sexta-feira, 8 de março de 2024

ANÁLISE: Cristofascismo penal

 

Cristofascismo penal

                No blog há artigos sobre o crescimento do evangelismo gospel no Brasil, extensivo ao sistema penitenciário, onde compartilha o resgate com a pioneira Pastoral Carcerária da Igreja Católica. Só que se sobrepõe a esta nos últimos anos, como reflexo natural da expansão geral que torna os gospels a mais importante minoria religiosa com, por exemplo, privilégios políticos injustos.
                Um rolo compressor – a expansão de um a religião se conjuga com recuo de outra. No Brasil, o acolhimento mais direto aos fiéis foi um fator crucial de crescimento. O outro é a permissão protestante de carreira política interferente na laicidade e alavanca de maior poder político-ideológico e econômico que se ligou ao nazifascismo, com consequências desconhecidas e perigosas.
                Nos presídios, ontem e hoje – até seus crimes sexuais serem revelados, o pastor Marcos Pereira iniciou a evangelização gospel nos presídios do RJ, nos anos 1990. Sua midiática entrada em celas lotadas lhe deu sucesso e grana, e convenceu muito preso a abandonar o crime.
                Entrar em celas não é inédito: os católicos o fizeram com igual eficiência. Pereira tanto encorajou sucessores bem-intencionados quanto abriu portas para empresários da fé que há mais de 30 anos lideram, dentro e fora da política, a pressão gospel que atinge no destino dos presídios e dos presos.
                Se muitos seguem vida honesta, os mais poderosos cursam “Teologia” para fundarem igrejas nas comunidades por eles dominadas determinando, mesmo presos, que bandidos evangélicos expulsem praticantes de fé africana. O Complexo de Israel no Lins¹ é um exemplo famoso.
                MG, recente – com forte domínio católico, Minas Gerais não escapou à expansão gospel. Incialmente discretos, os líderes gospels têm expressado intolerância à fé e aos ritos africanos em tradições católicas mineiras como Folia de Reis e Congadas.
                Apesar do nome originalmente episcopal, a igreja Batista da Lagoinha (BH) da família Valadão tem caráter neopentecostal e se destaca nos ataques ao histórico centro de matriz africana no mesmo bairro. Como em outros Estados (BA, RJ, SP, RS, DF) a intolerância em MG cresceu muito.
                Não é por menos: essa igreja é uma das organizações neopentecostais bolsonaristas que encontraram força inaudita na reeleição de Zema ao governo estadual, cujo rumo destrutivo segue ainda mais agressivo contra poderes públicos essenciais e direitos humanos (DHs).
                Dificuldades – a CF-1988 propõe educação prisional para remissão penal e assistência religiosa facultativa. A Lei de Execução Penal (LEP) e a Resolução CNJ 391/2021 reforçam e regulamentam o princípio constitucional. Só que há um sério problema histórico, de origem muito provavelmente proposital: descaso para fins bem antigos de privatização.
                Esse direito é incipiente, e agora a matéria investigativa da Agência Pública revela uma bizarrice avalizada pelo governo Zema, a partir dos informes de psicólogos e assistentes sociais penais, familiares dos presos e egressos da prisão.
                Literatura barrada – se antes a literatura era uma distração normal de detentos de prédios sem atividade produtiva, agora familiares visitantes têm livros retidos por agentes penitenciários logo na entrada. Estes alegam “não haver autorização superior, só Bíblia e autoajuda”. Prática e resposta comuns a numerosos presídios do Estado.
                Além disso, a matéria registra o lamento de assistentes sociais nas unidades abordadas. A diretora de Ensino e Profissionalização do Depto Penitenciário do Estado (Depen-MG) disse que o setor “zela pela diversidade literária disponível aos presos” e que desconhece “quaisquer registros de censura”. Estranho ela desconhecer evidente descalabro.
                Fria análise – o Depen-MG devia cumprir os princípios legais em vigor. Muitas das prisões mineiras não têm estante de livros. Segundo uma assistente social penal com 15 anos de atuação, muitos policiais penais creem que literatura laica “desperta a consciência”, arriscando “comprometer a ordem e a segurança” – daí só se permitir bíblias.
                A mesma profissional disse já ter atuado em outra unidade, em setor de ressocialização voltado ao povo LGBTQIA+, em 2019, e notou a mesma coisa: para os policiais, "qualquer ação que envolva prazer, satisfação e conforto aos apenados incomoda a segurança custodial". Sobre os diretores prisionais, ela disse desconhecer a conduta sobre isso.
                Má qualificação policial – é compreensível que os policiais penais se veem como responsáveis pela guarda e segurança nos presídios. Isso é verdade, sem dúvida. Mas se resumir a essa função revela – ou pode revelar – uma qualificação inadequada desses profissionais nos cursos de formação por que passam antes de assumir os postos definitivos.
                Outro sinal muito ligado a essa qualificação inadequada é a antiga visão de que a única função dos presídios é moral, “servir como castigo”, para que o preso veja que “o crime não compensa”. Em geral, se perguntados sobre colegas que praticam ilegalidades ou crimes, eles em geral se calam por não terem argumento convincente ou consciência.
                Em parte, essa visão reduzida de presídios como meros depósitos de gente em castigo reforçado por carências é alimentada pelo desenho de tantas unidades prisionais Brasil afora, sem espaços escolares e/ou de ocupação intelectual e/ou produtiva. São amontoados horizontais ou verticais de celas lotadas de pessoas que se revezam para comer e dormir.
                É um problema persistente na segurança pública em geral: a maioria dos policiais crê que sua função é reprimir uma pessoa ao identificar possível conduta suspeita, e distinguir popular inocente de criminoso real. Uma ilusória visão social do herói de farda.
                Crimes como corrupção e letalidade policial contra inocentes ou por motivo torpe nos faz imaginar que muitos deles preferem ignorar a lei, a Carta Magna e a cartilha obrigatória de Direitos Humanos e Cidadania.
                Mas, concernente ao tema deste artigo, a bolsonarização das igrejas gospels brasileiras – e das polícias – degrada a função real das unidades prisionais que deveria ser a de ressocializar. E a própria religião deixa de ressocializar para criar novas turbas de cristofascistas em nome da extrema-direita, o que só servirá para perpetuar a barbárie que nem o Velho Oeste viu.

Nota da autoria: ¹ Complexo comunitário abordando Meier e Cachambi, na zona norte carioca

Para saber mais
-----
                







Nenhum comentário:

Postar um comentário

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...