Antes
sempre midiatizada como uma das capitais estaduais dotadas de um dos litorais
mais bonitos do Nordeste, Maceió viria a se tornar palco de tristes notícias,
como o aumento da violência urbana que acomete toda a região. Mas não é só
isso: ela veio ao noticiário como palco de uma tragédia.
Da descoberta
de sal-gema à Braskem
A geologia brasileira teve um boom com a descoberta de jazidas de grande
interesse petrolífero e petroquímico no Nordeste, graças ao petróleo na bacia
potiguar. E outro recurso mineral foi encontrado no litoral: o sal-gema, cuja
natureza se seguirá descrita.
Antes da Braskem - em Maceió, a extração de sal-gema pelas petroquímicas se iniciou em 1947. Mas a industrialização local só ocorreu em 1970, pela inaugurada Salgema Indústrias Químicas. Mesmo com alertas das autoridades ambientais, o governo militar e políticos regionais autorizaram a atividade que, mais tarde impactaria áreas que deveriam ser proibitivas.
Como o histórico bairro Bebedouro, um dos berços de Maceió; a lagoa Mundaú e o verde dos manguezais de entorno no bairro Mutangi e outros bairros vizinhos, como Pinheiros. Todos muito populosos. E tudo correu na base de muita censura, corrupção e vigilância do SNI sobre trabalhadores.
E
surge a Braskem –
foi em 2002, tendo a BR e a construtora Novonor (ex-Odebrecht) como as
principais acionistas. Patrocinou eventos como BBB pregando suposta
sustentabilidade encobrindo a atividade contrária. E, pagando muito bem as
autoridades, ela invalidou denúncias de ambientalistas nesse tempo. Até chegar
2018.
Sismo
e geologia
Em 2018, um sismo
subsuperficial de 2,5 mR¹ atingiu 5 bairros vizinhos, entre eles o histórico
Bebedouro e o tradicional Pinheiros gerando afundamentos pontuais no solo e rachaduras nos imóveis. O Serviço Brasileiro de Geologia relatou que,
pelas características, o tremor não é natural.
A
maior subsidência é na laguna Mundaú, cercada pelos bairros impactados e onde
está a perigosa mina 18, em risco de colapso. O relatório do SBGeo e seguidos
fatos reportados levaram a Justiça condenar a Braskem a indenizar os moradores.
A empresa se absteve de responsabilidade o quanto pode, até há pouco tempo.
A
sucessão de fatos chama a atenção para a geologia de m ambiente litorâneo com
rochas sedimentares diversas (arenito, calcarenito, conglomerado, folhelho,
calcário) somando 1 km de profundidade sobre a cobiçada – e há algum tempo
midiatizada – camada de sal-gema.
Sal-gema – sedimento salino com jazidas conhecidas em litorais
de Alagoas, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, mas de
ocorrência estimada em todo o litoral brasileiro. Desperta interesse geológico,
dada a sua composição química que diz sobre os ambientes de formação e suas
propriedades físicas.
Composto
de cloreto, carbonato ou sulfato de sódio, cálcio, magnésio e outros, o
sal-gema é um evaporito, que se precipita com a evaporação da água. Daí se
destacarem os ambientes marinhos e litorâneos de deposição das maiores jazidas
brasileiras de depósitos salinos, iniciadas em meados do Cretáceo².
Embora
se condense, ele não é tenaz como uma rocha sedimentar granular. É
viscoelástico, ou seja, ele é capaz de se deformar conforme os movimentos
tectônicos na bacia em que se encontra. E como só é possível ver as marcas
tectonossedimentares após milênios de processo, a viscoelasticidade é
igualmente vagarosa.
Erros
e reflexões
Embora tradicionalmente valiosa para a atividade extrativista, a Geologia
Econômica é frequentemente subestimada pela ambição humana. Nesse sentido,
estudos ambientais e geológicos ligados aos impactos da mineração são omitidos
pelas cúpulas das empresas envolvidas.
O
emprego de salmoura para preencher vazios minerados visando estabilização do
terreno se revelou um erro: o material não resistiu o suficiente à pressão dos citados tenazes estratos rochosos sobrejacentes. A subsidência e as rachaduras nos
imóveis e no solo continuam a progredir inexoravelmente.
O
local de extração também foi um erro. A riqueza mineral ao menos não deveria
justificar a atividade nas áreas habitadas, nem sob as lagoas. Após ligeira
diminuição da velocidade da subsidência de 0,27 para 0,25 cm horários, de 5 a
6/12 a velocidade aumentou de novo. O risco de colapso final é praticamente
irreversível.
O
antecedente de silêncio da empresa e das mídias impossibilita saber se os danos
ambientais e materiais se iniciaram antes do tremor de 2018. A julgar pelas
revelações, a Braskem sempre teve proteção dos interesses da elite acionista,
que se sobrepõem aos alertas de populares e institucionais.
Interferência – com a inevitável responsabilização da Braskem, uma
movimentação política mexeu com os alagoanos no Congresso. Enquanto Renan
Calheiros se junta aos atingidos em responsabilizar a empresa, Arthur Lira quer
jogar inteiramente a culpa no governo federal. São interesses políticos
notórios.
Enquanto
os bolsonaristas – para fazer vídeos lacradores – pensarão em convocar a
ministra Marina Silva para se explicar, o fato de Calheiros ser governista e
Lira o contrário joga o governo federal no fogo cruzado político. Se Lira vencer a parada, Lula corre sério risco de impeachment, eufemismo para golpe.
Embora
governos federais e regionais tenham boa parcela da culpa pelas permissões
irresponsáveis, não é perdoável a isenção da Braskem. Se os políticos foram
culpados por se venderem ao dinheiro sujo, a empresa o é ainda mais pela
posição corruptora e representar, em seus crimes, a face desumana do capital.
Nota da autoria
¹ mR
= magnitudes Richter, medida oficialmente empregada para medir intensidade
sísmica.
² período
de tempo geológico entre 150 e 66 milhões de anos atrás.
Para saber mais
- https://www.brasildefato.com.br/2023/12/02/o-que-e-colapso-catastrofico-e-o-que-pode-ocorrer-em-maceio-por-conta-da-mineracao-da-braskem
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-12/dramas-humanos-se-acumulam-em-tragedia-da-braskem-em-maceio
- https://www.suno.com.br/web-stories/a-historia-da-braskem/
- https://www.brasildefato.com.br/2023/12/01/maceio-decreta-estado-de-emergencia-por-risco-de-colapso-em-mina
- https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-que-sao-as-minas-de-sal-gema-da-braskem-que-colocam-maceio-sob-alerta-de-colapso/
- https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/12/02/antigo-modelo-de-extracao-de-sal-gema-e-caracteristicas-tectonicas-da-ba-podem-ter-causado-cratera-gigante-aponta-estudo.ghtml
- https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/afundamento-do-solo-em-maceio-volta-a-acelerar-e-defesa-mantem-alerta-maximo/#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20Defesa,j%C3%A1%20afundou%201%2C86%20metro
- https://www.intercept.com.br/2023/12/06/braskem-ditadura-ja-sabia-dos-riscos-mas-espionou-criticos-e-imprensa-contrarios-a-exploracao-em-maceio/
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário