MPI.
Tudo
porque o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) há muito
está nas mãos do lobby do agrobusiness e este quer tomar para si funções
que a nova gestão Lula distribuiu para as supracitadas pastas e do Ministério
da Reforma Agrária (MRA).
Assim,
o MMA perderia a responsabilidade pela Agência Nacional de Águas (ANA) e do
Cadastro Ambiental Rural do Código Florestal, que voltariam para o Min do
Desenvolvimento Regional (MDR) e o da MAPA, respectivamente.
A Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB), sob responsabilidade única do MRA na
atual gestão, passaria a ser comando duplo: ao MDR, respeitando o disposto no
decreto lulista, e ao MAPA. Claro, com este certamente gritando mais alto.
Já
a única facada poderá deixar o MPI moribundo: a demarcação de terras, função
central para a qual foi criado, retornaria para o Ministério da Justiça (MJ).
Exceto a dupla subordinação da CONAB, o resto voltaria exatamente como estava
disposto na gestão Bolsonaro.
Boicote
parlamentar
Ao tomar conhecimento da MP, o governo federal ficou aturdido sentindo-se
impotente de início. Nas redes sociais, influencers
pró-governo a princípio o criticaram, mas logo tiveram consciência de que
haveria uma tentativa de golpe parlamentar em curso, devido à alegria da ala
bolsonarista.
Parte
do governo suspeitou de primeira que há clara intenção de boicote por parte do
parlamento, uma vez que a bancada do boi tem encontrado ampla satisfação de
seus interesses com a paralisia fisiológica do governo anterior bem nos tópicos
que a incomodam.
Decepção – Em paralelo ocorreu o inesperado, tanto para
Lula quanto para sua base: alguns governistas votaram em favor do parecer da
MP, o que facilita a vitória da MP de fato. O ministro Alexandre Padilha, do
MDR, também prestou um bizarro elogio a proposta.
Outro
motivo que estonteia a patuleia apoiadora do governo federal foi o inesperado
elogio de parte da ala governista do parlamento, que colaborou para a vitória
do parecer da MP, que por sua vez sinaliza aprove do texto definitivo. Mas,
será que tudo no governo está perdido?
Reação
Mas o governo federal reagiu. A ministra
Marina Silva alertou: “não basta a credibilidade de Lula, eles não querem a
estrutura do governo que foi eleito, mas a do governo que perdeu”. A fala se
refere tanto à era Bolsonaro quanto ao intento parlamentar de paralisar uma prioridade
do governo.
Temor
de saída – A fala de Marina
veio após reunião convocada por Lula com ministros das pastas apontadas pelo
parecer de MP aprovado, e após a mídia noticiar uma Sonia Guajajara frustrada
com o presidente diante dos fatos. Ao que tudo indica, parece que elas ficam
mesmo.
Dino – O governo também já conversou com o STF a
respeito do perecer. Em postagem no seu Twitter, o ministro da Justiça Flávio
Dino citou a Constituição-1988 ao afirmar que “é privativo ao presidente da
República decretar a sua estrutura de governo”.
Em
única afirmação, o MJ se refere mais especificamente a três artigos: o 76, que versa sobre os poderes do presidente;
o 84, que trata sobre as suas atribuições, entre elas a estrutura de governo
(olhem aí!); e a 87, sobre as atribuições principais dos seus ministros frente às
respectivas pastas criadas pelo presidente.
Para o jurista aposentado Ayres Brito, a alteração do texto presidencial dos Ministérios "é uma forma de boicote ao governo". O que, sugere, na prática, mais um plano golpista somado ao neolavajatismo judicial paranaense que retirou Eduardo Appio¹ do TRF-4 para proteger o mandato de Moro no Senado.
Esperanças – Direta e explicativa para o entendimento
popular, a afirmação de Dino nos traz um alento de esperança de reversão possível,
visto que sugere inconstitucionalidade no teor do parecer da MP parlamentar, dando
brecha para os leitores interpretarem como golpe.
Houve um golpe antiambiental antes: a aprovação da PL de Bolsonaro que favorece desmate da Mata Atlântica, cujo dia foi comemorado em 27/5. Essa proposta foi pega pelo STF para julgamento de inconstitucionalidade. Se o veredicto a considerar inconstitucional, a sua revogação é automática.
Claro
que golpe parlamentar é tão perigoso quanto o militar clássico. Dilma Rousseff
que o diga. Nesse caso há dois alvos, o governo e a CF-1988. O primeiro é teoricamente
mais frágil, mas tem o poder de vetar a MP. Já o segundo tem o STF
como cão de guarda. Xandão que o diga. Aguardemos.
Nota da autoria
¹ Novo juiz de Curitiba que remeteu ao STF a denúncia de Tacla Duran, advogado da Odebrecht, contra o senador e o deputado cassado Deltan Dallagnol de suborno.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=aAeOG0EBKZ0 (Meteoro– MPI pode perder demarcações)
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O conflito BR x MMA
Enquanto tenta fazer diálogos possíveis com o Congresso, o governo federal se depara com um embate entre a pasta do Meio Ambiente (MMA) e a Petrobras (BR). O motivo: a ministra Marina Silva vetou a licença ambiental solicitada pela empresa para extrair petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
O veto da ministra se baseou em laudo oficial de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Ibama. Ela explicou que o EIA apontou impacto socioambiental amplo decorrente do risco de vazamento de óleo durante a perfuração dos "petrorreservatórios" (poços produtores) pressionados nas profundezas.
O estilo "durão" de Marina se explica no seu conhecimento da realidade amazônica a partir das suas origens nos seringais do Acre, no impacto do mercúrio em seu organismo e no seu histórico político e ambiental. Agora, o Foz do Amazonas se tornou alvo de seu abraço ativista.
Foz do Amazonas - Ela é vista em três óticas: na geográfica, referente à descrição e abrangência; na geológica, que trata sobre a composição sedimentar e a geomorfologia; e na ambiental, que versa sobre as características biológicas, climáticas e das relações entre o homem e o meio.
Geografia: se estende da costa do Amapá até o limite do talude submarino. A oeste se limita com a Guiana Francesa e a leste, com a bacia Pará-Maranhão (v.figura). A larga plataforma continental afunda até 250m, seguindo-se o talude submarino que se limita a pouco mais de 3000 m de profundidade.
Sua referência é a desembocadura em delta do rio Amazonas no Amapá. Enérgico, o rio despeja água a centenas de km no mar. A maior parte da carga sedimentar do rio está próxima à costa.
Geologia: se compõe de diferentes tipos sedimentares (conglomerados, lamitos e folhelhos). Na plataforma há sedimentos arenosos terrestres e detritos calcários. Na beira plataformal há uma linha de recifes - uma feição comum no litoral brasileiro a partir do Sudeste.
O talude de perfil escalonado é mais amplo perto da foz do rio Amazonas, denunciando a origem terrestre predominante dos depósitos mais recentes que suavizam o perfil. A idade geológica da bacia varia do Cretáceo³ nas camadas rochosas mais antigas ao Holoceno (mais ou menos 12 mil anos).
Ambiente e vida: o litoral é muito influenciado pelas marés e mantém condições in natura apesar das ameaças humanas. Na maré baixa a água doce avança centenas de quilômetros no mar, mas na maré alta dominam águas salobras² e oceânica - e ainda tem o belo espetáculo da pororoca.
Ainda presente na foz do Amazonas, a pororoca (estrondo em tupi) reconfigura a costa e mexe com a vida local. No piscoso fundo do mar, um estudo na plataforma e na sua quebra levantou uma barreira de corais a se estender continuamente das águas potiguares até as da Guiana Francesa.
Na região da bacia, o estudo identificou ecossistema coralino diferente de qualquer outro do tipo: um sistema equatorial. Mas é sensível ao menor impacto como os demais. Tal pesquisa, em paralelo à descoberta de óleo e gás na região, suscitou um irresolvível conflito entre o governo (MMA) e a BR.
Local do bloco - No talude da bacia há vários poços de estudo. Um deles, o FZA-M-059, se revelou muito produtor. A uma profundidade de quase 2000m, ele se localiza a 159 km de Oiapoque, próximo à fronteira com Guiana Francesa, e dista mais de 500 km do centro da foz do Amazonas.
Imbróglio - Surgiu devido a divergências sobre os potenciais de risco da atividade sobre o meio físico e biológico e à vida das comunidades tradicionais numerosas que vivem dos recursos da região. A atual ministra do MMA se sustenta fortemente nas considerações do laudo técnico do Ibama.
Enquanto BR e MMA procuram se resolver em reconsiderações, o caso revela uma outra faceta do conflito: o rompimento do senador Randolfe Rodrigues com Marina em função da negação da ministra de conceder licença ambiental à BR. Rodrigues se desligou da Rede e agora está sem partido.
Lula - Como Randolfe, Lula também se revela favorável ao trabalho da BR. Mas não abre mão de Marina, pelo papel central em uma área tão prioritária em seu governo. Seu espírito conciliador pode ter levado Marina a aguardar a reconsideração do Ibama solicitada pela BR.
Isso põe o presidente em rota de colisão com sua política de redução do carbono: recursos fósseis são grandes emissores do gás, junto ao desmatamento. A queda significativa deste em jan-fev 2023 foi positiva, mas a indústria fóssil contradiz a boa intenção, e pode pôr, sim, aquela região em risco.
Acompanhemos os fatos. Enquanto isso, são aprovados projetos infames na Câmara, como a 490 (Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas) e a MP que altera a estrutura de governo. Como prometeram os bolsonaristas na posse da nova legislatura, a guerra está declarada. O governo tem que reagir, e rápido.
BR e MMA que resolvam seu conflito de forma a visar o bem maximizado do meio ambiente e das comunidades da região da Foz do Amazonas. Assim seja.
Nota da autoria
¹ Folhelhos (rocha laminada escura de argila e matéria orgânica); lamitos (lama petrificada); arenitos (areia petrificada) e conglomerados (rocha composta de cascalho cimentado de lamito) são os principais tipos rochosos. Camadas mais recentes e superficiais ainda não são rochas.
² Água ligeiramente salgada, típica de estuários (áreas de maré, de encontro de água doce e marinha).
³ Período geológico que vai de +- 140 milhões de anos até a catástrofe da extinção dos grandes dinos há 66 milhões de anos atrás.
Para saber mais
- https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/05/petrobras-vai-pedir-ao-ibama-para-reconsiderar-licenca-ambiental-para-bloco-no-foz-do-amazonas.ghtml (fonte da imagem do artigo)
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