domingo, 20 de agosto de 2023

CURTAS 42 - ANÁLISES (câmera policial, por trás da operação escudo, STF e porte de drogas)

 

Câmera policial: onde está o problema

                As frequentes falhas operacionais das PMs em diversas situações cotidianas passam impressão de brutalidade gratuita que deprecia a sua eficiência funcional. O que pode estar ligado a alguma insuficiência, suscitando debate entre especialistas em segurança pública no apontamento de fatores e a busca de soluções.
                O debate não é tão recente quanto parece. A segurança pública brasileira também é um serviço subinvestido e entra na margem das ligações poderosas entre políticos e o crime organizado. Mas o foco deste artigo pesa na questão dos recursos operacionais.
                Possíveis fatores – a segurança pública é um serviço essencial mal investido. No Rio, PMs são alcunhados robocop com tanques de guerra nas operações coletivas e agem com violência sobre quem não tem como se defender. A paramentação serve mais como máscara de qualificação profissional deteriorada do que de proteção.
                Para especialistas, a deterioração qualitativa é pautada a partir do comandante. A violência policial resultante consolida nos populares temor e dúvida sobre seu trabalho. É aí que vemos o valor de um recurso agora obrigatório em alguns Estados, inclusive em São Paulo e Rio de Janeiro, campeões em letalidade.
                Câmera policial – ela foi projetada para proporcionar um trabalho policial de inteligência, com objetivo de facilitar a identificação de suspeitos em um cenário, antes da ação final de captura. Minúscula, ela é instalada no colete da farda de forma quase discreta, mas com boa amplitude de captação do cenário.
                Normalmente comum na América do Norte, Europa e China, a câmera policial visa delimitar a conduta dos PMs durante as situações críticas. Porém, no Brasil há espaço para polêmicas que fazem pleno sentido.
                Polêmicas – além da violência, outro dado comum nos relatos dos moradores da comunidade de Guarujá é os PMs tinham câmeras. Ao reduzirem os relatos a “uma narrativa”, o governador e seu secretário de segurança pública oportunizam nos investigadores a suspeita de que os PMs as desligam para agirem ao arrepio da lei.
                Nesse ínterim, o seu uso se torna de vigiar o ir e vir dos cidadãos ao invés de inibir o mau profissional. Faz sentido, principalmente se a mesma for desligada nas entradas nas favelas sem que os moradores saibam disso.
                Enfim... – polêmicas à parte, é certo que a câmera policial foi desenvolvida para proporcionar operações mais inteligentes e bem menos letais, talvez comparáveis às médias verificadas nos continentes citados.
                A vigilância da liberdade dos indivíduos é um efeito colateral do objetivo do uso da câmera policial que é facilitar a identificação de pessoas em conduta suspeita em cenário movimentado. Portanto, o problema não está de fato no aparelhinho, e sim em como o policial vai agir em decorrência do que identificou nas imagens.
                O mesmo se pode dizer sobre o citado desligamento ilegal para se permitir ação mal intencionada. Portanto, mais uma vez, o problema não é a presença (ou não) da câmera, mas a intenção e a conduta assumidas pelo policial.

Para saber mais
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Por trás da chacina de Guarujá

                A chacina policial de Guarujá ainda rende na mídia. Entre as causas, a “satisfação” do governador Tarcísio e a negação das 19 mortes pelo secretário de segurança Derrite. A felicidade de ambos gerou suspeita sobre os objetivos reais da ação dos PMs, e salienta a vivacidade do ideal bolsonarista de “bandido bom é bandido morto”.
                Afinal, a vingança por morte de PM numa comunidade foi motivo real, ou pretexto a encobrir outro objetivo mais obscuro? É o que veremos a seguir.
                Operação Escudo – a mídia fez a patuleia entender que a operação Escudo foi a ação da PM de vingança pela morte de um colega assassinado em uma comunidade. Mas, na verdade, ela camuflou operação de busca e apreensão de armas pela PF ocorrente em outra comunidade, a Vila da Noite.
                Durante essa operação na Vila da Noite, o agente da PF Thiago Selling foi baleado na cabeça. Foi levado a um hospital na Baixada Santista, e agora foi transferido para hospital da capital paulista. Esse fato tem relação com um problema que chama a atenção para possibilidades da expansão continuada de milícias.
                Milícias – formadas por ex-militares expulsos (polícias, bombeiros e FFAA), as milícias ganharam mais poder e liberdade no governo Bolsonaro, sob o manto do extremismo ideológico. Com 70% do RJ em mãos, elas atuam como verdadeira holding, que pode ser exportada para outros estados, assumindo características regionais.
                Para especialistas em segurança pública, a chacina policial em Guarujá pode ser porta aberta para instauração de milícia na Baixada Santista, por conta de mercados ilegais preexistentes na área do porto de Santos, alvos da PF. A milicianização (domínio de áreas por milícia) é uma ameaça que deve ser reconhecida – se já não for efetiva.
                Ela se torna uma consequência da bolsonarização política no Estado, que já se revela nas falas de Tarcísio, que vê a letalidade como “efeito colateral do combate ao tráfico de drogas”, discurso adotado pelo bolsonarismo. E ainda vale destacar que Tarcísio é do Rio de Janeiro, reduto eleitoral dos Bolsonaro, por sua vez tão ligados a milicianos.
                Efeito nefasto – o efeito mais direto da milicianização das comunidades é a ampliação do tráfico de armas de uso restrito a agentes militares. Mas é pior ainda sobre os moradores de comunidades dominadas, pois os riscos de violência letal e de intimidações podem piorar com as extorsões constantes.
                E, em caso de batidas futuras da PF nas comunidades para busca e apreensão das armas e suas respectivas munições, o risco de mortes de inocentes ligadas a confrontos operacionais pode ser ainda maior. O modus operandi de milicianos difere muito do feito pelos traficantes – ainda que as duas partes sejam igualmente criminosas.
                Quando vai parar? – ainda não foi estabelecido prazo para o fim da operação Escudo da PF e da PM. Até o momento, segundo a mídia, alguns quilos de drogas e munições de armamentos mais comuns foram apreendidos pela PM. As armas de uso mais restrito ainda não foram localizadas nas comunidades onde houve intervenção.
                Se para a PF importa apreender as armas contrabandeadas, para a PM importa a intimidação. E, para os moradores, importa a busca interminável pela paz em meio à eterna apreensão com a proximidade da morte aleatória e gratuita – mesmo que por breves momentos.

Para saber mais
https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2023/08/15/delegado-da-pf-e-baleado-na-cabeca-durante-acao-policial-em-comunidade-de-guaruja-sp.ghtml 
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A inocuidade da descriminalização

                
Ao contrário do que parece, o Brasil tem sustentado uma das legislações mais rígidas do mundo no que se refere aos psicoativos ilícitos. E foi graças a essa rigidez que uma tese popular exerce força até hoje: “o traficante de drogas só existe porque existe quem usa”. Uma tese bem aproveitada pela polícia para justificar seus atos.
   
            
Eis que, tantas décadas depois, o STF deu ganho à descriminalização do porte individual de até 60 gramas de psicoativos ilícitos, criando uma linha divisória mais visível entre o usuário e os diferentes estratos do tráfico (da “mula” mais pobre, que transporta a droga encomendada e lucra pouco, à abastada e politizada¹ cúpula).
                Tipos de usuários – neste artigo vale uma classificação própria de usuários: o estrito e o partícipe. O estrito só quer uma recreação regular, geralmente em casa, sozinho ou com seus iguais. O partícipe é o que se associa ao tráfico, com ou sem contatos com a polícia ou com políticos. Os estritos poderão relaxar com a decisão do STF. Mas não deveriam.
                Dificuldades – é certo que a maciça maioria dos usuários estritos recreativos regulares siga o dispositivo à risca. Mas não devem relaxar, pois é obrigatório que saibam da capacidade de rastreio da polícia sobre o itinerário da “mula”. Se o usuário for da mesma comunidade dominada pelo vendedor, a nova lei pode ser inócua.
                Transgressores – seja pelo STF (por inércia ou interesse do legislativo) ou pelo congresso, cada nova lei tem seus transgressores já prontos. A polícia será a primeira a transgredir a lei, sempre a depender da localização da residência e da condição étnica e socioeconômica do usuário.
                O ministro Alexandre de Moraes pontuou esse comportamento policial, que também contamina o setor do judiciário em favor dos usuários de classes mais abastadas e brancos que portavam quantidades muito maiores de psicoativos ilícitos, e punindo não-brancos mais pobres com bem menos de 60 gramas de drogas.
                Ele pontuou também que, além do perfilamento social e étnico, a criminalização do usuário pela polícia tem sido favorável ao próprio tráfico, por ser mais difícil capturar os traficantes de fato e, para mostrar serviço, ela se vale do meio mais fácil, que é acusar um simples usuário de tráfico de drogas. Um modus operandi muito comum.
                Inocuidade – embora explícita e correta, a afirmativa de Moraes não atingirá as autoridades policiais, que costumeiramente tem anuência dos governos estaduais para agir na já sabidamente fracassada guerra às drogas.
                Enquanto não se investir pesado na reeducação das polícias, o fracasso da guerra às drogas se perpetuará em futuras vidas inocentes perdidas, bem como na inocuidade da importante medida do STF que visa acabar com as implicações desse fracasso.

Nota da autoria
¹ por conhecer os interesses de lucro financeiro por parte de alguns políticos.

Sal Ross
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