quarta-feira, 30 de agosto de 2023

ANÁLISE: OS ALERTAS DE MÃE BERNARDETE

 

          Descendentes de escravos libertos reunidos em comunidades preservando muito das tradições ancestrais, os quilombolas estão no Brasil todo. As tradições estão na festa, na fé, nas rezas e simpatias, na medicina tradicional e na língua, bem como na luta contra a histórica marginalização imposta pela sociedade branca e cristã.
                Até o dia 17/8/2023, um quilombo em particular estava liderado por Bernardete Pacífico. Sim, foi: sua vida teve um fim trágico. Mas, quem foi ela, e qual a sua importância? Escrutinar é o objetivo deste artigo.

Mãe Bernardete
                 Bernardete Pacífico era mais conhecida como Mãe Bernardete, por ser mãe-de-santo (em ioruba ialorisà, ou ialorixá, um elo direto entre orixás e o povo). Além de dirigir o terreiro, ela liderava a comunidade Pitanga dos Palmares e recebia visitantes locais e adjacentes e turistas curiosos ou fiéis. Era muito querida no quilombo e respeitada em toda a região.
                Essa reverência de décadas transcende a fé. Ela coordenou a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), lutando pela preservação do patrimônio socioambiental, cultural e comunitário na terra da segunda maior população afro do mundo fora da África. Teve uma vida ativa até 17/8, aos 72 anos de idade.
                Ela foi assassinada a tiros. Uma barbárie piorada em seus motivos, somados em um multifacetado rolo compressor que ameaça a sobrevivência de Pitanga dos Palmares, e demais quilombos de todo o país.

Rolo compressor
                Pitanga dos Palmares se localiza na zona rural de Simões Filho. Remanescente secular de um quilombo antigo, ele atualmente abriga 290 famílias e foi tombado pela Fundação Cultural Palmares. Mas ainda não tem o devido reconhecimento pelo Incra, o que o torna bastante vulnerável a ameaças.
                Conflitos fundiários – localizado estrategicamente na zona metropolitana de Salvador, Simões Filho tem área rural ambicionada pelo agro, e também sofre pressão da expansão urbano-industrial por especulação imobiliária. Daí os conflitos fundiários serem a maior ameaça sobre Pitanga dos Palmares e posseiros familiares de pequenos sítios.
                Grandes monoculturas de cana-de-açúcar, frutas e milho avançam na zona rural da região. Atribui-se ao agro a maioria dos assassinatos e expulsões de indígenas, pequenos sitiantes e lideranças quilombolas. Até o momento, na região citada não há dados sobre outras lideranças quilombolas além de Mãe Bernardete e o seu filho Fábio Gabriel, o Binho, entre lideranças vitimadas.
                De qualquer forma, o agro responde direta ou indiretamente por parte considerável dos assassinatos de mais de 40 quilombolas em 15 anos, e dos 796 indígenas que tombaram somente no período 2019 a 2022.
                Missões religiosas – a conversão foi um facilitador da colonização de terras antes dominadas pelos indígenas. Depois, “para civilizar e progredir”. É a partir das missões cristãs pretéritas que culturas indígenas inteiras foram extintas e os primeiros quilombos devastados, ao longo dos períodos mais sombrios da nossa história.
                Os missionários apenas abriram caminhos para os mal-intencionados. Por outro lado, respondem até hoje por dois crimes interligados: intolerância religiosa ligada ao racismo. Voltando ao caso Pitanga dos Palmares, não há até o momento indícios de possível relação entre fanáticos religiosos (que já invadiram o local antes) e os homicidas.
                Mas, a ameaça gospel à cultura quilombola é extremamente forte e fortalecida pelo lobby político.

Hipóteses
                É possível que Mãe Bernardete tenha sido assassinada após esgotados todos os recursos por seus inimigos, seja lá quem estes sejam. Seu filho Fábio Gabriel, o Binho, foi igualmente morto em 2017, um crime que até hoje não foi solucionado. Para as autoridades investigativas baianas, as mortes são obviamente relacionadas. O problema é o autor, bem como seu(s) mandante(s).

Alertas acesos
                O caso desperta muitos alertas, que vão além dos quilombos. O primeiro deles foi a Mãe Bernardete ter pedido proteção nunca atendida pelo Estado. Ela precisou recorrer às câmeras de segurança no seu terreiro, que foram quebradas pelos invasores para evitar identificação em investigação posterior. Outros alertas se destacam.
                Ameaça e ausência do Estado – filho sobrevivente, Jurandir Pacífico acusa o Estado de omissão. Primeiro, em não dar pistas da morte do irmão mesmo passados seis anos. E agora, por não ter atendido ao clamor de sua mãe, que pedia proteção diante da crescente frequência das ameaças, deixando o quilombo mergulhado em medo e apreensão.
                Invisibilidade – assim como os não-brancos das periferias urbanas, a população quilombola sofre com a sua visibilidade reduzida a números trágicos impostos pelo elitismo institucional. A proeminente Mãe Bernardete precisou ser assassinada para estarrecer o país com a realidade vivida por todo esse conjunto populacional.
                Preocupados com o futuro do quilombo onde nasceu e cresceu, Jurandir e família foram aconselhados a sair dele pela Secretaria de estadual de Promoção da Igualdade Racial, cujos agentes se juntaram aos da PM-BA para proteger a comunidade. O atual coordenador da Conaq Denildo Rodrigues disse que, só na Bahia, 11 quilombolas foram mortos em 10 anos.
                Intolerância religiosa – a intolerância religiosa é uma infeliz realidade que o país não conseguiu superar. Talvez seja um reflexo da natureza proselitista do cristianismo desde os seus primórdios na história. Mas vivemos um contexto bastante diferente de antes, em que o conhecimento e a capacidade de questionar nos dão mais racionalidade e tolerância.
                A intolerância religiosa não é somente uma derivação ou forma de racismo manifestada contra as fés de matriz africana – ela existe também contra os xamanismos ou pajelanças indígenas. Ela não permite reconhecer a real profundidade das influências africanas em numerosos traços culturais. Daí se pregar sandices como “religião falsa”, por exemplo.

Única proposta possível
                O elitismo nos setores públicos e privados está por trás do descaso sobre os grupos étnicos e culturais historicamente marginalizados. Mas isso não significa, porém, que flagelos não possam ser enfrentados. Investir pesado em política de reeducação massiva de promoção da cidadania real será a única saída.
                Ela deverá ser iniciada na escola básica e continuar nas instituições e empresas. Claro que não há lugar para ilusão: o prazo para resultar em mitigação será bastante longo, e somente graças a uma aplicação permanente e pétrea. Talvez não vivamos o suficiente para ver sua efetividade, mas as gerações futuras vão. 
                Mas, pode ser que, numa situação tão grave, fortalecida nos últimos anos pelo bolsonarismo, o investimento nessa educação qualitativa seja mesmo uma ilusão. Por outro lado, a repressão sistemática como única solução é ainda mais ilusória, pois já sabemos que não haverá resultado algum, nem a longo prazo.
                E pensar nisso já nos felicita.

Para saber mais
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CURTAS 43 - ANÁLISES (cúpula da Amazônia

 
As contradições da Cúpula da Amazônia

                Lula assumiu o governo destacando a política ambiental como prioridade. Mas a especulação da Petrobrás (BR) sobre o potencial produtivo da bacia sedimentar da Foz do Amazonas a 500 km da desembocadura do rio fez o governo balançar um pouco. A BR reitera segurança ambiental e insiste: quer vencer pelo cansaço.
                Nesse contexto, a Cúpula da Amazônia reuniu Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname em Belém (PA), para traçar diretrizes socioambientais uníssonas em uma carta assinada por todos.
                Declaração de Belém – os governantes partícipes assinaram a Declaração de Belém, um documento que reconhece a urgência em salvar a floresta e as culturas nela construídas, baseadas nos muitos eventos de que são signatários, a partir da ECO-92 do Rio de Janeiro. Ele será apresentado na COP-28 em Dubai (nov. 2023).
                A assinatura ocorreu sob outra pressão: a do duro levantamento técnico do Ibama, que aponta o “risco grave” de explorar petróleo em local de correntezas capazes de danificar estruturas de plataformas, e sensível biodiversidade.
                Contradições – como descrito, a Declaração de Belém reconhece a urgência em salvar todas as culturas da diversidade florestal amazônica, com bases anteriores, conforme supracitado e na íntegra do doc. Mas o fechamento do evento gerou frustração em todos que o acompanharam.
                Faltam ações concretas – para o Observatório do Clima, o documento "repete a sina de outras declarações multilaterais e nivela compromissos por baixo. Ao fazê-lo num contexto de emergência climática, ela falha com a floresta e o planeta". Assim, ela “não oferece soluções práticas, nem calendário de ações para evita-lo”.
                Elogiou o mérito da carta em reconhecer a ameaça de ponto de não recuperação da floresta, mas criticou o “isolamento de Petro”, que deu toques mais realistas para a situação climática e a urgência das ações preventivas.
                Recursos fósseis – duas ONGs em especial, o Observatório do Clima e o Greenpeace, se manifestaram sobre a ausência do tema da exploração de petróleo nas bacias sedimentares da costa amazônica. O Observatório pontuou:
                Ao falhar em incorporar [...] a proposta colombiana de suspender a exploração de petróleo, gás e carvão mineral, os países amazônicos se juntam a vilões climáticos tradicionais como a Arábia Saudita, Rússia e EUA, e novos como o Reino Unido, e permitem a continuidade da farra do petróleo até que o mundo queime”.
                A Declaração de Belém [...] sequer citou o termo combustíveis fósseis, ignorando a intensa mobilização dos dias anteriores. É, no mínimo, uma grande contradição que os governantes [...] não tenham ouvido as vozes que ecoaram em diversos fóruns e protestos na capital”, disse Marcelo Laterman, da Frente dos Oceanos do Greenpeace.
                É preciso objetividade – as críticas das ONGs acima citadas concordam com alertas de cientistas do IPCC sobre a proposta de ações tão urgentes quanto concretas no presente contexto de emergência climática. Mas para isso, os governantes têm que substituir a subserviência à bolha capitalista pela objetividade em soluções planejadas.
                Nada como furar a bolha capitalista alimentada pelos minerodólares e pelo agrobusiness, os maiores geradores de gases-estufa e promovedores da devastação ambiental, e investir forte em educação, ciência e tecnologia com vistas ao desenvolvimento bioeconômico. Como fazer isso? Se virem, a proposta já está dada.

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Petróleo amazônico: a relevância dos contrários

                Como narrado em artigo anterior, a Cúpula da Amazônia teve contradição entre o diagnóstico ambiental e social da Amazônia e a falta de propósitos claros e detalhados de preservação integral da região com bioeconomia.
                Também foi exposto o isolamento do colombiano Gustavo Petro, contrário à exploração de petróleo e gás na região por motivos óbvios. Ele ouviu as ruas de Belém, mas sem expor uma proposição clara.
                Petro x mercado petrolífero – a Colômbia tem uma produção petrolífera menos destacada, sobretudo, onshore (continente e plataforma continental no mar). Durante 2022, a Agencia Nacional de Hidrocarburos (ANH) investiu fortemente em produção privada, em paralelo à estatal Ecopetrol.
                Mas Gustavo Petro foi eleito e mudou os planos. Contrário à extração de petróleo e outros recursos do solo amazônico, Petro se centrou principalmente em políticas públicas e ganhou uma ala inimiga: o grupo magnata do petróleo de olho na Amazônia. Embora resistente, o colombiano não interferiu nos investimentos já realizados.
                Equador – sua produção ocorre em mar e terra. A do parque amazônico de Yasuníem, a produção foi paralisada após o resultado de um plebiscito popular ocorrido no mesmo domingo da vitória da progressista Luísa González no 1º turno eleitoral (há ainda o 2º). O plebiscito tem caráter definitivo.
                A real – os resultados dos dois governos frustra, de fato, a elite do setor, principalmente a de fora. O lado humanitário é que as estrangeiras empregam menos do que as nacionais, nos salários ou no contingente. De fato, ser grande e estrangeiro de grande não garante obrigatoriamente mais empregos e salários.
                Além disso, a cessão do subsolo para investimentos estrangeiros significa um risco considerável sobre as contas públicas de dois países cujos PIBs não são tão volumosos e já possuem dívidas externas históricas.
                Por outro lado, a posição de Petro e o resultado do plebiscito popular equatoriano não significam a parada nos investimentos. Os dois governos apenas querem que a área mais rica em campos petrolíferos não seja alvo de especulação exploratória. Essa área é a Amazônia, tão cara para manter as boas imagens desses países.
                Enquanto isso, o Brasil ainda não resolveu suas contradições. Fica a lição dos seus vizinhos.

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domingo, 20 de agosto de 2023

CURTAS 42 - ANÁLISES (câmera policial, por trás da operação escudo, STF e porte de drogas)

 

Câmera policial: onde está o problema

                As frequentes falhas operacionais das PMs em diversas situações cotidianas passam impressão de brutalidade gratuita que deprecia a sua eficiência funcional. O que pode estar ligado a alguma insuficiência, suscitando debate entre especialistas em segurança pública no apontamento de fatores e a busca de soluções.
                O debate não é tão recente quanto parece. A segurança pública brasileira também é um serviço subinvestido e entra na margem das ligações poderosas entre políticos e o crime organizado. Mas o foco deste artigo pesa na questão dos recursos operacionais.
                Possíveis fatores – a segurança pública é um serviço essencial mal investido. No Rio, PMs são alcunhados robocop com tanques de guerra nas operações coletivas e agem com violência sobre quem não tem como se defender. A paramentação serve mais como máscara de qualificação profissional deteriorada do que de proteção.
                Para especialistas, a deterioração qualitativa é pautada a partir do comandante. A violência policial resultante consolida nos populares temor e dúvida sobre seu trabalho. É aí que vemos o valor de um recurso agora obrigatório em alguns Estados, inclusive em São Paulo e Rio de Janeiro, campeões em letalidade.
                Câmera policial – ela foi projetada para proporcionar um trabalho policial de inteligência, com objetivo de facilitar a identificação de suspeitos em um cenário, antes da ação final de captura. Minúscula, ela é instalada no colete da farda de forma quase discreta, mas com boa amplitude de captação do cenário.
                Normalmente comum na América do Norte, Europa e China, a câmera policial visa delimitar a conduta dos PMs durante as situações críticas. Porém, no Brasil há espaço para polêmicas que fazem pleno sentido.
                Polêmicas – além da violência, outro dado comum nos relatos dos moradores da comunidade de Guarujá é os PMs tinham câmeras. Ao reduzirem os relatos a “uma narrativa”, o governador e seu secretário de segurança pública oportunizam nos investigadores a suspeita de que os PMs as desligam para agirem ao arrepio da lei.
                Nesse ínterim, o seu uso se torna de vigiar o ir e vir dos cidadãos ao invés de inibir o mau profissional. Faz sentido, principalmente se a mesma for desligada nas entradas nas favelas sem que os moradores saibam disso.
                Enfim... – polêmicas à parte, é certo que a câmera policial foi desenvolvida para proporcionar operações mais inteligentes e bem menos letais, talvez comparáveis às médias verificadas nos continentes citados.
                A vigilância da liberdade dos indivíduos é um efeito colateral do objetivo do uso da câmera policial que é facilitar a identificação de pessoas em conduta suspeita em cenário movimentado. Portanto, o problema não está de fato no aparelhinho, e sim em como o policial vai agir em decorrência do que identificou nas imagens.
                O mesmo se pode dizer sobre o citado desligamento ilegal para se permitir ação mal intencionada. Portanto, mais uma vez, o problema não é a presença (ou não) da câmera, mas a intenção e a conduta assumidas pelo policial.

Para saber mais
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Por trás da chacina de Guarujá

                A chacina policial de Guarujá ainda rende na mídia. Entre as causas, a “satisfação” do governador Tarcísio e a negação das 19 mortes pelo secretário de segurança Derrite. A felicidade de ambos gerou suspeita sobre os objetivos reais da ação dos PMs, e salienta a vivacidade do ideal bolsonarista de “bandido bom é bandido morto”.
                Afinal, a vingança por morte de PM numa comunidade foi motivo real, ou pretexto a encobrir outro objetivo mais obscuro? É o que veremos a seguir.
                Operação Escudo – a mídia fez a patuleia entender que a operação Escudo foi a ação da PM de vingança pela morte de um colega assassinado em uma comunidade. Mas, na verdade, ela camuflou operação de busca e apreensão de armas pela PF ocorrente em outra comunidade, a Vila da Noite.
                Durante essa operação na Vila da Noite, o agente da PF Thiago Selling foi baleado na cabeça. Foi levado a um hospital na Baixada Santista, e agora foi transferido para hospital da capital paulista. Esse fato tem relação com um problema que chama a atenção para possibilidades da expansão continuada de milícias.
                Milícias – formadas por ex-militares expulsos (polícias, bombeiros e FFAA), as milícias ganharam mais poder e liberdade no governo Bolsonaro, sob o manto do extremismo ideológico. Com 70% do RJ em mãos, elas atuam como verdadeira holding, que pode ser exportada para outros estados, assumindo características regionais.
                Para especialistas em segurança pública, a chacina policial em Guarujá pode ser porta aberta para instauração de milícia na Baixada Santista, por conta de mercados ilegais preexistentes na área do porto de Santos, alvos da PF. A milicianização (domínio de áreas por milícia) é uma ameaça que deve ser reconhecida – se já não for efetiva.
                Ela se torna uma consequência da bolsonarização política no Estado, que já se revela nas falas de Tarcísio, que vê a letalidade como “efeito colateral do combate ao tráfico de drogas”, discurso adotado pelo bolsonarismo. E ainda vale destacar que Tarcísio é do Rio de Janeiro, reduto eleitoral dos Bolsonaro, por sua vez tão ligados a milicianos.
                Efeito nefasto – o efeito mais direto da milicianização das comunidades é a ampliação do tráfico de armas de uso restrito a agentes militares. Mas é pior ainda sobre os moradores de comunidades dominadas, pois os riscos de violência letal e de intimidações podem piorar com as extorsões constantes.
                E, em caso de batidas futuras da PF nas comunidades para busca e apreensão das armas e suas respectivas munições, o risco de mortes de inocentes ligadas a confrontos operacionais pode ser ainda maior. O modus operandi de milicianos difere muito do feito pelos traficantes – ainda que as duas partes sejam igualmente criminosas.
                Quando vai parar? – ainda não foi estabelecido prazo para o fim da operação Escudo da PF e da PM. Até o momento, segundo a mídia, alguns quilos de drogas e munições de armamentos mais comuns foram apreendidos pela PM. As armas de uso mais restrito ainda não foram localizadas nas comunidades onde houve intervenção.
                Se para a PF importa apreender as armas contrabandeadas, para a PM importa a intimidação. E, para os moradores, importa a busca interminável pela paz em meio à eterna apreensão com a proximidade da morte aleatória e gratuita – mesmo que por breves momentos.

Para saber mais
https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2023/08/15/delegado-da-pf-e-baleado-na-cabeca-durante-acao-policial-em-comunidade-de-guaruja-sp.ghtml 
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A inocuidade da descriminalização

                
Ao contrário do que parece, o Brasil tem sustentado uma das legislações mais rígidas do mundo no que se refere aos psicoativos ilícitos. E foi graças a essa rigidez que uma tese popular exerce força até hoje: “o traficante de drogas só existe porque existe quem usa”. Uma tese bem aproveitada pela polícia para justificar seus atos.
   
            
Eis que, tantas décadas depois, o STF deu ganho à descriminalização do porte individual de até 60 gramas de psicoativos ilícitos, criando uma linha divisória mais visível entre o usuário e os diferentes estratos do tráfico (da “mula” mais pobre, que transporta a droga encomendada e lucra pouco, à abastada e politizada¹ cúpula).
                Tipos de usuários – neste artigo vale uma classificação própria de usuários: o estrito e o partícipe. O estrito só quer uma recreação regular, geralmente em casa, sozinho ou com seus iguais. O partícipe é o que se associa ao tráfico, com ou sem contatos com a polícia ou com políticos. Os estritos poderão relaxar com a decisão do STF. Mas não deveriam.
                Dificuldades – é certo que a maciça maioria dos usuários estritos recreativos regulares siga o dispositivo à risca. Mas não devem relaxar, pois é obrigatório que saibam da capacidade de rastreio da polícia sobre o itinerário da “mula”. Se o usuário for da mesma comunidade dominada pelo vendedor, a nova lei pode ser inócua.
                Transgressores – seja pelo STF (por inércia ou interesse do legislativo) ou pelo congresso, cada nova lei tem seus transgressores já prontos. A polícia será a primeira a transgredir a lei, sempre a depender da localização da residência e da condição étnica e socioeconômica do usuário.
                O ministro Alexandre de Moraes pontuou esse comportamento policial, que também contamina o setor do judiciário em favor dos usuários de classes mais abastadas e brancos que portavam quantidades muito maiores de psicoativos ilícitos, e punindo não-brancos mais pobres com bem menos de 60 gramas de drogas.
                Ele pontuou também que, além do perfilamento social e étnico, a criminalização do usuário pela polícia tem sido favorável ao próprio tráfico, por ser mais difícil capturar os traficantes de fato e, para mostrar serviço, ela se vale do meio mais fácil, que é acusar um simples usuário de tráfico de drogas. Um modus operandi muito comum.
                Inocuidade – embora explícita e correta, a afirmativa de Moraes não atingirá as autoridades policiais, que costumeiramente tem anuência dos governos estaduais para agir na já sabidamente fracassada guerra às drogas.
                Enquanto não se investir pesado na reeducação das polícias, o fracasso da guerra às drogas se perpetuará em futuras vidas inocentes perdidas, bem como na inocuidade da importante medida do STF que visa acabar com as implicações desse fracasso.

Nota da autoria
¹ por conhecer os interesses de lucro financeiro por parte de alguns políticos.

Sal Ross
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...