sexta-feira, 26 de abril de 2024

CURTAS 71 - ANÁLISES (EUA pouco libertário, decoro ideológico)

 

Censura no Brasil e a real dos EUA

            Com a CF-1988, a nação brasileira finalmente se viu livre de qualquer amarra da Censura do golpe de 21 anos. O fim da censura também libertou a imprensa. As pessoas finalmente podem expressar seu pensamento sem temor. 
            A liberdade de expressão se revela a partir de um debate de ideias e nas notícias de escândalos políticos. Matérias do tipo investigativo de bastidores antes segredados passaram a ser expostos ao público. Mas, não haveria muita garantia, na prática.
            Censura ilegal – é que logo os primeiros incomodados dos meios poderosos começaram a se manifestar. Recentemente, a mídia investigativa Agência Pública sofreu um revés judicial (ilegal) a mando do poderoso Arthur Lira.
            Matérias denunciando os supostos crimes de Lira foram tiradas do ar sub judice, como a entrevista da ex-mulher sobre violência doméstica e sexual, e malversações com recursos públicos em Alagoas. A censura inconstitucional se mantém.
            Agora surge nova trama, com outros personagens.
            Elon Musk x Xandão – por conta do inquérito das milícias digitais, o trilhardário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) resolveu interferir nas ações do STF, depois que este mandou cortar diversos perfis falsos ligados à extrema-direita.
            Xandão endureceu com a interferência ilegal que foi defendida por parlamentares bolsonaristas e do pastor Malafaia. Enviados de Musk compareceram à Câmara com mentiras depois desmentidas pelos próprios. E aí entra outro personagem.
            Glenn Greenwald – vivendo entre Brasil e EUA, Glenn tem um currículo jornalístico invejável. No Intercept Brasil, ele protagonizou matéria sobre Edward Snowden e a espionagem política dos EUA, e a nossa Vaza-Jato, que oportunizou a liberdade de Lula. Mas enfrentou persecução.
            A persecução sofrida pelo Intercept se deveu ao bolsonarismo e não ao STF. Pelo contrário: os ministros sabem do valor da Vaza-Jato. Hoje Glenn atua em outras fontes, como a Fox News, a Jovem Pan dos EUA com suas falácias.
            E foi nessas fontes que Glenn passou a negar certas verdades e defendeu Musk acusando Xandão de censura ao mandar banir perfis do X no país. E, com isso deu munição aos antigos inimigos: os bolsonaristas.
            Bolsonaristas nos EUA – um grupo de parlamentares bolsonaristas foi aos EUA para se queixar da “ditadura judiciária de esquerda” no Brasil. O Pentágono impediu aquele chorume no recinto, e restou a eles discursar na rua vazia.
            Os bizarros bolsonaristas não se emendam. Com base no caso Julian Assange, criador do site WeakLeaks preso no Reino Unido, a liberdade de imprensa estadunidense é, no mínimo, bem contradita. E por um motivo simples.
            Sigilo da fonte e direito de resposta – com ajuda do hacker Walter Delgatti, a Vaza-Jato do Intercept foi possível no Brasil bolsonarizado graças a dois princípios constitucionais: o sigilo da fonte e o direito de resposta.
            O sigilo da fonte é proteção em caso de reportagem investigativa, por exemplo. Ele evita retaliação de pessoas na trama investigada contra os jornalistas ou a mídia, que pode usar, sub judice ou não, direito de resposta se necessário.
            Com fins lícitos, o trabalho jornalístico é ferramenta poderosa de informação. Por fim lícito se entende o objetivo de se obter, desvendar e divulgar informações sem desqualificar personagens constados nas reportagens obtidas.
            O sigilo da fonte, o direito de resposta e a objetividade lícita são princípios da liberdade de mídia no Brasil. A nossa lei permite a liberdade responsável de imprensa, em que há equilíbrio entre os jornalistas e os alvos da reportagem.
            Liberdade nos EUA – é aí que mora a diferença de conceito de liberdade entre o Brasil e os EUA. A legislação de lá não reconhece o sigilo da fonte e o direito de resposta. E aí podemos entender melhor o caso WekLeaks.
            Do jornalista Julian Assange, o WeakLeaks é como o Intercept: o mundo soube das más intenções da política externa dos EUA ao descobrir documentos secretos. Preso no Reino Unido, Assange pode ser extraditado aos EUA, onde será punido com a perpétua.
            Ao não reconhecer os dois princípios citados, a legislação dos EUA já cerceou várias atividades jornalísticas locais. O conceito de liberdade de mídia lá não reconhece, de certa forma, o direito de resposta. Daí haver alguns fatos polêmicos.
            Como o manifesto de neonazistas em guetos de judeus por lá. O que, na lógica histórica é uma contradição. Diferente daqui, lá o nazismo não é crime – até por coerência com a intolerância étnica e religiosa ainda forte por lá.
            Devido a isso, nos parece incompreensível o conceito de liberdade responsável de expressão nos EUA: um parece ter mais poder em detrimento do outro. Na prática, é exatamente essa realidade de lá que o Brasil bolsonarizado entende como liberdade.
 
Para saber mais
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Decoro, questão ideológica

            Já repararam que, no tribunal ou no Congresso, juízes e presidentes sempre pedem ordem quando há conflitos nos respectivos recintos? Pois é. Essa ordem que eles pedem é o que se chama de decoro.
            Ele designa uma atitude civilizada e respeitosa que devemos um com o outro em ambientes sociais, não importando, assim, quaisquer tipos de diferenças individuais, culturais e políticas. No congresso é o decoro parlamentar.
            Quem testemunhou a Constituinte de 1988 percebeu o nível de civilidade dos parlamentares de variadas escolaridades e ideologias. Foi o Congresso mais adequado para o mais alto feito para a consolidação democrática.
            Não que a paz fosse absoluta naquela legislatura. Mas os conflitos eram bem mais civilizados do que vemos hoje.
            Queda do decoro – foi a partir dos anos 2010 que percebemos uma queda mais sensível do decoro parlamentar, com um estranho viés. Após 3 décadas vimos o retorno da extrema-direita a atacar a centro-esquerda democrática (2003-2016).
            A partir de 2014 vimos o cristofascismo e a escatologia agressiva na legislatura. Com Bolsonaro na presidência, o Congresso atingiu a atual fase civilizatória abaixo da crítica. Nem nomes da direita democrática escapam às agressões.
            Alguns parlamentares de esquerda passaram a responder à altura, mas sem perder o decoro. Como o pastor Henrique Vieira (PSol-RJ), que usa filosoficamente o cristianismo para justificar seu viés progressista que o destaca da bancada bíblica.
            Glauber x bolsonaristas – com seu poder reativo, a minoria governista de esquerda busca compensar a desvantagem numérica em relação aos bolsonaristas, de distintas formas. Se petistas debocham, psolistas usam o bom combate.
            O maior exemplo é Glauber Braga (PSOL-RJ). Ele tem vários PLs de autoria única, que indicam boa produção parlamentar. Mas a sua persona combativa gerou muitos desafetos, como os extremistas e o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
            Não por acaso, ele é um dos vários nomes da esquerda com processos no Conselho de Ética da Câmara. Agora, ele responde a novo processo. Só que, antes de entrar nele, vale relembrar o protagonismo de Eduardo Bolsonaro.
            Baixaria na sessão – em meados de 2023 ocorreu uma sessão num dos auditórios da Câmara. Ressoou, inaudível, uma fala do deputado Marcon (PT-RS), que despertou Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a três fileiras de cadeiras atrás.
            A reação de Eduardo já foi grosseira antes de ir para cima de Marcon: “vou te pegar no teu saco!”. Foi então que Marcon teria dito “facada fake”, em alusão à controvérsia do fato com Bolsonaro de 2018. Aí o bicho pegou.
            O filho do ex-presidente avançou até a fileira de Marcon e foi contido pelos presentes para não ir às vias de fato. Ele depreciou o petista com exclamações ameaçadoras e homofóbicas, e palavrões urogenitais impublicáveis aqui.
            Caso Costenaro – se a franqueza aberta marca os psolistas em geral, Glauber vai para cima. Ele protagonizou a cena recente de expulsar da Câmara um rapaz branco, alto e bem vestido de nome Gabriel Costenaro.
            Mídias como Revista Oeste, Veja e O Antagonista tentaram vilanizar o deputado, incentivando a demanda do PL e do líder do MBL¹ na Câmara Kim Kataguiri (UB-SP) no protocolo do processo contra o psolista fluminense.
            A vilanização foi criada por edição do vídeo em que os dois personagens se confrontam, envoltos pela pequena multidão de servidores da casa, assessores e parlamentares. Mas, quem é Gabriel Costenaro?
            Influencer violento – paulista, Gabriel Costenaro de Sousa é um influencer militante do MBL, do qual vieram à vida política Kim Kataguiri, Guto Zacarias, Artur do Val, Renan Santos, Fernando Holiday e Diogo Garcia.
            Assim como Renan (fundador do MBL), Gabriel Costenaro é influencer de extrema-direita com milhares de seguidores. Ele não tem carreira política, mas é filiado ao partido Novo de Romeu Zema e Marcel Van Hatten.
            Seu estilo lembra o de Wilker Leão por abordar os políticos. Mas se Leão se valeu de certo toque memético, Costenaro é mais agressivo e direto. Foi dessa forma algo violenta que se desenrolou o confronto entre ele e Glauber.
            Confrontos com Glauber – embora o vídeo viralizado pela grande mídia só mostre o deputado mais nervoso e expulsando Gabriel , a verdade pode não ser exatamente essa. O contexto do vídeo deve ser entendido na história do MBL.
            O MBL já praticou ataques moralistas a diversos manifestos artísticos e culturais fechados e abertos, alegando cunho religioso e “contra a família”. Podcasts de influencers banidos por ordem do STF, como Monark, já revelam o caráter agressivo e extremista do movimento.
            Glauber conta que ele e um militante do Psol foram antes assediados por Costenaro numa rua do Rio, com ameaças contra suas respectivas mães, e acrescenta que o mesmo tem processos por agressão a uma estudante e uma funcionária da UFPR, e violência doméstica. De fato há links disponíveis no Google.
            Fria análise – vale ressaltar, antes de tudo, que este artigo só pretende pôr a balança em prática. As condutas de Glauber e Eduardo foram infelizes, mas a daquele teve legitimidade. E só Glauber está respondendo a processo por indecoro.
             Esse "2 pesos, 2 medidas" se explica. Glauber incomoda gente do Centrão e da extrema-direita. Arthur Lira é desafeto dele e vê o momento como oportuno para enfraquecer o governo Lula ao tirar um líder governista.
            Mas ele dificilmente será cassado, por risco institucional. A patuleia já percebeu as injustiças no Legislativo, e outros parlamentares podem compensar expondo as más intenções do Centrão e dos bolsonaristas.
            O decoro parlamentar deixou de ser questão de civilidade para virar pretexto ideológico, não só para voltar o bolsonarismo ao poder, mas também para desestabilizar o governo vigente ao ponto de impeachment. O buraco é mais embaixo do que pensamos.

Nota da autoria
¹ Movimento Brasil Livre, de viés cristofascista, criado por jovens paulistanos de classe média-alta.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2023/04/curtas-26-analises-munduruku-dino.html (Curtas 26, com o último artigo sobre o caso Dudu Bolsonaro).
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