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Cristofascismo
penal
No
blog há artigos sobre o crescimento do evangelismo gospel no Brasil,
extensivo ao sistema penitenciário, onde compartilha o resgate com a pioneira
Pastoral Carcerária da Igreja Católica. Só que se sobrepõe a esta nos últimos
anos, como reflexo natural da expansão geral que torna os gospels a mais
importante minoria religiosa com, por exemplo, privilégios políticos injustos.
Um
rolo compressor –
a expansão de um a religião se conjuga com recuo de outra. No Brasil, o
acolhimento mais direto aos fiéis foi um fator crucial de crescimento. O outro
é a permissão protestante de carreira política interferente na laicidade e
alavanca de maior poder político-ideológico e econômico que se ligou ao
nazifascismo, com consequências desconhecidas e perigosas.
Nos
presídios, ontem e hoje –
até seus crimes sexuais serem revelados, o pastor Marcos Pereira iniciou a
evangelização gospel nos presídios do RJ, nos anos 1990. Sua midiática entrada
em celas lotadas lhe deu sucesso e grana, e convenceu muito preso a abandonar o
crime.
Entrar
em celas não é inédito: os católicos o fizeram com igual eficiência. Pereira
tanto encorajou sucessores bem-intencionados quanto abriu portas para
empresários da fé que há mais de 30 anos lideram, dentro e fora da política, a
pressão gospel que atinge no destino dos presídios e dos presos.
Se
muitos seguem vida honesta, os mais poderosos cursam “Teologia” para fundarem
igrejas nas comunidades por eles dominadas determinando, mesmo presos, que
bandidos evangélicos expulsem praticantes de fé africana. O Complexo de Israel
no Lins¹ é um exemplo famoso.
MG,
recente – com forte domínio
católico, Minas Gerais não escapou à expansão gospel. Incialmente discretos, os
líderes gospels têm expressado intolerância à fé e aos ritos africanos
em tradições católicas mineiras como Folia de Reis e Congadas.
Apesar
do nome originalmente episcopal, a igreja Batista da Lagoinha (BH) da família
Valadão tem caráter neopentecostal e se destaca nos ataques ao histórico centro
de matriz africana no mesmo bairro. Como em outros Estados (BA, RJ, SP, RS, DF)
a intolerância em MG cresceu muito.
Não
é por menos: essa igreja é uma das organizações neopentecostais bolsonaristas
que encontraram força inaudita na reeleição de Zema ao governo estadual, cujo
rumo destrutivo segue ainda mais agressivo contra poderes públicos essenciais e
direitos humanos (DHs).
Dificuldades – a CF-1988 propõe educação prisional para remissão
penal e assistência religiosa facultativa. A Lei de Execução Penal (LEP) e a
Resolução CNJ 391/2021 reforçam e regulamentam o princípio constitucional. Só
que há um sério problema histórico, de origem muito provavelmente proposital: descaso para fins bem antigos de privatização.
Esse
direito é incipiente, e agora a matéria investigativa da Agência Pública revela
uma bizarrice avalizada pelo governo Zema, a partir dos informes de psicólogos e
assistentes sociais penais, familiares dos presos e egressos da prisão.
Literatura
barrada – se antes a literatura
era uma distração normal de detentos de prédios sem atividade produtiva, agora
familiares visitantes têm livros retidos por agentes penitenciários logo na
entrada. Estes alegam “não haver autorização superior, só Bíblia e autoajuda”.
Prática e resposta comuns a numerosos presídios do Estado.
Além
disso, a matéria registra o lamento de assistentes sociais nas unidades abordadas.
A diretora de Ensino e Profissionalização do Depto Penitenciário do Estado
(Depen-MG) disse que o setor “zela pela diversidade literária disponível aos
presos” e que desconhece “quaisquer registros de censura”. Estranho ela desconhecer evidente descalabro.
Fria
análise – o Depen-MG devia cumprir
os princípios legais em vigor. Muitas das prisões mineiras não têm estante de
livros. Segundo uma assistente social penal com 15 anos de atuação, muitos
policiais penais creem que literatura laica “desperta a consciência”, arriscando
“comprometer a ordem e a segurança” – daí só se permitir bíblias.
A mesma profissional disse já ter atuado em outra unidade, em setor de ressocialização voltado ao povo LGBTQIA+, em 2019, e notou a mesma coisa: para os policiais, "qualquer ação que envolva prazer, satisfação e conforto aos apenados incomoda a segurança custodial". Sobre os diretores prisionais, ela disse desconhecer a conduta sobre isso.
Má
qualificação policial – é
compreensível que os policiais penais se veem como responsáveis pela guarda e
segurança nos presídios. Isso é verdade, sem dúvida. Mas se resumir a essa
função revela – ou pode revelar – uma qualificação inadequada desses
profissionais nos cursos de formação por que passam antes de assumir os postos
definitivos.
Outro
sinal muito ligado a essa qualificação inadequada é a antiga visão de que a
única função dos presídios é moral, “servir como castigo”, para que o
preso veja que “o crime não compensa”. Em geral, se perguntados sobre colegas
que praticam ilegalidades ou crimes, eles em geral se calam por não terem
argumento convincente ou consciência.
Em
parte, essa visão reduzida de presídios como meros depósitos de gente em castigo
reforçado por carências é alimentada pelo desenho de tantas unidades prisionais
Brasil afora, sem espaços escolares e/ou de ocupação intelectual e/ou produtiva.
São amontoados horizontais ou verticais de celas lotadas de pessoas que se
revezam para comer e dormir.
É
um problema persistente na segurança pública em geral: a maioria dos policiais crê
que sua função é reprimir uma pessoa ao identificar possível conduta suspeita,
e distinguir popular inocente de criminoso real. Uma ilusória visão social do herói
de farda.
Crimes
como corrupção e letalidade policial contra inocentes ou por motivo torpe nos faz
imaginar que muitos deles preferem ignorar a lei, a Carta Magna e a cartilha
obrigatória de Direitos Humanos e Cidadania.
Mas,
concernente ao tema deste artigo, a bolsonarização das igrejas gospels
brasileiras – e das polícias – degrada a função real das unidades prisionais que
deveria ser a de ressocializar. E a própria religião deixa de ressocializar
para criar novas turbas de cristofascistas em nome da extrema-direita, o que só
servirá para perpetuar a barbárie que nem o Velho Oeste viu.
Nota da autoria: ¹
Complexo comunitário abordando Meier e Cachambi, na zona norte carioca
Para saber mais
- https://apublica.org/2024/02/so-entra-autoajuda-e-biblia-presidios-barram-literatura-para-detentos/.
- https://jus.com.br/artigos/95961/religiao-e-prevencao-criminal
(Jus Navigandi, Teresina, 2022)
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