O terremoto Delgatti
Enquanto a CPI do MST
termina no previsível fracasso dos satélites bolsonaristas da Câmara, em 17/8 a
CPMI do 8/1 caminha para a história. Uma testemunha bem "especial" foi convocada a explicar sua participação. Diferente dos demais que mentiram ou se silenciaram (o motivo pode ser ameaça), esse depoente "rugiu". E Brasília estremeceria mais do que já
treme há anos.
O tectonismo político se
revela desde o golpe de 2016, passando pela execução de Marielle no Rio, a
prisão de Lula em Curitiba e com a revelação da verdadeira face dos obscuros e
sombrios bastidores políticos para o grande público a partir de mídias
independentes e tendo, por trás das escuras cortinas, um personagem que teria o
ápice de notoriedade na presente CPMI do 8/1.
Vaza-Jato - em abril de 2018, o então ex-presidente Lula fora
condenado em 1ª instância por Sérgio Moro em Curitiba e na 2ª instância pelo
TRF-4 no caso tríplex de Guarujá. Depois, Gabriela Hardt substituiu Moro para condenar
Lula no caso sítio de Atibaia, no famoso “julgamento Ctrl c + Ctrl v”,
em que adaptou o texto do tríplex.
Em ambos, Lula foi
condenado por “fatos indeterminados”, por falta de provas. Após a eleição
presidencial de Bolsonaro houve o estouro midiático que revelou irregularidades
judiciais envolvendo o então juiz Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan
Dallagnol na Lava-Jato. O furo foi alcunhado de Vaza-jato.
A alcunha se deve no
vazamento de diálogos entre Moro e Dallagnol em furo investigativo do The
Intercept Brasil (TIB), então com Glenn Greenwald e Leandro Demori no time.
Para manter seu espaço público sem melindrar Moro, a mídia hegemônica
encostou-se ao TIB maquiando a matéria. E faria um furo no furo.
Um hacker no caminho – foi a grande mídia que descobriu que o furo
investigativo da Vaza-jato contou com a ajuda de uma terceira pessoa,
ocultada pelos jornalistas do TIB para ter o máximo possível de informes.
Iniciado em março, o tremor se intensificou em Brasília a partir da Vaza-jato.
Este colaborador não saiu
dos escritórios do tribunal curitibano que condenou Lula. Ele é um gênio da
ciência da informação e da computação. Um hacker – profissional de TIC
especialista em escavar os segredos da internet e monitorar via
rede as vulnerabilidades dos aplicativos em PCs e smartphones.
Walter Delgatti Neto –ele seria apenas mais um anônimo profissional das
TICs em casa ou algum escritório de Araraquara (SP), não fosse o seu
protagonismo inicialmente discreto, mas decisivo no furo da Vaza-jato, e também
depois, durante o governo Jair Bolsonaro. Se viu pisando num campo muito minado
e foi perseguido e preso.
Preso, perdeu a namorada e
o emprego. No período de 2019-22 só foi citado esporadicamente em matérias
requentadas da mídia. Até aparecerem matérias sobre seus encontros com a
bolsonarista crônica Carla Zambelli.
Um valente na CPMI – diferente de antes, Walter estava sem barba. A cara “limpa” transpareceu segurança e determinação de expor tudo, para
contribuir com as investigações. Suas respostas eram claras e diretas.
Expôs nomes de
protagonistas dos planos de fraude eleitoral – inclusive militares, como Mauro
Cid e o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira – e na criação de fake news
para fomentar a barbárie de 8/1. E deixou claro que tudo foi a pedido do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que até prometeu protege-lo judicialmente no
período eleitoral.
Foi o ápice do terremoto. A
senadora Damares Alves ameaçou Delgatti sobre o risco de vida que este se
encontra agora. E Sérgio Moro quis se vingar dele pela exposição das mensagens
e áudios da Vaza-jato, após o depoente chama-lo de “criminoso contumaz".
Condenado – agora, Delgatti foi condenado a 20 anos de prisão
por ter cometido crime cibernético. A mando de quem, não sabemos, pois foi
muito esquisito e rápido. Mas é fato que, graças ao seu depoimento que tremeu a
base bolsonarista, Delgatti fez a sua parte: mesmo criminoso, revelou com
valentia outros criminosos no plenário.
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Operação Spoofing: o boi de piranha
No decorrer da CPMI do 8/1,
a lista de culpados cresce paulatinamente com o pente-fino dos governistas e
independentes, não importa o refúgio do silêncio. Enquanto a geral ansiosa
acompanha o suspense relativo ao futuro do ex-presidente, na plenária os
parlamentares citados vão dando nomes aos bois.
Ao todo já são 9 nomes,
entre civis e militares, presos preventivamente até o momento. E segue mais
gente na fila da prisão. O hacker Walter Delgatti é o preso mais
recente.
Colaboração valente – convocado no dia 17/8, Delgatti foi o depoente mais
ousado. Mesmo ligeiramente nervoso em alguns momentos, o jovem não hesitou em
dar os nomes aos bois em todos os dados por ele expostos, e não temeu o senador
Sérgio Moro, rotulando-o de “criminoso contumaz”.
Com a credibilidade
dissolvida pelo ácido da Vaza-jato do The Intercept Brasil, o
parlamentar se melindrou e retaliou à fala. Precisou o presidente da CPMI Artur Maia
ser firme ao conter os dois. Delgatti ironizou as “escusas” do ex-juiz.
Condenação – a despeito da grande relevância do depoimento
prestado na CPMI, Delgatti foi condenado a 20 anos de prisão. O veredicto foi
determinado pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília. Detalhe:
a condenação foi relativa à operação Spoofing da PF, que gerou muito alvoroço.
Spoofing – o nome inglês da operação significa “falsificação
tecnológica de rede ou pessoa criando uma falsa veracidade”. Não literalmente,
mas tem esse sentido. Segundo investigações, o vazamento de mensagens de várias
autoridades ocorreu por uso de um provedor de VoIP (voz sobre IP), supondo ação
de hackers.
Sergio Moro, Deltan
Dallagnol, Jair Bolsonaro, Davi Alcolumbre, Raquel Dodge e Rodrigo Maia
aparecem entre os nomes atingidos. E foi a partir dessa invasão, pela qual
numerosas mensagens suspeitas de lava jatistas vieram à tona, que surgiu o furo
da Vaza-jato do TIB, em 2019.
Claro que Delgatti não fez
algo defensável. Invadir contas privadas de outrem é basicamente um crime, pois
há ofensividade comparável com a da invasão de domicílio. Mas houve um proveito
aí: promoveram desinformação sobre a profissão de hacker visando a
geração de mais um motivo de pânico moral entre a população.
Na prática, o hacker
é antes de tudo um profissional programador e especialista em internet. Big
techs como Microsoft, Macintosh. Google, Adobe e outras contratam esses
profissionais para testarem as qualidades, os defeitos e o nível de
vulnerabilidade de aplicativos e sites da internet. Mas há os
mal-intencionados, claro.
Forte suspeita – a condenação de Delgatti a um tempo comparável a de
crimes hediondos como estupro, sequestro, feminicídio, homicídio qualificado e
tráfico nos traz algumas luzes. A maioria dos juristas é lavajatista. E daí, a
forte suspeita de que foi motivada por vingança – por sinal, algo palpável,
em especial em Moro e nos Bolsonaro.
Não foi por acaso o “aviso”
– na verdade, uma ameaça direta – da agora senadora Damares Alves nos momentos
finais do depoimento de Delgatti. Este com certeza vai requerer proteção. Não
contra o judiciário ou outro inimigo, mas contra o séquito do bolsonarismo – e dos
Bolsonaro. Afinal, sabe que é o boi de piranha por desvendar importantes podres da nossa história recente.
Sal Ross
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