A terrível privataria
prisional
Em 2017, o então governo Temer substituiu o PAC petista por um novo tipo de participação público-privada
conhecido como PPI – a mesma sigla da dolarização encarecida dos preços dos combustíveis.
PPI - Temer disse que era “um investimento mais barato”
em infraestrutura. Eufórica, a grande mídia o noticiou ser “como o PAC, mas
mais eficiente”, em clara comparação com as obras petistas inacabadas¹.
Mas,
diante de certa desconfiança pública e do seu breve governo, Temer não o
tirou do papel. Seu Jair tentou, mas foi impedido por roubo ilimitado, incompetência, muitas festas na pandemia de C19, vagabundagem, orçamento secreto e outros crimes.
Diferenças – o PPI só se parece com o PAC ao patrocinar a
infraestrutura. O investimento público inicial é leiloado para concessão
privada. Além da construção estrutural, a empresa vencedora responderá pela manutenção
e apoio operacional da estrutura pronta tornando o serviço todo privado.
Presídios – o debate sobre privataria prisional se iniciou na
era FHC, mas nunca foi adiante até 2023. Em outubro, martelada em leilão na
Bovespa avalizou concessão privada de um presídio para 1200 pessoas em Erechim
(RS) pelo governo gaúcho, com apoio do BNDES. Já haverá respingos em Brasília.
Desconfiança e protestos – o PPI já surgiu sob desconfiança, mas o clima estava
calmo por anos. Mas movimentos civis importantes estiveram atentos e assinaram moção
explicativa de repúdio à concessão, que foi classificada como perversa.
A nota menciona risco de encarceramento
em massa, criminalização dos vulneráveis, precariedade aprofundada, e ainda apontou
a iniciativa como “antinomativa e inconstitucional” e de “consequências
incontornáveis” em ordem social, estrutural, financeira,
trabalhista e de saúde.
Autores: Núcleo
Especializado de Situação Carcerária (NESC) da Defensoria Pública de SP, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Associação de Juízas e Juízes pela
Democracia (AJD), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
(Anadep); e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
Todos os motivos apontados na
nota fazem sentido, com justificativas que se seguem.
Mais gasto público – pelas regras de concessão, a empresa ganhará do Estado
R$ 233 por vaga/dia. Quanto mais lotação, mais grana. Mais lucro virá na contratação
terceirizada de apoio funcional, prevista no contrato. Cada RH terceirizado é
uma mina de ouro: pode valer até 8x o valor salarial pago pelo Estado.
Além do quadro terceirizado
poderá haver concurso público de carcereiros efetivos ou temporários. Vínculos
trabalhistas à parte, todos serão pagos pelo poder público. E daí possam vir problemas
futuros.
Problemas trabalhistas – no vínculo trabalhista privado de hoje, o imposto do
empregador substitui o negociado. Impelido pela necessidade, o trabalhador aceita
o disponibilizado. Más condições de trabalho geralmente não são reclamadas logo,
e um presídio é um ambiente altamente nevrálgico de trabalho.
Superlotação – a privataria prisional não garante controle de
lotação. Em nome do lucro haverá risco de superlotação, para obtenção de
comissões extras. Por aí certamente surgirão facções organizadas e risco de mais
doenças e violência, justificando um dos temores da citada nota de protesto.
Em suma, a privataria é o
parasitismo econômico privado travestido de serviço público. Se houve piora em outros
sistemas públicos privatizados, no sistema prisional pode ser imensurável. Parece
drama, mas não é: mesmo os melhores e bem estruturados presídios federais são
ambientes de alto risco.
É preciso que a nota chegue
às mãos do governo Lula III para que este reavalie a lei do PPI e possa aplicar
os devidos limites. Como o SUS e a educação básica, o setor prisional não pode
ser privatizado: como cerne do capitalismo, o mercado é insaciável o suficiente
para sabermos que autorregulação é lenda. Ainda mais para prisões.
Nota da autoria
¹ Dilma foi afastada por 6
meses e deposta 2,5 anos antes do término das obras do PAC II.
Para saber mais
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Uma ressocialização inversa
As imagens midiáticas de
criminosos levados para a prisão despertam reações desde o alívio para alguns o
estarrecimento em outros. Esta última reação se revela quando os capturados
debocham ou estão tranquilos. Mas talvez haja uma explicação para isso – por
mais estapafúrdia que seja.
Tortuoso abrigo – se de um lado abriga contra intempéries
meteorológicas, de outro a prisão é tão infernal quanto um campo de
concentração ou as vilas de refugiados africanos. Com raríssimas exceções, a
prisão é uma bomba-relógio. Mais ou menos perigosos, todos os presos sofrem
riscos diversos.
Como doenças
infectocontagiosas e de violência dos carcereiros ou dos colegas mais
perigosos. Pior ainda: o preso de boa conduta pode até morrer se negar
entrar em facção. O CV e o PCC surgiram nas cadeias.
As implicações
psicossociais são terríveis. E, enfim liberto, mesmo com resquícios de bons
princípios e boa intenção, o bom egresso sai remodelado e as consequências são
imprevisíveis.
Futuro incerto – por lei, o liberto (provisório ou definitivo) tem
direito ao retorno ao convívio em família e comunidade, ao trabalho e educação.
Se perder contato com os familiares, ele deve ser alojado em abrigo com comida
e repouso por pelo menos 2 meses, tempo médio estimado para resolver seu rumo.
Mas a vida real é ilegal.
Em geral, o destino dos libertos é definido pelos carcereiros. Como detentos
têm CPF e título de eleitor suspensos, RG destruído ou extraviado e celular
retido, a rua se torna o seu lar. Em BH estima-se que 20% dos moradores de rua
sejam ex-presos, mas pode haver mais.
Na rua do esquecimento, a
fome só é aplacada pela solidariedade anônima, de agentes de CRAS ou de
entidade religiosa como a católica Pastoral Carcerária. Excluídos., muitos
viram dependentes químicos e furtam algum bem ou valor para satisfazer o vício
e se anestesiar da dor profunda do infortúnio.
Se é acolhido por alguma
entidade religiosa bem intencionada, o liberto pode regenerar e renovar a sua fé, e daí ter nova
determinação para seguir um novo rumo.
Carreira religiosa – alguns libertos de fato abandonam de vez a vida
criminal aderindo-se a uma vida de fé caritativa, que acreditam ser a salvação
dos colegas ainda presos. Alguns são só fiéis voluntários, outros se tornam
líderes religiosos de carreira.
Vieses – alguns dos egressos agora pastores, pais-de-santo
ou padres permanecem na atuação puramente caritativa descrita acima. Outros,
principalmente pastores, vão pelo meio econômico. E há os que fazem os dois:
arrecadam como líderes religiosos e faturam junto a uma facção criminosa.
Os agentes carcerários
pavimentam o caminho futuro dos egressos. Mas a deficiência e a burocracia
regada a dinheiro (dias-multas de prisão) também influenciam nas incertezas que
os assaltam. Ao liberto resta a autodeterminação ferrenha para cair no
infortúnio que a prisão já proporcionou.
Para saber mais
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