segunda-feira, 25 de março de 2024

CURTAS 69 - ANÁLISES (ditadura: Lula x STF)

 

Na democracia, memória negada

            Estamos em março. A maioria nem se dá conta, mas este mês passou a ter não só um, mas dois fatos históricos importantes. Um deles se deu em 31/3 e faz 60 anos, e outro no dia 20/3, bem mais recente. O objetivo deste artigo é trazer à memória o valor sociopolítico deles.
            Golpe de 1964 – em 1960, Brasília já nasceu com crise política. Em 61, meses após a posse, Jânio Quadros renunciou e seu vice Jango assumiu e enfrentou a crise. Mas, em sua momentânea ausência, os milicos declararam vaga a presidência da República e roubaram o poder em 1964.
            O golpe-surpresa surgiu em Juiz de Fora (MG), mas o povo só soube após ver abastados e ultracristãos o festejarem no centro-sul carioca e em Brasília. Daí nasceu o regime de terror pró-capital acordado entre milicos, grandes empresas e elite, para eliminar os críticos ao stablishment.
            A cada novo achado, o número de vítimas da ditadura se altera. Só de mortos são mais de 9 mil contando indígenas, e ainda não se sabe de quantos desaparecidos. Os milicos sádicos morreram impunes: nem a CNV¹ de 2012 se moveu. O clima de dívida às vítimas se mantém.
            Festa militar – entre 2019-22, Bolsonaro publicou “ordem do dia” permitindo a comemoração do golpe nos quarteis. Os milicos sorriram de satisfação. De volta ao poder, Lula revogou tal ordem e frustrou os milicos ao suspender a festinha.
            Veto de Lula– no seu festivo retorno, Lula esperançou as vítimas do passado após revogar a festa militar. Filho de Jango, João Vicente Goulart propôs o Manifesto pela Democracia, por questão de memória às vítimas do golpe, com apoio de Flávio Dino e Silvio Almeida. 
            Os ex-ministros propuseram a criação de um memorial do governo. O MPF recomendou reinstalar a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995 e extinta por Bolsonaro em 2022, para abrir nova CNV.
            Lula assentiu com a PGR, mas vetou o manifesto: “não vamos remoer o passado”, alegou, argumentando que nas casernas não haverá mais comemoração de 1964.  João Vicente  acusou a “política do esquecimento”, o que é grave, dado  o valor histórico do tema. Mas, vale refletir sobre as intenções do governante.
            Quem tem razão? – de fato, a crítica dos Goulart foi ecoada em outras vozes na esquerda. O governante disse que "não quer melindrar os militares". É uma  afirmativa horrível, mas  compreensível, dada a relação historicamente tensa  com a caserna, mesmo havendo milicos legalistas e respeitadores do poder civil.
            Assim, ela soa compatível e sincera, mas também passa a impressão de que a sobrevivência do seu governo dependesse inteiramente de um acordo de pacificação forçada entre as partes. Mas vale outro desagrado, ou melhor, incoerência.
            Entre as vítimas sobreviventes da ditadura estão vários políticos do PT, Psol, PCdoB e e até na centro-direita. Como José Genoíno, José Dirceu, Ivan Valente, Dilma Rousseff e o próprio Lula, que foi preso por ter liderado uma greve histórica no ABC paulista em 1980.
            Entendemos a razão conciliadora ou pessoal de Lula na negativa.  No voto, ele estancou a sangria tanatófila de Bolsonaro e, para governar, precisa manter uma boa relação com a bolsonarizada caserna. Por fora, o bolsonarismo segue pleno, entre neopentecostais e as redes sociais.
            Mas a razão maior é dos sobreviventes daquele golpe. Até a Covid também foi usada como instrumento indireto da campanha de golpe em todo o governo Bolsonaro. Vaidades governamentais à parte, vale mais um manifesto por verdade, justiça e memória.

Nota da autoria
¹ Comissão Nacional da Verdade, que funcionou como tribunal informal que só puniu, simbolicamente, o torturador Brilhante Ustra.
 
Para saber mais
- https://www.poder360.com.br/todas-noticias/ (Lula veta eventos críticos ao golpe de 1964 contra tensão com militares)
https://www.youtube.com/watch?v=Ga3WqRFWKM8 (Meteoro – governo ia pedir desculpas às vítimas, mas Lula não deixou)
----

Memorial sim, militarismo não

            À frente do MJSP, Flávio Dino foi tão ativo que preocupou sua família devido a seus problemas de saúde. Deixou a pasta após federalizar o caso Marielle, reforçar recursos estaduais para as polícias, e mandar a PF caçar bruxos do 8/1 e apreender armas ilegais. E ainda verbalizou a criação de um memorial pelas vítimas do golpe de 1964.
            De Silvio – a proposta de memorial partiu do ministro Silvio Almeida (Dir. Humanos e Cidadania) com a proximidade de 2024, quando se completam 60 anos de um golpe sanguinários que ceifou milhares de vidas e rasgou direitos sociais e políticos, e já esperando manifestos pró-democracia combinados em redes sociais.
            Sem dúvida, seria um marco positivo para o governo Lula, cuja popularidade está em queda.
            Da beleza inicial à negação – o retorno de Lula não só sepultou a continuidade de execução política de Bolsonaro, como presenteou a patuleia com a simbologia cênica da subida na rampa com a esposa Janja, representantes do mosaico popular e a cadela Resistência – nome dado em homenagem à vitória eleitoral da democracia.
            Vieram junto as esperanças dos líderes de movimentos pró-democráticos de que as vítimas da ditadura militar fossem homenageadas de alguma forma. Mas logo veio a retumbante negativa do presidente para “não remoer o passado”.
            Sua razão conciliatória foi exposta no texto anterior, mas mantêm a péssima cultura do militarismo antidemocrático.
            Memoriais – variam de simples obelisco antigo numa avenida moderna, museus de acervos de referências distintas até centros históricos inteiros, com ruínas, casarios e templos íntegros, praças e ruas em estado original, para fins educativos ou turísticos.
            Na real, o brasileiro não se desprovê totalmente de identidade histórica. O problema é a construção elitista que aprecia nomes vindos de classes dominantes omitindo o protagonismo de figuras de segmentos rejeitados em fatos históricos decisivos.
            Monarquistas atuais se espelham nas benfeitorias do II Império em nichos elitistas das capitais e povoados próximos, em detrimento das periferias abandonadas, da miséria e do isolamento dos habitantes do interior. Não é elitismo proposital, é falta de conhecimento mais amplo.
            Fria análise – a razão conciliatória do governante em recusar manifestos contra o golpe de 1964(se militares não podem comemorar, não vale remoer o passado) foi exposta no artigo anterior. Mas há outra justificativa: a de participação.
            Iniciados no exterior, manifestos populares organizados nas redes estão confirmados para 27/3, com militantes do PT no bolo. Mas Lula não entrará. O coletivo de João Vicente Goulart, filho de Jango, pode se juntar sem problema, se quiser.
            Recusar participação reforça a razão conciliatória de Lula, mas não justifica a recusa em homenagear as vítimas da ditadura militar. As vítimas da Covid ganharam memorial póstumo pelo Senado, e o governo (M. Saúde) vai criar o seu próprio.
            Os parentes das vítimas do golpe não querem muito do governo. Basta criar uma placa com inscrições, ou um decreto que reconheça data específica em memória das mesmas. Ignorar a importância de um dos fatos mais obscuros da nossa história é mais do que um esquecimento injusto, é fortalecer a impunidade que beneficia o militarismo antidemocrático.

Para saber mais
----




























sexta-feira, 8 de março de 2024

ANÁLISE: Cristofascismo penal

 

Cristofascismo penal

                No blog há artigos sobre o crescimento do evangelismo gospel no Brasil, extensivo ao sistema penitenciário, onde compartilha o resgate com a pioneira Pastoral Carcerária da Igreja Católica. Só que se sobrepõe a esta nos últimos anos, como reflexo natural da expansão geral que torna os gospels a mais importante minoria religiosa com, por exemplo, privilégios políticos injustos.
                Um rolo compressor – a expansão de um a religião se conjuga com recuo de outra. No Brasil, o acolhimento mais direto aos fiéis foi um fator crucial de crescimento. O outro é a permissão protestante de carreira política interferente na laicidade e alavanca de maior poder político-ideológico e econômico que se ligou ao nazifascismo, com consequências desconhecidas e perigosas.
                Nos presídios, ontem e hoje – até seus crimes sexuais serem revelados, o pastor Marcos Pereira iniciou a evangelização gospel nos presídios do RJ, nos anos 1990. Sua midiática entrada em celas lotadas lhe deu sucesso e grana, e convenceu muito preso a abandonar o crime.
                Entrar em celas não é inédito: os católicos o fizeram com igual eficiência. Pereira tanto encorajou sucessores bem-intencionados quanto abriu portas para empresários da fé que há mais de 30 anos lideram, dentro e fora da política, a pressão gospel que atinge no destino dos presídios e dos presos.
                Se muitos seguem vida honesta, os mais poderosos cursam “Teologia” para fundarem igrejas nas comunidades por eles dominadas determinando, mesmo presos, que bandidos evangélicos expulsem praticantes de fé africana. O Complexo de Israel no Lins¹ é um exemplo famoso.
                MG, recente – com forte domínio católico, Minas Gerais não escapou à expansão gospel. Incialmente discretos, os líderes gospels têm expressado intolerância à fé e aos ritos africanos em tradições católicas mineiras como Folia de Reis e Congadas.
                Apesar do nome originalmente episcopal, a igreja Batista da Lagoinha (BH) da família Valadão tem caráter neopentecostal e se destaca nos ataques ao histórico centro de matriz africana no mesmo bairro. Como em outros Estados (BA, RJ, SP, RS, DF) a intolerância em MG cresceu muito.
                Não é por menos: essa igreja é uma das organizações neopentecostais bolsonaristas que encontraram força inaudita na reeleição de Zema ao governo estadual, cujo rumo destrutivo segue ainda mais agressivo contra poderes públicos essenciais e direitos humanos (DHs).
                Dificuldades – a CF-1988 propõe educação prisional para remissão penal e assistência religiosa facultativa. A Lei de Execução Penal (LEP) e a Resolução CNJ 391/2021 reforçam e regulamentam o princípio constitucional. Só que há um sério problema histórico, de origem muito provavelmente proposital: descaso para fins bem antigos de privatização.
                Esse direito é incipiente, e agora a matéria investigativa da Agência Pública revela uma bizarrice avalizada pelo governo Zema, a partir dos informes de psicólogos e assistentes sociais penais, familiares dos presos e egressos da prisão.
                Literatura barrada – se antes a literatura era uma distração normal de detentos de prédios sem atividade produtiva, agora familiares visitantes têm livros retidos por agentes penitenciários logo na entrada. Estes alegam “não haver autorização superior, só Bíblia e autoajuda”. Prática e resposta comuns a numerosos presídios do Estado.
                Além disso, a matéria registra o lamento de assistentes sociais nas unidades abordadas. A diretora de Ensino e Profissionalização do Depto Penitenciário do Estado (Depen-MG) disse que o setor “zela pela diversidade literária disponível aos presos” e que desconhece “quaisquer registros de censura”. Estranho ela desconhecer evidente descalabro.
                Fria análise – o Depen-MG devia cumprir os princípios legais em vigor. Muitas das prisões mineiras não têm estante de livros. Segundo uma assistente social penal com 15 anos de atuação, muitos policiais penais creem que literatura laica “desperta a consciência”, arriscando “comprometer a ordem e a segurança” – daí só se permitir bíblias.
                A mesma profissional disse já ter atuado em outra unidade, em setor de ressocialização voltado ao povo LGBTQIA+, em 2019, e notou a mesma coisa: para os policiais, "qualquer ação que envolva prazer, satisfação e conforto aos apenados incomoda a segurança custodial". Sobre os diretores prisionais, ela disse desconhecer a conduta sobre isso.
                Má qualificação policial – é compreensível que os policiais penais se veem como responsáveis pela guarda e segurança nos presídios. Isso é verdade, sem dúvida. Mas se resumir a essa função revela – ou pode revelar – uma qualificação inadequada desses profissionais nos cursos de formação por que passam antes de assumir os postos definitivos.
                Outro sinal muito ligado a essa qualificação inadequada é a antiga visão de que a única função dos presídios é moral, “servir como castigo”, para que o preso veja que “o crime não compensa”. Em geral, se perguntados sobre colegas que praticam ilegalidades ou crimes, eles em geral se calam por não terem argumento convincente ou consciência.
                Em parte, essa visão reduzida de presídios como meros depósitos de gente em castigo reforçado por carências é alimentada pelo desenho de tantas unidades prisionais Brasil afora, sem espaços escolares e/ou de ocupação intelectual e/ou produtiva. São amontoados horizontais ou verticais de celas lotadas de pessoas que se revezam para comer e dormir.
                É um problema persistente na segurança pública em geral: a maioria dos policiais crê que sua função é reprimir uma pessoa ao identificar possível conduta suspeita, e distinguir popular inocente de criminoso real. Uma ilusória visão social do herói de farda.
                Crimes como corrupção e letalidade policial contra inocentes ou por motivo torpe nos faz imaginar que muitos deles preferem ignorar a lei, a Carta Magna e a cartilha obrigatória de Direitos Humanos e Cidadania.
                Mas, concernente ao tema deste artigo, a bolsonarização das igrejas gospels brasileiras – e das polícias – degrada a função real das unidades prisionais que deveria ser a de ressocializar. E a própria religião deixa de ressocializar para criar novas turbas de cristofascistas em nome da extrema-direita, o que só servirá para perpetuar a barbárie que nem o Velho Oeste viu.

Nota da autoria: ¹ Complexo comunitário abordando Meier e Cachambi, na zona norte carioca

Para saber mais
-----
                







quinta-feira, 7 de março de 2024

CURTAS 68 - ANÁLISES (mídias)

 

Mídia e o holocausto israelita

            Assim como acusou o Hamas de terrorismo por matar mais de 1000 numa boate de Gaza, Lula criticou a desmedida resposta israelense que se voltou contra mulheres, crianças e idosos, que são mais de 2/3 do total superior a 30 mil palestinos mortos pelo absurdo da guerra iniciada em 7/10/23, segundo Heloisa Vilela, do ICL Notícias.
            Na Cúpula da União Africana na Etiópia, Lula fez crítica pesada, mas verídica a Israel pelo progressivo genocídio palestino em Gaza e Cisjordânia, comparando, em certa medida, com o Holocausto nazista. Mais de 100 países lhe deram razão. Mas não aqui, e nem em Israel, onde Netanyahu teve umchilique.
            Chilique pró-sionista – após o chilique do premiê Nethanyahu, jornalões e políticos congressistas brasileiros se parafusaram e exigiram do presidente pedido de desculpas a Israel, como o citado premiê. Lula recusou, e depois deixaria claro que não blefou uma palavra sequer.
            Tática nazistóide – o início foi o confinamento de 2 milhões de palestinos no sul de Gaza, sem água, comida, abrigo e energia. Imagens de despejos sistemáticos com residências demolidas e plantações destruídas na Cisjordânia correram o mundo. E novo horror marcou essa semana.
            Massacre da Farinha – do ar e em terra, um tiroteio-surpresa alvejou centenas de palestinos em fila para ter comida oferecida em caminhões de ajuda humanitária. Mais de 110 morreram de balas e mais de 700 se feriram também pelo pisoteio da correria sequente: é o Massacre da Farinha.
            O vídeo aéreo deu voltas no mundo e despertou comoção global e aqui. Mas não nos nossos jornalões, que passaram pano a partir dos títulos: “confusão e correria mataram mais de 100 palestinos”, “ataque gera confusão e mais de 100 morrem”, “mais de 100 palestinos morrem em fila de ajuda humanitária”, etc.
            Nos textos correntes, a grande mídia brasileira ainda continuou a apoiar Israel a omitir sua própria culpa pelo massacre: em geral, a colocação é que “as causas reais das mortes ainda precisarão ser apuradas”. Detalhe:  se evita o termo Massacre da Farinha, que nomeia o fato pelo contexto da oferta de alimentos por alguns dos caminhões de ajuda humanitária.
            Comparações holocáusticas – fora da África, os palestinos superaram os curdos (etnia de fé islâmica rejeitada em alguns países do Oriente Médio). Após a repercussão da fala de Lula, novo vídeo viral compara vítimas palestinas com as judias da era nazista.
            Não é intento deste blog julgar, até porque se trata de um vídeo criado para circular em redes sociais, como tantos outros hoje em dia. Mas, mesmo a grosso modo, este suscita reflexão sobre as muitas e claras semelhanças entre o genocídio de 80 anos atrás e o de 2023-4.
            Como na Alemanha nazista, no Israel moderno as escolas doutrinam as crianças para desumanizar etnias não dominantes em respectivo. Essas crianças aprendem a acreditar que os palestinos “já nascem terroristas”. Daí crianças e mulheres serem 70% das vítimas do genocídio.
            Portanto, mesmo sem mencionar a palavra exata, a comparação de Lula foi certeira. Só atrasou, mas foi oportuna no presente conflito. Se existe quem deveria ter vergonha de si mesmo é o próprio Netanyahu, que se ofendeu com a punhalada da verdade.
            Embora hoje sustente o bolsonarismo – e o capitalismo –, a aliança Israel-cristianismo com a extrema-direita não justifica a vergonhosa relativização da dor palestina (e de outros povos historicamente negligenciados) frente ao que com muita clareza cursa no atual conflito. É Holocausto, sim. Aceitem que dói menos.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=lFJDH6rEMjI. (Meteoro – críticas à mídia hegemônica brasileira)
- https://www.youtube.com/watch?v=V7oVzD0nga0 (ICL Notícias – mídia brasileira esconde os verdadeiros culpados)
- https://www.youtube.com/watch?v=7r3Al6_4Bm0 (Meteoro – Lula sobe o tom contra Israel)
- https://iclnoticias.com.br/lula-propoe-mocao-pelo-fim-do-genocidio-em-gaza/ (ICL Notícias – Lula propõe o fim do genocídio em Gaza)
----

Nossa contradita big mídia

            Fala-se muito de “mídia hegemônica” ou jornalão. O Globo, Estadão, Folha de SP, O Dia e Veja são exemplos muito conhecidos. Algumas são também emissoras de rádio e TV. Domina também a web, onde há crescente número de mídias de pequeno porte.
            Não é só aqui: é global. O acesso irrestrito à internet constantemente aprimorada na comunicação propiciou a explosão de noticiosos de todos os tamanhos, objetivos, óticas interpretativas e direções ideológicas. Uma verdadeira miscelânea jornalística.
            Peso externo – a diversidade midiática é um reflexo do leque informativo na web, que interfere na dinâmica jornalística. Daí as forças de teor ideológico e da opinião pública positiva ou negativa atuando sobre a imprensa. Quanto maior o porte da corporação, maiores são essas forças. Daí o Globo e Estadão serem campeões brasileiros no quesito.
            Forças ideológicas – quanto mais diversa é a imprensa num país, maior é o leque ideológico, em três naturezas: religiosa, econômica e sociopolítica. Elas coexistem, mas uma pode dominar o teor das matérias noticiadas.
            O mercado financeiro impõe o teor das notícias econômicas, fazendo a patuleia entender as matérias como “positivas” a ela (que depende de poderes públicos), mas que na prática defendem Estado mínimo e privataria geral, e sobrevalorizam lucros acionários recordes.
            As fontes alternativas contradizem a hegemônica ao revelar a realidade dos mais pobres, ocultada pelo sobrevalor mercadológico enfatizado pelos seguidos recordes de lucro acionário dos grandes grupos econômicos que mandam no mercado.
            Religiosa – normal em teocracias, ela ganha lugar em países laicos onde a extrema-direita se liga a segmentos religiosos específicos. A mídia sofre pressão para redigir matérias que defendam as instituições religiosas como decisórias em ações estatais, mas também em favor neoliberal.
            No Brasil, a associação político-religiosa permeou na imprensa ao ponto de alcançar matérias muito delicadas. Como o genocídio no Oriente Médio, interpretado como “autodefesa” israelense pelos líderes cristãos e bolsonaristas, a partir da distorção da relação cristianismo-Israel.
            Esse parágrafo explica porque a grande mídia brasileira tem poupado Israel de culpa nos crimes de guerra e se virou contra Lula, que acusou o governo Netanyahu de genocídio tal como o nazismo. E as fontes independentes de pequeno porte se voltaram contra as grandes.
            Os cristãos gospels se acreditam “os escolhidos de Deus para a Terra Prometida de Israel”, e acreditam na suposta incompatibilidade entre cristianismo e esquerda – visão muito sustentada pela extrema-direita e, discretamente, pelo caráter mercantilista da grande mídia.
            Esse parágrafo explica porque cresceu o desaprove ao governo Lula depois do presidente acusar Israel de genocídio: de 56 para 62%, segundo pesquisa mais recente da Genial Quaest e outras instituições de pesquisa.
            Sociopolítica – é também histórica, a partir da importância mais realista, direta e popular dada aos fatos das chamadas fontes alternativas contra hegemônicas, assim chamadas por sempre contradizer o status quo da grande mídia, em correlação de forças contrárias. Ela move o jornalismo investigativo, em todas as mídias de todos os portes.
            O jornalismo investigativo descobre e elucida sujeiras da elite econômica e dos poderes públicos, e seu valor é inversamente proporcional ao pequeno porte das muitas fontes contra hegemônicas online, em geral mais à esquerda ou socialdemocratas, que vivem da ajuda de assinantes. Daí essas fontes incomodarem a grande mídia, dado o crescente espaço de acessos online.
            Por ele soubemos da Vaza-Jato que ajudou a inocentar Lula das condenações; dos programas israelenses utilizados na era 2019-22 para espionar adversários e aliados que “sabiam demais”, vigiar educadores estaduais e camponeses; da venda, através do programa Córtex, da venda de dados de milhões de brasileiros a bandidos tornados CACs desde 2020; e muito mais.
            Mas a grande mídia tem premiado seus leitores com importantes matérias investigativas sobre os Bolsonaro: os 107 imóveis, a ligação dos mesmos com milicianos, bandidos tornados CACs pelas Forças Armadas e outros crimes tão obscuros quanto graves.
            Fria análise – a correlação de forças entre os jornalões e as fontes alternativas socialdemocratas ou de esquerda é um processo saudável da democracia. Por ele, fica mais claro e possível o debate de informações, desde que tenha havido acesso de tais fontes pelos debatedores.
            O domínio da força sociopolítica em fontes contra hegemônicas confronta a natureza mercadológica das hegemônicas. Mas nisso ainda se desvela uma luta difícil, pois os jornalões ocupam o maior espaço de informação jornalística há muitas décadas, e têm quadro profissional mais conhecido. É mais fácil uma pessoa conhecer William Bonner do que Chico Sá.
            Fontes online de pequeno porte de extrema-direita são contra hegemônicas quanto ao espaço a conquistar e na exploração (mais eficiente) da visão popular dos fatos, com linguagem frequentemente sensacionalista. Mas defendem, como a hegemônica, Estado mínimo e a atuação de Israel, por exemplo.
            O reconhecimento dos fatos sobre a ofensiva israelense se tornou um triunfo da contra hegemonia midiática sobre as seguidas omissões dos jornalões. Por outro lado, porém, temas delicados como esse influem, com variada gravidade, na manutenção das contradições e da força dos jornalões, mesmo sem razão.

Para saber mais
- https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5133 (artigo da revista IBICIT em ciência da comunicação, de 2020)
----


            



















CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...