domingo, 17 de dezembro de 2023

CURTAS 53 - ANÁLISES (reflexões prisionais)

 

A terrível privataria prisional

        Em 2017, o então governo Temer substituiu o PAC petista por um novo tipo de participação público-privada conhecido como PPI – a mesma sigla da dolarização encarecida dos preços dos combustíveis.
            PPI - Temer disse que era “um investimento mais barato” em infraestrutura. Eufórica, a grande mídia o noticiou ser “como o PAC, mas mais eficiente”, em clara comparação com as obras petistas inacabadas¹. 
            Mas, diante de certa desconfiança pública e do seu breve governo, Temer não o tirou do papel. Seu Jair tentou, mas foi impedido por roubo ilimitado, incompetência, muitas festas na pandemia de C19, vagabundagem, orçamento secreto e outros crimes.
            Diferenças – o PPI só se parece com o PAC ao patrocinar a infraestrutura. O investimento público inicial é leiloado para concessão privada. Além da construção estrutural, a empresa vencedora responderá pela manutenção e apoio operacional da estrutura pronta tornando o serviço todo privado.
            Presídios – o debate sobre privataria prisional se iniciou na era FHC, mas nunca foi adiante até 2023. Em outubro, martelada em leilão na Bovespa avalizou concessão privada de um presídio para 1200 pessoas em Erechim (RS) pelo governo gaúcho, com apoio do BNDES. Já haverá respingos em Brasília.
            Desconfiança e protestos – o PPI já surgiu sob desconfiança, mas o clima estava calmo por anos. Mas movimentos civis importantes estiveram atentos e assinaram moção explicativa de repúdio à concessão, que foi classificada como perversa.
            A nota menciona risco de encarceramento em massa, criminalização dos vulneráveis, precariedade aprofundada, e ainda apontou a iniciativa como “antinomativa e inconstitucional” e de “consequências incontornáveis” em ordem social, estrutural, financeira, trabalhista e de saúde.
            Autores: Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC) da Defensoria Pública de SP, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Associação de Juízas e Juízes pela Democracia (AJD), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep); e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
            Todos os motivos apontados na nota fazem sentido, com justificativas que se seguem.
            Mais gasto público – pelas regras de concessão, a empresa ganhará do Estado R$ 233 por vaga/dia. Quanto mais lotação, mais grana. Mais lucro virá na contratação terceirizada de apoio funcional, prevista no contrato. Cada RH terceirizado é uma mina de ouro: pode valer até 8x o valor salarial pago pelo Estado.
            Além do quadro terceirizado poderá haver concurso público de carcereiros efetivos ou temporários. Vínculos trabalhistas à parte, todos serão pagos pelo poder público. E daí possam vir problemas futuros.
            Problemas trabalhistas – no vínculo trabalhista privado de hoje, o imposto do empregador substitui o negociado. Impelido pela necessidade, o trabalhador aceita o disponibilizado. Más condições de trabalho geralmente não são reclamadas logo, e um presídio é um ambiente altamente nevrálgico de trabalho.
            Superlotação – a privataria prisional não garante controle de lotação. Em nome do lucro haverá risco de superlotação, para obtenção de comissões extras. Por aí certamente surgirão facções organizadas e risco de mais doenças e violência, justificando um dos temores da citada nota de protesto.
            Em suma, a privataria é o parasitismo econômico privado travestido de serviço público. Se houve piora em outros sistemas públicos privatizados, no sistema prisional pode ser imensurável. Parece drama, mas não é: mesmo os melhores e bem estruturados presídios federais são ambientes de alto risco.
            É preciso que a nota chegue às mãos do governo Lula III para que este reavalie a lei do PPI e possa aplicar os devidos limites. Como o SUS e a educação básica, o setor prisional não pode ser privatizado: como cerne do capitalismo, o mercado é insaciável o suficiente para sabermos que autorregulação é lenda. Ainda mais para prisões.

Nota da autoria
¹ Dilma foi afastada por 6 meses e deposta 2,5 anos antes do término das obras do PAC II.

Para saber mais
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Uma ressocialização inversa

    
            As imagens midiáticas de criminosos levados para a prisão despertam reações desde o alívio para alguns o estarrecimento em outros. Esta última reação se revela quando os capturados debocham ou estão tranquilos. Mas talvez haja uma explicação para isso – por mais estapafúrdia que seja.
            Tortuoso abrigo – se de um lado abriga contra intempéries meteorológicas, de outro a prisão é tão infernal quanto um campo de concentração ou as vilas de refugiados africanos. Com raríssimas exceções, a prisão é uma bomba-relógio. Mais ou menos perigosos, todos os presos sofrem riscos diversos.
            Como doenças infectocontagiosas e de violência dos carcereiros ou dos colegas mais perigosos. Pior ainda: o preso de boa conduta pode até morrer se negar entrar em facção. O CV e o PCC surgiram nas cadeias.
            As implicações psicossociais são terríveis. E, enfim liberto, mesmo com resquícios de bons princípios e boa intenção, o bom egresso sai remodelado e as consequências são imprevisíveis.
            Futuro incerto – por lei, o liberto (provisório ou definitivo) tem direito ao retorno ao convívio em família e comunidade, ao trabalho e educação. Se perder contato com os familiares, ele deve ser alojado em abrigo com comida e repouso por pelo menos 2 meses, tempo médio estimado para resolver seu rumo.
            Mas a vida real é ilegal. Em geral, o destino dos libertos é definido pelos carcereiros. Como detentos têm CPF e título de eleitor suspensos, RG destruído ou extraviado e celular retido, a rua se torna o seu lar. Em BH estima-se que 20% dos moradores de rua sejam ex-presos, mas pode haver mais.
            Na rua do esquecimento, a fome só é aplacada pela solidariedade anônima, de agentes de CRAS ou de entidade religiosa como a católica Pastoral Carcerária. Excluídos., muitos viram dependentes químicos e furtam algum bem ou valor para satisfazer o vício e se anestesiar da dor profunda do infortúnio.
            Se é acolhido por alguma entidade religiosa bem intencionada, o liberto pode regenerar e renovar a sua fé, e daí ter nova determinação para seguir um novo rumo.
            Carreira religiosa – alguns libertos de fato abandonam de vez a vida criminal aderindo-se a uma vida de fé caritativa, que acreditam ser a salvação dos colegas ainda presos. Alguns são só fiéis voluntários, outros se tornam líderes religiosos de carreira.
            Vieses – alguns dos egressos agora pastores, pais-de-santo ou padres permanecem na atuação puramente caritativa descrita acima. Outros, principalmente pastores, vão pelo meio econômico. E há os que fazem os dois: arrecadam como líderes religiosos e faturam junto a uma facção criminosa.
            Os agentes carcerários pavimentam o caminho futuro dos egressos. Mas a deficiência e a burocracia regada a dinheiro (dias-multas de prisão) também influenciam nas incertezas que os assaltam. Ao liberto resta a autodeterminação ferrenha para cair no infortúnio que a prisão já proporcionou.

Para saber mais
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