Renato Freitas, a fortaleza negra
Renato
Freitas seria apenas mais um influencer de classe popular se não tivesse
se decidido a investir na carreira política. Vocês, leitores, podem dizer: “isso
é normal hoje em dia”. Mas vale frisar que pobre ser vereador na elitista
Curitiba é bem difícil. E mais: ele é preto.
Se
ser preto e pobre já é cláusula de barreira num local em que a elite branca é o
norte cultural veemente, imagine ser do PT, o maior partido político de
esquerda latino-americano, massacrado localmente no ápice do antipetismo que
elegeu Bolsonaro.
O
início – Um ato em igreja de
origem escrava após missa inspirou a fake midiática para justificar a
cassação aprovada pela Câmara dos Vereadores, apesar do desmentido da Diocese
local. Renato foi cassado e tornado inelegível, mas reagiu indo à Justiça que
reverteu o processo.
Renato
voltou ao posto, mas a Câmara o cassou de novo. Novo embate judicial que deu ao
jovem a vitória do retorno, a tempo de concorrer e se eleger deputado estadual
em 2022. Mas viriam novos episódios adversos.
Episódios – Sabendo do racismo arraigado, Renato já
esperava que provocações viriam. Em uma sessão de Direitos Humanos na
Assembleia, ele recebeu a acusação de vitimismo feita pelo presidente da
comissão. O outro episódio ocorreu fora, mas pode respingar na sede em que
atua.
Foi
em aeroporto de Foz do Iguaçu. Ele foi chamado por PFs a sair do avião para
“inspeção aleatória” e os acompanhou. Após a inspeção, foi liberado e voltou ao
avião acusando racismo, pois era o único passageiro negro no voo em questão.
Segundo
mídias, uma funcionária¹ alegou “recusa do deputado à checagem prévia”.
Por seu turno, Renato diz que passou por checagem no raio-X como todo mundo, e
responsabiliza agentes de Proteção da ANAC. Em nota, a PF diz que “vai apurar o
fato”, e o deputado pode ir à Justiça.
Muitos
podem minimizar os fatos como mal-entendidos, mas a sua repetição revela o
grave problema do racismo estrutural, que afeta qualquer não-branco. Por isso,
Renato se torna figura tão fundamental no contexto como referência na busca de
meios de, pelo menos, minimizar o flagelo.
Renato
Freitas teve apoio de lideranças católicas e juristas de ala progressista.
Advogado por formação, ele vê na aliança entre política e justiça o seu meio, a
sua força primordial para combater desigualdades. Sendo uma fortaleza negra,
ele se revela uma valiosa referência dos não-brancos.
Nota da autoria
¹
Não foi divulgado se a funcionária é do aeroporto ou da empresa aérea
responsável pelo voo.
Para saber mais
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A
poderosa Caatinga
Ao
se falar em regulação climática natural e da composição atmosférica, as
referências são as grandes florestas úmidas. Por isso entendemos de imediato
que anomalias climáticas e térmicas se ligam, entre outros fatores, à
destruição sistemática dessas florestas. É um dado bem documentado, ao contrário
do que acontece com as regiões mais áridas.
Isso
talvez se deva aos limites impostos pelos rigores climáticos e dos meios, com
risco de maior dificuldade alimentar, hídrica e medicamentosa devido à maior
distância entre cidades e vazios populacionais. Daí ser recente a descoberta
dos benefícios da areia do Saara que chega aos ácidos solos da Amazônia e
adjacências.
Daí
ser recente a descoberta dos benefícios da areia saariana que chega aos ácidos
solos da Amazônia e adjacências, graças aos minerais alcalinos nela presentes.
E, com a mudança climática em curso, vale mais atenção à fisiologia das regiões
semiáridas e áridas.
E
talvez nem precise viajar ao exterior para estudar as zonas mais secas: o
Brasil tem duas delas: os Lençóis Maranhenses – de fato um deserto, mas de pequeno porte –, e o
grande sertão da Caatinga.
Caatinga – É um ambiente de relevo rochoso áspero e
conjuntos vegetais que variam de florestas abertas, altas e decíduas a áreas de
cactáceas, arbustos espinhosos e tufos de gramíneas. O clima é semiárido, no
qual períodos secos podem durar mais do que os úmidos, mas isso não é uma regra
absoluta. É o único bioma 100% brasileiro.
De
origem tapuia, o termo caatinga se deve à coloração acinzentada pálida da
vegetação e do solo em períodos mais prolongados de seca. Ainda ao iniciar as
chuvas, o verde reaparece, mas a água ainda é escassa: é a seca verde,
que pode gerar prejuízo agrícola.
Os
solos variam de neossolos (superficiais e jovens) aos latossolos
(mineralizados, mais profundos e seculares), oriundos da decomposição de rochas
sedimentares dominantes. Como as chuvas são mais escassas, eles são menos
lixiviados do que os da Amazônia e outros biomas úmidos.
Novidade – O CO2 nas alturas gera aquecimento
e o desmate amplo, desequilíbrio climático. Enquanto o capital dá de ombros, C&T
se juntam na corrida contra o relógio. Suíça, Canadá e Islândia já investem com
projetos já prontos de captura e armazenamento artificiais de carbono.
É
sabido que solos de ambientes naturais armazenam muito carbono sequestrado, e
daí cientistas se voltam para as zonas áridas e semiáridas. E há recente
pesquisa publicada sobre a nossa Caatinga, com levantamento de aspectos
cruciais, alguns muito bons e outros nem tanto.
Os
ruins – A Caatinga
enfrenta dois principais problemas: um deles é que menos de 8% de toda a região
do bioma estão de fato protegidos, e mesmo assim estão seriamente ameaçados
pela desertificação. Em 30 anos, a região perdeu 40% da disponibilidade hídrica
natural e pode perder mais devido ao agro.
Se
o fenômeno El Niño (que eleva a temperatura global) se estabelecer com
força como já preveem, a chance de o nosso Semiárido sofrer com seca forte e
longa é alta, bem como maior pressão climática.
Os
bons – Embora seja mais maleável às mudanças
climáticas, como as demais regiões áridas e semiáridas pelo mundo, a Caatinga
tem solos abertos capturam mais rápida e diretamente o carbono do que os das
florestas fechadas. E, pelo estudo, a Caatinga revela excelência em sequestrar
e armazenar CO2.
Em
busca de solução – O
novo governo tem foco na mitigação das emissões de carbono. Registros de
regresso do desmate são um bom começo, mas o país ainda carece de maior
investimento em C&T para sacramentar uma política industrial de baixo
impacto ambiental.
Sempre
tão agradável ao capital vigente, a indústria de combustíveis fósseis ainda é
um problema grande a ser resolvido, pois foi agravado pela privataria das
refinarias. E não é exclusividade brasileira: ele está no mundo todo e satisfaz
interesses dos países centrais que integram a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP).
Enquanto
as universidades juntam os cacos pretéritos, nossa Caatinga segue como local de
estudo sobre o seu potencial de sequestro e retenção de carbono. Além dos
solos, a flora é alvo é estudada nesse potencial: como elas absorvem carbono
mesmo em períodos de seca.
Em
paralelo às pesquisas da ciência, ambientalistas (entre analistas e ativistas)
seguem em luta pela criação de novas unidades de preservação permanente no bioma,
bem como criar projetos de recuperação das áreas degradadas para conter o
avanço da desertificação. Se o governo vai atender, nos resta aguardar.
Nota da autoria
¹ Pelo
uso irregular ou abusivo do solo (pecuária extensiva, agrobusiness que
gasta muita água).
Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgx49z1z40xo (tecnologias de captura de carbono)
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A
coragem em findar o PPI
Em
apenas 4,5 meses, o governo Lula cumpriu 1/3 das promessas de campanha. Agora, mais
uma promessa foi cumprida, e nos parecia muito improvável: revogou o PPI como
política de preços da Petrobrás (BR). Mas, afinal, o que é essa sigla e qual o
seu significado na prática?
PPI – Entre outros feitos, o ex-presidente Michel
Temer impôs a Paridade do Preço de Importação, ou PPI, que presume os
valores dos combustíveis equiparados ao do barril do óleo cru (Brent) lá fora.
Ou seja, ela é, na prática, a dolarização dos preços dos derivados de
petróleo (petroderivados).
A
PPI ficou mais conhecida pela depleção adicional à economia popular. A alta dos
combustíveis ecoou em bens de primeira necessidade: alimentos, vestuário,
energia e outros – conforme previsão de analistas na época. Ainda assim, foi
imposto, com uma justificativa muito obscura.
Em
2016 correu um boato de que a manutenção do subsídio que barateava os
combustíveis poria em risco seus estoques. Caminhoneiros paralisaram gerando
risco de desabastecimento dos comércios populares. Sob pressão da Lava Jato,
Graça Foster saiu da presidência da BR.
Após
a deposição de Dilma Rousseff, Temer entrou e meteu a PPI, que abriu mais
importação de petroderivados, parte destes obtidos do refino do petróleo
exportado do Brasil. A PPI só foi tesourada pelo presidente Jean Paul Prates da
BR, nomeado por Lula.
Alegação – A “defasagem de preços, com risco de
desabastecimento nos postos” foi palatável à grande mídia e ao capital.
Entre 2019-22, a economia popular desandou via desvalorização do real,
desgoverno, juros altíssimos, inflação e PPI, mas a mídia preferiu culpar a C19
pela piora dos flagelos sociais em curso.
A
PPI convenceu a patuleia de “antes combustíveis caros do que ficar sem comer”.
Caminhoneiros, no entanto, se revoltaram com dois reajustes semanais impostos.
O Auxílio Brasil virou cala-boca eleitoral, mas malogrou com a derrota do
ex-presidente.
A
verdade – Lucros
recordes da BR encheram páginas de economia da grande mídia em tom quase alegre.
Tais ganhos resultavam, sobretudo, de ações na Bolsa. Mas era estranho que a
estatal não retornava quase nada para o país, como sempre fazia antes.
O
mais estranho é sabermos do maior valor das ações públicas. É aí que se
descobre que, do lucro total somado, 70% terminaram lá fora, enriquecendo os
acionistas estrangeiros. Como? A BR repassava parte dessa grana pública a eles.
Ok, mas como tanto dinheiro ia pro exterior?
As
altas semanais dos combustíveis, que chegaram à média de R$ 8 o litro de
gasolina comum, foram a fonte do imenso volume de grana repassada para os
acionistas estrangeiros aplicarem lá fora. A patuleia pagava para enriquecer sobretudo
estrangeiros. Essa foi a verdadeira serventia da PPI.
Lula – A interrupção da PPI por Lula 3 foi esperada
como um alarde. Mas, aparentemente, não se viu alarido mercadológico. Pois o
governo reconhece a natureza da BR como estatal de economia mista, com 49% de
suas ações privadas, segundo a lei que a criou. O lance aí foi outro.
O
atual presidente criticou com razão os recordes globais de dividendos para
fora, explicando em parte (a outra é a roubalheira) a falta de retorno em
investimento público. Um crime dantesco de lesa-pátria.
O
fim do PPI não elimina os acionistas estrangeiros: não há nada de ilegal em
tê-los nas ações privadas. Nem mesmo mitigará a lucratividade da BR, que só
volta à atribuição de retornar a sua parte que deve ao Estado a que pertence,
conforme previsto em lei, como royalties de investimento público.
A
lucratividade da BR é excelente contribuinte para o nosso desenvolvimento e
soberania. O triste recorde de investimento revelou, mais uma vez, quem são os
reais corruptores, além dos corruptos agentes públicos que têm imperado nesses
anos todos. O problema, agora, é conseguir findar o vício.
Para saber mais
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A
extrema-direita no esporte-reupado
O
jogador Vini Jr é um remanescente das “pratas da casa”, título dos jogadores
vindos das bases do Flamengo, no RJ. Era mal chegado à maioridade quando se
destacou em jogos do time profissional rubro-negro. Mal entrou na 2ª década de
vida, ele foi comprado pelo Barcelona por R$ milhões.
Hoje
milionário, Vini Jr desponta entre as principais estrelas do futebol global aos
22 anos. Mas, vidão à la Marrakesh à parte, ele sente o peso de ser
estrangeiro negro na Europa de domínio e orgulho branco seculares. Depreciações alusivas à sua cor de pele têm
sido constantes.
No
último jogo, além de ouvir o tradicional “macaco”, viu exibirem um boneco preto
com o seu nome e uma corda no pescoço. A quase concretização de uma ameaça.
Não
é a primeira vez –
O boneco foi a gota d’água do racismo enfrentado por Vini Jr e outros jogadores
negros em geral. E já envolveu até quem não tem nada a ver com a história.
Em 5/5/2023,
durante intervalo de treino do Barcelona, o técnico Carlo Ancelotti recebeu a
repórter esportiva Maria Morán para entrevista. Sob o calor quase desértico da Catalunha,
ela usava uma camisa regata simples. Normal, mas virou motivo suficiente para
um show dantesco na rede.
Na
postagem da entrevista no Twitter de Maria choveram ameaças de estupro,
xingamentos, ofensas e críticas aos direitos femininos atuais. Por ser mãe
solo, nem sua filha de 2 anos escapou. Maria atribuiu os ataques à La Liga,
o que se estendeu às ofensas racistas, como ela mesma apontaria.
La
Liga – É o nome popular
da trilhardária Liga Espanhola de Futebol Profissional, que reúne alguns
dos maiores times do futebol mundial. É dirigida pelo advogado costarriquenho
naturalizado espanhol Javier Tebas. Até aí tudo bem, não fosse um problema: a
polêmica de racismo protagonizada pelo próprio.
Suas
declarações racistas dirigidas a Vini Jr incendiaram torcedores ideólogos
nazifascistas que se juntaram como La Liga, grupo denunciado por Maria
Morán em vários episódios ofensivos.
Repercussão
e cobrança do Brasil – O
caso Vini Jr repercutiu na imprensa esportiva europeia e daqui e quase
estremeceu a diplomacia Brasil-Espanha. O ministro Flávio Dino e o chanceler
Mauro Vieira cobraram da Espanha medidas punitivas. Vini agradeceu em rede a
solidariedade de colegas e torcedores.
Em
resposta, o governo espanhol se disse “preocupado” com o crescimento dos
ataques racistas e xenofóbicos, e prometeu tomar providências, movimentando
órgãos competentes. Com a repercussão, Tebas pediu desculpas a Vini Jr, com uma
explicação pouco ou nada convincente: “não foi intencional”.
A
real do problema –
O racismo no esporte é a extensão de um problema nada recente. Que o digam os
Jogos Olímpicos de Munique de 1936, com o discurso de Adolf Hitler, e nos hooligans
do Liverpool nos anos 1970 a 1990, ainda que estes nunca tenham sido condenados
por racismo de fato.
O
racismo contra atletas negros, a misoginia contra Maria Morán e outras tantas
mulheres e a xenofobia, entre outros preconceitos vindo à tona, se refletem no
recrudescimento da extrema-direita, que é vista pelos simpatizantes a solução
extrema contra os males do mundo e varre a Europa desde 2008.
As
ofensas a não-brancos, estrangeiros, mulheres e minorias sexuais e étnicas - famosos ou não - não
são reflexos só do nazismo. Vêm das ideias mais antigas que o originaram, e
alimentam o nazifascismo moderno que criou aqui o bolsonarismo.
São, acima de tudo, sinais do quão mal sepultado foi esse passado.
Falta
aos governos reconhecerem esse enterro mal feito e corrigi-lo. Medidas
educativas mais efetivas devem ser incentivadas pelos governos, sob pena de
punição se não efetuadas. A renazificação é um mal que deve ser reconhecido e,
por isso, combatido, se quisermos a sonhada democracia no esporte.
Para saber mais
- https://revistaforum.com.br/esporte/2023/5/22/presidente-da-la-liga-foi-de-grupo-fascista-apoiador-do-vox-extrema-direita-da-espanha-136352.html.
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