Brasil,
1985. As TVs mostravam, pela 1ª vez, cenas da crise na
saúde pública. Acompanhado da mídia, o ex-ministro Alceni Guerra entrou num
grande hospital carioca e culpou os servidores que nele trabalhavam. O ministro saiu sem resolver
nada e implantou um folclore anti-servidor entre a patuleia.
Brasil,
2024. Na hoje cobiçada pasta da Saúde, a ministra Nísia
Trindade demonstra força e fragilidade. As respostas precisas na Câmara revelam
a força, e pressões contrárias da imprensa, Centrão e servidores revelam o
contrário.
No
artigo Um monstro chamado Ebserh (3/4) se disserta sobre o possível
futuro de institutos nacionais (INs) e hospitais federais (HFs) do Rio de
Janeiro, cuja crise de décadas só passou a ser explorada pela mídia neste ano.
Mas,
na falta de afirmação oficial, cada nova notícia de intervenção do governo na
saúde federal gera um temor entre os servidores dessas instituições sobre seu
futuro de carreira e de emprego. E veio bomba em pleno feriado de São Jorge.
Hospital Federal de Bonsucesso
Localizado no
bairro Bonsucesso, zona norte do Rio de Janeiro, o HFB é referência em várias especialidades médicas
no SUS, como hospital geral. Entre bons e maus momentos, milhões de cidadãos, entre cariocas e os de fora, foram e são nele
atendidos, sob uma gestão sempre pública.
Após
repercussão da reportagem do Fantástico sobre a crise da saúde federal, a
gestão do HFB foi entregue “do nada” a gestores do Grupo N. S. Conceição, o Grupo
Hospitalar Conceição (GHC), do Rio Grande do Sul.
Segundo consta no seu site, o GHC é um grupo privado, mas considerado referência em atender a pacientes do SUS, bem como aos conveniados a outros planos de saúde.
Os servidores e outros funcionários foram pegos de surpresa. Não houve comunicação oficial, nem no DOU. Em Brasília, o governo não se pronunciou, o que levanta uma forte suspeita de irregularidade na transferência, já começando pelo protagonismo.
Helvécio – o responsável pela transferência de gestão é
Helvécio Miranda Magalhães Jr. Ele foi demitido da direção do HFB por acusação
de tráfico de influência ao contratar empresa para serviços de Almoxarifado,
Farmácia e Administração. A acusação foi divulgada na mídia.
Em
seus grupos privados online, servidores revelavam indignação. Não sem razão.
Helvécio ocupou a direção do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Min.
Saúde do RJ, mas foi demitido após a supracitada denúncia midiática.
Pressões
Antes da
notícia da entrega do HFB ao GHC, servidores da saúde federal fizeram
assembleias que lotaram auditórios das instituições, exercendo pressão sobre
Brasília. O troca-troca no DGH é um reflexo inicial dessa pressão, dada a
incerteza geral.
Foi realizada uma reunião das entidades representantes de servidores com deputados do PSOL que, na tribuna, já se pronunciaram pelos servidores da CPST. O
partido publicou nota contrária ao plano do governo de estudar novas formas de
gestão da saúde federal, exercendo pressão adicional sobre o governo.
Com
isso, a ministra Nísia Trindade concedeu entrevista coletiva. Ela negou a
municipalização ou estadualização da gestão dos HFs como solução para a crise
dos mesmos, mas não esclareceu sobre qualquer novo modelo, como Ebserh, Ministério da C&T, ou participação público-privada (PPP).
Em nota em rede social, em resposta a servidores da Saúde Federal, o ex-secretário de Saúde Daniel Soranz disse "não haver possibilidade de (os HFs) serem serem estadualizados ou municipalizados" alegando complexidade dos serviços (tais unidades são de alta complexidade, que por lei é dever federal).
Institutos
Embora o foco midiático tenha se centrado no destino dos HFs, os institutos nacionais (INs) podem não estar imunes a destinos
parecidos. A generalização “saúde federal” pelo governo acaba por incluí-los implicitamente, e onde há
fumaça há fogo, segundo o dito popular.
Ao
menos uma hipótese foi ventilada: a de o INCA ser gerido por participação
público-privada (PPP), mas Brasília não confirmou nem negou, e não se falou mais nisso. Nos demais INs, o silêncio
ensurdece os servidores como uma bomba. Enquanto isso, uma hipótese pode ser desenhada.
É a hipótese de os INs serem geridos pela Ebserh, por terem ensino, pesquisa e extensão, e
recursos próprios. Os servidores do INCA são carreira C&T, o que os servidores dos demais INs de certa forma esperam ser.
Mas essa
hipótese também não se confirma entre o próprio governo, e tanto nos INs quanto nos HFs, os servidores compartilham a mesma
expectativa.
Como
já citado naquele artigo supramencionado, o fato de a Ebserh ser uma empresa
pública não garante a segurança jurídica da estadia dos servidores
estatutários, e pode ainda potencializar os efeitos do assédio moral nos
ambientes de trabalho, dadas as diferentes formas de vínculo empregatício e diferenças salariais.
Fria análise
Em que pese
tudo o que foi exposto neste artigo, a incerteza momentânea é a rainha absolutista para as instituições citadas
e os servidores estatutários. A entrega do HFB para o privado GHC sem
oficialidade aparente aumenta a chance de privatização nas demais unidades.
Quanto
aos servidores públicos, não importa se a carreira é PST (previdência, saúde e trabalho,
que luta pela reestruturação da carreira), ou C&T: todos compartilham os
mesmos sentimentos de apreensão, expectativa e incerteza a respeito de seus destinos.
Enquanto
seguidos governos do pós-ditadura – de José Sarney a Lula 3 – tratam melhor as carreiras de escalões
mais altos, os PST travam uma luta dupla: além da reestruturação, à qual Nísia
parece favorável, agora lutam pela manutenção da gestão pública da saúde
federal.
Vale relembrar: a Saúde Federal foi erigida para fornecer serviços de alta complexidade no âmbito da saúde pública, e como prevê a própria Carta Magna de 1988, a sua gestão é de âmbito federal.
Os
principais fatores interferentes na qualidade dos serviços de saúde são
subinvestimento e má gestão local ou federal, e não os servidores públicos, que por sua
vez descobrem e denunciam os problemas enfrentados, mas sofrem na relação com o povo
devido à posição midiática, empresarial e governamental.
Seria o mais certo a boa vontade política, se é que ela existe, para a indicação de um gestor público interessado na concretização de uma gestão pública eficiente e pró-SUS na saúde federal do Rio de Janeiro, com interesse na valorização dos servidores públicos e realização de concursos públicos.
Mas, como dizem: de boas intenções o inferno está cheio, e não é por acaso que o espírito empresarial se infiltrou em todas as instâncias públicas, colocando o Estado refém do mercado. Mas, não podemos nunca nos esmorecer, pois a situação nos leva à luta, por questão de sobrevivência e resistência. O governo tem sido nosso oponente, até prova em contrário.
E, como já dizia Che Guevara, "hasta la victoria".
Para saber mais
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