sábado, 27 de abril de 2024

ANÁLISE: Saúde Federal, futuro incerto

 

       Brasil, 1985. As TVs mostravam, pela 1ª vez, cenas da crise na saúde pública. Acompanhado da mídia, o ex-ministro Alceni Guerra entrou num grande hospital carioca e culpou os servidores que nele trabalhavam. O ministro saiu sem resolver nada e implantou um folclore anti-servidor entre a patuleia.
            Brasil, 2024. Na hoje cobiçada pasta da Saúde, a ministra Nísia Trindade demonstra força e fragilidade. As respostas precisas na Câmara revelam a força, e pressões contrárias da imprensa, Centrão e servidores revelam o contrário.
            No artigo Um monstro chamado Ebserh (3/4) se disserta sobre o possível futuro de institutos nacionais (INs) e hospitais federais (HFs) do Rio de Janeiro, cuja crise de décadas só passou a ser explorada pela mídia neste ano.
            Mas, na falta de afirmação oficial, cada nova notícia de intervenção do governo na saúde federal gera um temor entre os servidores dessas instituições sobre seu futuro de carreira e de emprego. E veio bomba em pleno feriado de São Jorge.

Hospital Federal de Bonsucesso

            Localizado no bairro Bonsucesso, zona norte do Rio de Janeiro, o HFB é referência em várias especialidades médicas no SUS, como hospital geral. Entre bons e maus momentos, milhões de cidadãos, entre cariocas e os de fora, foram e são nele atendidos, sob uma gestão sempre pública.
            Após repercussão da reportagem do Fantástico sobre a crise da saúde federal, a gestão do HFB foi entregue “do nada” a gestores do Grupo N. S. Conceição, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do Rio Grande do Sul.
            Segundo consta no seu site, o GHC é um grupo privado, mas considerado referência em atender a pacientes do SUS, bem como aos conveniados a outros planos de saúde.
            Os servidores e outros funcionários foram pegos de surpresa. Não houve comunicação oficial, nem no DOU. Em Brasília, o governo não se pronunciou, o que levanta uma forte suspeita de irregularidade na transferência, já começando pelo protagonismo.
            Helvécio – o responsável pela transferência de gestão é Helvécio Miranda Magalhães Jr. Ele foi demitido da direção do HFB por acusação de tráfico de influência ao contratar empresa para serviços de Almoxarifado, Farmácia e Administração. A acusação foi divulgada na mídia.
            Em seus grupos privados online, servidores revelavam indignação. Não sem razão. Helvécio ocupou a direção do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Min. Saúde do RJ, mas foi demitido após a supracitada denúncia midiática.

Pressões

            Antes da notícia da entrega do HFB ao GHC, servidores da saúde federal fizeram assembleias que lotaram auditórios das instituições, exercendo pressão sobre Brasília. O troca-troca no DGH é um reflexo inicial dessa pressão, dada a incerteza geral.
            Foi realizada uma reunião das entidades representantes de servidores com deputados do PSOL que, na tribuna, já se pronunciaram pelos servidores da CPST. O partido publicou nota contrária ao plano do governo de estudar novas formas de gestão da saúde federal, exercendo pressão adicional sobre o governo.
            Com isso, a ministra Nísia Trindade concedeu entrevista coletiva. Ela negou a municipalização ou estadualização da gestão dos HFs como solução para a crise dos mesmos, mas não esclareceu sobre qualquer novo modelo, como Ebserh, Ministério da C&T, ou participação público-privada (PPP).
            Em nota em rede social, em resposta a servidores da Saúde Federal, o ex-secretário de Saúde Daniel Soranz disse "não haver possibilidade de (os HFs) serem serem estadualizados ou municipalizados" alegando complexidade dos serviços (tais unidades são de alta complexidade, que por lei é dever federal).

Institutos

            Embora o foco midiático tenha se centrado no destino dos HFs, os institutos nacionais (INs) podem não estar imunes a destinos parecidos. A generalização “saúde federal” pelo governo acaba por incluí-los implicitamente, e onde há fumaça há fogo, segundo o dito popular.
            Ao menos uma hipótese foi ventilada: a de o INCA ser gerido por participação público-privada (PPP), mas Brasília não confirmou nem negou, e não se falou mais nisso. Nos demais INs, o silêncio ensurdece os servidores como uma bomba. Enquanto isso, uma hipótese pode ser desenhada.
            É a  hipótese de os INs serem geridos pela Ebserh, por terem ensino, pesquisa e extensão, e recursos próprios. Os servidores do INCA são carreira C&T, o que os servidores dos demais INs de certa forma esperam ser. 
            Mas essa hipótese também não se confirma entre o próprio governo, e tanto nos INs quanto nos HFs, os servidores compartilham a mesma expectativa.
            Como já citado naquele artigo supramencionado, o fato de a Ebserh ser uma empresa pública não garante a segurança jurídica da estadia dos servidores estatutários, e pode ainda potencializar os efeitos do assédio moral nos ambientes de trabalho, dadas as diferentes formas de vínculo empregatício e diferenças salariais.

Fria análise

            Em que pese tudo o que foi exposto neste artigo, a incerteza momentânea é a rainha absolutista para as instituições citadas e os servidores estatutários. A entrega do HFB para o privado GHC sem oficialidade aparente aumenta a chance de privatização nas demais unidades.
            Quanto aos servidores públicos, não importa se a carreira é PST (previdência, saúde e trabalho, que luta pela reestruturação da carreira), ou C&T: todos compartilham os mesmos sentimentos de apreensão, expectativa e incerteza a respeito de seus destinos.
            Enquanto seguidos governos do pós-ditadura – de José Sarney a Lula 3 – tratam melhor as carreiras de escalões mais altos, os PST travam uma luta dupla: além da reestruturação, à qual Nísia parece favorável, agora lutam pela manutenção da gestão pública da saúde federal.
            Vale relembrar: a Saúde Federal foi erigida para fornecer serviços de alta complexidade no âmbito da saúde pública, e como prevê a própria Carta Magna de 1988, a sua gestão é de âmbito federal.
            Os principais fatores interferentes na qualidade dos serviços de saúde são subinvestimento e má gestão local ou federal, e não os servidores públicos, que por sua vez descobrem e denunciam os problemas enfrentados, mas sofrem na relação com o povo devido à posição midiática, empresarial e governamental.
            Seria o mais certo a boa vontade política, se é que ela existe, para a indicação de um gestor público interessado na concretização de uma gestão pública eficiente e pró-SUS na saúde federal do Rio de Janeiro, com interesse na valorização dos servidores públicos e realização de concursos públicos.
            Mas, como dizem: de boas intenções o inferno está cheio, e não é por acaso que o espírito empresarial se infiltrou em todas as instâncias públicas, colocando o Estado refém do mercado. Mas, não podemos nunca nos esmorecer, pois a situação nos leva à luta, por questão de sobrevivência e resistência. O governo tem sido nosso oponente, até prova em contrário.
            E, como já dizia Che Guevara, "hasta la victoria".

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sexta-feira, 26 de abril de 2024

CURTAS 71 - ANÁLISES (EUA pouco libertário, decoro ideológico)

 

Censura no Brasil e a real dos EUA

            Com a CF-1988, a nação brasileira finalmente se viu livre de qualquer amarra da Censura do golpe de 21 anos. O fim da censura também libertou a imprensa. As pessoas finalmente podem expressar seu pensamento sem temor. 
            A liberdade de expressão se revela a partir de um debate de ideias e nas notícias de escândalos políticos. Matérias do tipo investigativo de bastidores antes segredados passaram a ser expostos ao público. Mas, não haveria muita garantia, na prática.
            Censura ilegal – é que logo os primeiros incomodados dos meios poderosos começaram a se manifestar. Recentemente, a mídia investigativa Agência Pública sofreu um revés judicial (ilegal) a mando do poderoso Arthur Lira.
            Matérias denunciando os supostos crimes de Lira foram tiradas do ar sub judice, como a entrevista da ex-mulher sobre violência doméstica e sexual, e malversações com recursos públicos em Alagoas. A censura inconstitucional se mantém.
            Agora surge nova trama, com outros personagens.
            Elon Musk x Xandão – por conta do inquérito das milícias digitais, o trilhardário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) resolveu interferir nas ações do STF, depois que este mandou cortar diversos perfis falsos ligados à extrema-direita.
            Xandão endureceu com a interferência ilegal que foi defendida por parlamentares bolsonaristas e do pastor Malafaia. Enviados de Musk compareceram à Câmara com mentiras depois desmentidas pelos próprios. E aí entra outro personagem.
            Glenn Greenwald – vivendo entre Brasil e EUA, Glenn tem um currículo jornalístico invejável. No Intercept Brasil, ele protagonizou matéria sobre Edward Snowden e a espionagem política dos EUA, e a nossa Vaza-Jato, que oportunizou a liberdade de Lula. Mas enfrentou persecução.
            A persecução sofrida pelo Intercept se deveu ao bolsonarismo e não ao STF. Pelo contrário: os ministros sabem do valor da Vaza-Jato. Hoje Glenn atua em outras fontes, como a Fox News, a Jovem Pan dos EUA com suas falácias.
            E foi nessas fontes que Glenn passou a negar certas verdades e defendeu Musk acusando Xandão de censura ao mandar banir perfis do X no país. E, com isso deu munição aos antigos inimigos: os bolsonaristas.
            Bolsonaristas nos EUA – um grupo de parlamentares bolsonaristas foi aos EUA para se queixar da “ditadura judiciária de esquerda” no Brasil. O Pentágono impediu aquele chorume no recinto, e restou a eles discursar na rua vazia.
            Os bizarros bolsonaristas não se emendam. Com base no caso Julian Assange, criador do site WeakLeaks preso no Reino Unido, a liberdade de imprensa estadunidense é, no mínimo, bem contradita. E por um motivo simples.
            Sigilo da fonte e direito de resposta – com ajuda do hacker Walter Delgatti, a Vaza-Jato do Intercept foi possível no Brasil bolsonarizado graças a dois princípios constitucionais: o sigilo da fonte e o direito de resposta.
            O sigilo da fonte é proteção em caso de reportagem investigativa, por exemplo. Ele evita retaliação de pessoas na trama investigada contra os jornalistas ou a mídia, que pode usar, sub judice ou não, direito de resposta se necessário.
            Com fins lícitos, o trabalho jornalístico é ferramenta poderosa de informação. Por fim lícito se entende o objetivo de se obter, desvendar e divulgar informações sem desqualificar personagens constados nas reportagens obtidas.
            O sigilo da fonte, o direito de resposta e a objetividade lícita são princípios da liberdade de mídia no Brasil. A nossa lei permite a liberdade responsável de imprensa, em que há equilíbrio entre os jornalistas e os alvos da reportagem.
            Liberdade nos EUA – é aí que mora a diferença de conceito de liberdade entre o Brasil e os EUA. A legislação de lá não reconhece o sigilo da fonte e o direito de resposta. E aí podemos entender melhor o caso WekLeaks.
            Do jornalista Julian Assange, o WeakLeaks é como o Intercept: o mundo soube das más intenções da política externa dos EUA ao descobrir documentos secretos. Preso no Reino Unido, Assange pode ser extraditado aos EUA, onde será punido com a perpétua.
            Ao não reconhecer os dois princípios citados, a legislação dos EUA já cerceou várias atividades jornalísticas locais. O conceito de liberdade de mídia lá não reconhece, de certa forma, o direito de resposta. Daí haver alguns fatos polêmicos.
            Como o manifesto de neonazistas em guetos de judeus por lá. O que, na lógica histórica é uma contradição. Diferente daqui, lá o nazismo não é crime – até por coerência com a intolerância étnica e religiosa ainda forte por lá.
            Devido a isso, nos parece incompreensível o conceito de liberdade responsável de expressão nos EUA: um parece ter mais poder em detrimento do outro. Na prática, é exatamente essa realidade de lá que o Brasil bolsonarizado entende como liberdade.
 
Para saber mais
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Decoro, questão ideológica

            Já repararam que, no tribunal ou no Congresso, juízes e presidentes sempre pedem ordem quando há conflitos nos respectivos recintos? Pois é. Essa ordem que eles pedem é o que se chama de decoro.
            Ele designa uma atitude civilizada e respeitosa que devemos um com o outro em ambientes sociais, não importando, assim, quaisquer tipos de diferenças individuais, culturais e políticas. No congresso é o decoro parlamentar.
            Quem testemunhou a Constituinte de 1988 percebeu o nível de civilidade dos parlamentares de variadas escolaridades e ideologias. Foi o Congresso mais adequado para o mais alto feito para a consolidação democrática.
            Não que a paz fosse absoluta naquela legislatura. Mas os conflitos eram bem mais civilizados do que vemos hoje.
            Queda do decoro – foi a partir dos anos 2010 que percebemos uma queda mais sensível do decoro parlamentar, com um estranho viés. Após 3 décadas vimos o retorno da extrema-direita a atacar a centro-esquerda democrática (2003-2016).
            A partir de 2014 vimos o cristofascismo e a escatologia agressiva na legislatura. Com Bolsonaro na presidência, o Congresso atingiu a atual fase civilizatória abaixo da crítica. Nem nomes da direita democrática escapam às agressões.
            Alguns parlamentares de esquerda passaram a responder à altura, mas sem perder o decoro. Como o pastor Henrique Vieira (PSol-RJ), que usa filosoficamente o cristianismo para justificar seu viés progressista que o destaca da bancada bíblica.
            Glauber x bolsonaristas – com seu poder reativo, a minoria governista de esquerda busca compensar a desvantagem numérica em relação aos bolsonaristas, de distintas formas. Se petistas debocham, psolistas usam o bom combate.
            O maior exemplo é Glauber Braga (PSOL-RJ). Ele tem vários PLs de autoria única, que indicam boa produção parlamentar. Mas a sua persona combativa gerou muitos desafetos, como os extremistas e o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
            Não por acaso, ele é um dos vários nomes da esquerda com processos no Conselho de Ética da Câmara. Agora, ele responde a novo processo. Só que, antes de entrar nele, vale relembrar o protagonismo de Eduardo Bolsonaro.
            Baixaria na sessão – em meados de 2023 ocorreu uma sessão num dos auditórios da Câmara. Ressoou, inaudível, uma fala do deputado Marcon (PT-RS), que despertou Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a três fileiras de cadeiras atrás.
            A reação de Eduardo já foi grosseira antes de ir para cima de Marcon: “vou te pegar no teu saco!”. Foi então que Marcon teria dito “facada fake”, em alusão à controvérsia do fato com Bolsonaro de 2018. Aí o bicho pegou.
            O filho do ex-presidente avançou até a fileira de Marcon e foi contido pelos presentes para não ir às vias de fato. Ele depreciou o petista com exclamações ameaçadoras e homofóbicas, e palavrões urogenitais impublicáveis aqui.
            Caso Costenaro – se a franqueza aberta marca os psolistas em geral, Glauber vai para cima. Ele protagonizou a cena recente de expulsar da Câmara um rapaz branco, alto e bem vestido de nome Gabriel Costenaro.
            Mídias como Revista Oeste, Veja e O Antagonista tentaram vilanizar o deputado, incentivando a demanda do PL e do líder do MBL¹ na Câmara Kim Kataguiri (UB-SP) no protocolo do processo contra o psolista fluminense.
            A vilanização foi criada por edição do vídeo em que os dois personagens se confrontam, envoltos pela pequena multidão de servidores da casa, assessores e parlamentares. Mas, quem é Gabriel Costenaro?
            Influencer violento – paulista, Gabriel Costenaro de Sousa é um influencer militante do MBL, do qual vieram à vida política Kim Kataguiri, Guto Zacarias, Artur do Val, Renan Santos, Fernando Holiday e Diogo Garcia.
            Assim como Renan (fundador do MBL), Gabriel Costenaro é influencer de extrema-direita com milhares de seguidores. Ele não tem carreira política, mas é filiado ao partido Novo de Romeu Zema e Marcel Van Hatten.
            Seu estilo lembra o de Wilker Leão por abordar os políticos. Mas se Leão se valeu de certo toque memético, Costenaro é mais agressivo e direto. Foi dessa forma algo violenta que se desenrolou o confronto entre ele e Glauber.
            Confrontos com Glauber – embora o vídeo viralizado pela grande mídia só mostre o deputado mais nervoso e expulsando Gabriel , a verdade pode não ser exatamente essa. O contexto do vídeo deve ser entendido na história do MBL.
            O MBL já praticou ataques moralistas a diversos manifestos artísticos e culturais fechados e abertos, alegando cunho religioso e “contra a família”. Podcasts de influencers banidos por ordem do STF, como Monark, já revelam o caráter agressivo e extremista do movimento.
            Glauber conta que ele e um militante do Psol foram antes assediados por Costenaro numa rua do Rio, com ameaças contra suas respectivas mães, e acrescenta que o mesmo tem processos por agressão a uma estudante e uma funcionária da UFPR, e violência doméstica. De fato há links disponíveis no Google.
            Fria análise – vale ressaltar, antes de tudo, que este artigo só pretende pôr a balança em prática. As condutas de Glauber e Eduardo foram infelizes, mas a daquele teve legitimidade. E só Glauber está respondendo a processo por indecoro.
             Esse "2 pesos, 2 medidas" se explica. Glauber incomoda gente do Centrão e da extrema-direita. Arthur Lira é desafeto dele e vê o momento como oportuno para enfraquecer o governo Lula ao tirar um líder governista.
            Mas ele dificilmente será cassado, por risco institucional. A patuleia já percebeu as injustiças no Legislativo, e outros parlamentares podem compensar expondo as más intenções do Centrão e dos bolsonaristas.
            O decoro parlamentar deixou de ser questão de civilidade para virar pretexto ideológico, não só para voltar o bolsonarismo ao poder, mas também para desestabilizar o governo vigente ao ponto de impeachment. O buraco é mais embaixo do que pensamos.

Nota da autoria
¹ Movimento Brasil Livre, de viés cristofascista, criado por jovens paulistanos de classe média-alta.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2023/04/curtas-26-analises-munduruku-dino.html (Curtas 26, com o último artigo sobre o caso Dudu Bolsonaro).
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...