quinta-feira, 9 de maio de 2024

CURTAS 72 - ANÁLISES (o moribundo; ditadura policial na democracia)

 

Moribundo, mas bem vivo

            Apesar de todas as fraudes tentadas, Jair Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais de 2022. Apenas conseguiu diminuir a diferença para Lula (que seria grande), mediante fascistização das igrejas e das instituições militares.
            No governo Lula 3, as instituições voltaram a ser de Estado, mas nem tudo são flores: há muita bolsonarização nos quadros institucionais. Apesar dos tantos crimes revelados, ainda faltam vários para sabermos.
            Sobrevida bolsonarista – Bolsonaro e Braga Netto ficaram inelegíveis pelo TSE então presidido por Alexandre de Moraes, cujo pulso firme e legalista contribuiu com os eleitores para manter a democracia. Mas eles semearam muito em seu campo.
            Sementes – uma praga bolsonarista se apossou de quase metade do Congresso em fevereiro de 2023. Todos têm processos nos Conselhos de Ética, mas somente um ou outro foi de fato cassado. Bolsonaro disse, em público: “se eu não voltar um dia, já plantamos sementes”.
            Após relutância machista, Bolsonaro aceitou contar com a esposa Michele na vida política, graças ao discurso cristofascista e anarcocapitalista patrocinado pelo PL Mulher, ala feminina do PL de Waldemar da Costa Neto, o boy.
            O conselheiro foi Silas Malafaia. Afinal, ela, por abordar a mulher na pauta religiosa, cooptará melhor o público feminino naturalmente arredio à misoginia bolsonarista. E, além de Silas e Michele, há os filhos e outras sementes.
            Bananinha e Carlos – Eduardo Bolsonaro se encarrega das ligações da internacional nazifascista. No evento Cepal na Hungria, ele mostra as intenções em reencontro com descendentes de fascistas e nazistas da II Guerra Mundial. No Brasil o ex-vereador federal Carluxo alimenta as redes com velhas e novas mentiras.
            No parlamento e nos Estados – Nikolas Ferreira é cotado pelo PL para governador em 2026. Abílio Brunini está em 2º lugar para a prefeitura de Cuiabá. No Rio, Alexandre Ramagem está bem atrás de Paes, bem difícil de virar.
            Ronaldo Caiado (Goiás) e Tarcísio de Freitas (SP) foram citados por Bolsonaro como relevantes. O Zema (MG) parece esquecido, mas ele já está de olho na cadeira presidencial em 2026. Igualmente perigoso.
            O calculado elogio de Tarcísio a Xandão (STF) fez a mídia explorar a imagem dele em pose “heroica”, como o fez com Collor, FHC e Sergio Moro. Afinal, cada um a seu modo, todos têm em comum serem opostos políticos de Lula.
            Polícias – mais investimento ao setor por Lula 3 não convenceu as polícias: sua letalidade em periferias aumentou e, no Congresso, os delegados, coronéis e outros oficiais policiais e das Forças Armadas eleitos renovam em besteiras.
            E a Justiça? – a par de tantos crimes de seu Jair e seus próximos, a patuleia se pergunta por que ele ainda está livre. Muitos acreditam em temor de nova insurreição golpista letal, dada a ligação dos Bolsonaro com milicianos no RJ.
            A hipótese foi levantada por alguns analistas tendo-se em vista que alguns magistrados foram ameaçados de morte por hostes bolsonaristas. Mas foi bom não ter havido alarme midiático para evitar mais ibope aos elementos.
            Gratidão a Malafaia – o grande alimentador do nazifascismo bolsonarista é Silas Malafaia, e Bolsonaro agradece. Isso confirma a afirmação do historiador João Cesar Castro Rocha de que o neopentecostalismo dá essa sobrevida.
            Vemos Jair Bolsonaro eleitoralmente moribundo. Mas nunca morre: o cristofascismo o nutre como alimento terapêutico em CTIs hospitalares e zonas de guerra. É o alimento de fé vindo de Malafaia e Michele, que se não o elegem mais, ao menos mantém vivo o nazifascismo através de suas sementes.

Para saber mais
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Democracia x ditadura policial

            Na Guerra Fria, novas ditaduras surgiram pelo mundo. A maior parte da América do Sul se afundaria na extrema-direita militar, com cada país iniciando seu regime em ano diferente.
            Cone Sul – enquanto o protecionismo nacionalista militar seja comum nos países centrais ocidentais, na América do Sul, os ditadores eram patrocinados pelo megaempresariado para terem especial atenção aos “inimigos internos”.
            Nas fronteiras, os militares evitaram a entrada de muitos “comunistas” de fora. Mas sempre foi mais fácil localizar, capturar e eliminar os de dentro. Para essa missão, eles contaram com a preciosa ajuda das polícias.
            Polícia do Exército (PE) – força federal, ela é a PM do Exército. Auxiliou na repressão a opositores políticos internos. Hoje atua em várias frentes, como polícia interna nos quarteis e pelotões das PMs estaduais e até no trânsito.
            Polícia Civil (PC) – força estadual criada para investigação. Mas na ditadura, ela atuou em investigações ostensivas de rastreamento de opositores políticos que, encontrados, eram presos pela PE ou pela PM.
            Polícia Militar (PM) – estadual, ela se encarrega de abordar e capturar criminosos. Na ditadura, ela reforçou o método de tortura para forçar confissões de capturados – o que se mantém até hoje. E vai mais além.
            Mata antes, pergunta depois – a PM pode matar o meliante em legítima defesa legalmente viável, se esgotadas todas as negociações tentadas. Mas a contaminação cultural elitista alimentou um caráter violento, seletivo e ilícito.
            Já abordada aqui, a autoria policial das mortes dos periféricos se consolidou pelas chacinas em cinturões pobres que mancham a história e imagem da segurança pública nas capitais brasileiras, com o pretexto de “resposta a tiros”.
            A síntese das chacinas pretéritas (ver link) revela números oficiais de mortos pela PM. Acobertamentos são típicos, com mitigação enganosa da extensão das tragédias. Típico também é classificar todas as vítimas como suspeitas.
            Entre 2019-22 houve a narrativa da queda de homicídios por criminosos de fato. Até foi verdade, mas o ritmo real continuou o mesmo, devido à ação do Estado. As chacinas nas comunidades ficaram mais frequentes.
            2023-4 – entre janeiro e junho/23, a PM cometeu 599 feminicídios. Entre julho e setembro (auge da crise no setor) matou 394 pessoas em cinturões pobres. Houve 86 mil denúncias de violência de gênero. Tudo, só em SP, RJ e BA, o que gerou forte debate.
            Só no 1º trimestre/24 em SP, a letalidade policial subiu 138% em relação à mesma época de 23: de 75 para 179, já com câmeras oficializadas nas fardas. Faltou pouco para atingir o recorde de 218 vítimas no início de 2020.
             Violência sim, inteligência não – a violência policial é um velho problema que renova números. No Congresso veio a PL 3045/2022, que propõe exigência de nível superior para entrar nas PMs e nos Corpos de Bombeiros militares.
            Recentemente foi aprovada pelo parlamento e sancionada lei que obriga o uso de câmera nas fardas da PM para combater erros nas operações. Mas tudo parece indicar que esses dispositivos estão em baixa na prática.
            Mas o sucesso recorrente de vídeos de PMse civis matando “ladrões de galinha” nas ruas reflete o extremismo que afetou a PM previamente contaminada pela manutenção da cultura de violência imposta pela ditadura militar.
            Para o comandante da PMSP Cássio Araújo, a PM deve usar a “legítima defesa” em trabalho. O comandante da Rota-SP Ricardo Augusto Araújo especificou: “o tratamento nos Jardins deve ser diferente dado na comunidade”.
            Além das obrigatórias câmeras de farda, alguns Estados investem mais em inteligência do que outros. Ainda assim há dúvidas sobre a prática. A fala do comandante da Rota-SP nos dá a entender que seu uso depende do endereço.
            E, como resposta a tudo isso, se insurge uma implicação secundária de grande, mas ignorada importância.
            Saúde mental – tudo isso gera sobrecarga psicológica que afeta vítimas e policiais.  A saúde mental é um campo frágil e complexo, cuja dinâmica ainda não é totalmente compreendida, dada a plasticidade neural e psíquica.
            Mesmo com psiquiatra e/ou psicólogo, a caserna tradicionalmente negligencia a ligação entre distúrbios mentais e a rotina pesada de violência e dominação. O bom tratamento forçado a ricos abusivos também os afeta.
            Afastamentos de policiais em geral por motivo psiquiátrico grave não são raros. Em 2014 foi levantado índice de suicídios em torno de 33,3/100 mil, acima dos 21/100 mil da patuleia. Se é uma cifra alta, se preparem agora.
            Desde então, a taxa de suicídios entre esses profissionais aumentou 66%, ou seja, para 55,2/100 mil, contra os 23/100 mil na população geral, segundo um estudo de Fonte Segura de 2024.
            Há solução? – o debate que girou em torno da violência policial piorada pela politização ocorrida nos últimos 10 anos termina com uma pergunta: é possível solucionar o problema? Depende, e pode não ser simples.
            A exigência de nível superior para entrar na Polícia mais facilita a progressão no oficialato do que resolve os males.  O uso suspeito de recursos tecnológicos chancela a violência seletiva contra cidadãos pobres inocentes.
            O caminho possível aí seria investir em amplo programa de reciclagem educativa de soldados a generais. É uma ideia para se efetivar a longo prazo, mas que pode ser travada por questões como liberação de recursos e a resistência de parte do quadro.
            A reeducação possibilita a desmilitarização, que ao contrário do que se pensa, só combate a brutalidade das carreiras militares em geral. A ditadura que ainda impera nessas carreiras é incompatível com a democracia que desejamos. Mas tudo isso depende, também, da vontade política. 

Para saber mais
https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/download/estudos/pspvolume6/o_comportamento_suicida_entre_profis_sp_prevencao_brasil.pdf
https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2024-04/letalidade-policial-no-brasil-preocupa-aponta-anistia-internacional
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