Moribundo, mas bem vivo
Apesar
de todas as fraudes tentadas, Jair Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais
de 2022. Apenas conseguiu diminuir a diferença para Lula (que seria grande),
mediante fascistização das igrejas e das instituições militares.
No
governo Lula 3, as instituições voltaram a ser de Estado, mas nem tudo são
flores: há muita bolsonarização nos quadros institucionais. Apesar dos tantos
crimes revelados, ainda faltam vários para sabermos.
Sobrevida
bolsonarista – Bolsonaro
e Braga Netto ficaram inelegíveis pelo TSE então presidido por Alexandre de
Moraes, cujo pulso firme e legalista contribuiu com os eleitores para manter a
democracia. Mas eles semearam muito em seu campo.
Sementes – uma praga bolsonarista se apossou de quase metade
do Congresso em fevereiro de 2023. Todos têm processos nos Conselhos de Ética,
mas somente um ou outro foi de fato cassado. Bolsonaro disse, em público: “se
eu não voltar um dia, já plantamos sementes”.
Após
relutância machista, Bolsonaro aceitou contar com a esposa Michele na vida
política, graças ao discurso cristofascista e anarcocapitalista patrocinado
pelo PL Mulher, ala feminina do PL de Waldemar da Costa Neto, o boy.
O
conselheiro foi Silas Malafaia. Afinal, ela, por abordar a mulher na pauta
religiosa, cooptará melhor o público feminino naturalmente arredio à misoginia
bolsonarista. E, além de Silas e Michele, há os filhos e outras sementes.
Bananinha
e Carlos –
Eduardo Bolsonaro se encarrega das ligações da internacional nazifascista. No
evento Cepal na Hungria, ele mostra as intenções em reencontro com descendentes
de fascistas e nazistas da II Guerra Mundial. No Brasil o ex-vereador federal
Carluxo alimenta as redes com velhas e novas mentiras.
No
parlamento e nos Estados –
Nikolas Ferreira é cotado pelo PL para governador em 2026. Abílio Brunini está
em 2º lugar para a prefeitura de Cuiabá. No Rio, Alexandre Ramagem está bem atrás de Paes, bem difícil de virar.
Ronaldo
Caiado (Goiás) e Tarcísio de Freitas (SP) foram citados por Bolsonaro como
relevantes. O Zema (MG) parece esquecido, mas ele já está de olho na cadeira presidencial em 2026. Igualmente perigoso.
O
calculado elogio de Tarcísio a Xandão (STF) fez a mídia explorar a imagem dele
em pose “heroica”, como o fez com Collor, FHC e Sergio Moro. Afinal, cada um a
seu modo, todos têm em comum serem opostos políticos de Lula.
Polícias – mais investimento ao setor por Lula 3 não convenceu
as polícias: sua letalidade em periferias aumentou e, no Congresso, os
delegados, coronéis e outros oficiais policiais e das Forças Armadas eleitos
renovam em besteiras.
E a
Justiça? – a par de tantos crimes
de seu Jair e seus próximos, a patuleia se pergunta por que ele ainda está
livre. Muitos acreditam em temor de nova insurreição golpista letal, dada a
ligação dos Bolsonaro com milicianos no RJ.
A
hipótese foi levantada por alguns analistas tendo-se em vista que alguns
magistrados foram ameaçados de morte por hostes bolsonaristas. Mas foi bom não
ter havido alarme midiático para evitar mais ibope aos elementos.
Gratidão
a Malafaia – o grande alimentador do
nazifascismo bolsonarista é Silas Malafaia, e Bolsonaro agradece. Isso confirma
a afirmação do historiador João Cesar Castro Rocha de que o neopentecostalismo
dá essa sobrevida.
Vemos
Jair Bolsonaro eleitoralmente moribundo. Mas nunca morre: o cristofascismo o
nutre como alimento terapêutico em CTIs hospitalares e zonas de guerra. É
o alimento de fé vindo de Malafaia e Michele, que se não o elegem mais, ao
menos mantém vivo o nazifascismo através de suas sementes.
Para saber mais
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Na
Guerra Fria, novas ditaduras surgiram pelo mundo. A maior parte da América do
Sul se afundaria na extrema-direita militar, com cada país iniciando seu regime
em ano diferente.
Cone
Sul – enquanto o protecionismo nacionalista militar seja
comum nos países centrais ocidentais, na América do Sul, os ditadores eram
patrocinados pelo megaempresariado para terem especial atenção aos “inimigos
internos”.
Nas
fronteiras, os militares evitaram a entrada de muitos “comunistas” de fora. Mas
sempre foi mais fácil localizar, capturar e eliminar os de dentro. Para essa
missão, eles contaram com a preciosa ajuda das polícias.
Polícia
do Exército (PE) –
força federal, ela é a PM do Exército. Auxiliou na repressão a opositores
políticos internos. Hoje atua em várias frentes, como polícia interna nos
quarteis e pelotões das PMs estaduais e até no trânsito.
Polícia
Civil (PC) – força estadual criada
para investigação. Mas na ditadura, ela atuou em investigações ostensivas de
rastreamento de opositores políticos que, encontrados, eram presos pela PE ou
pela PM.
Polícia
Militar (PM) –
estadual, ela se encarrega de abordar e capturar criminosos. Na ditadura, ela
reforçou o método de tortura para forçar confissões de capturados – o que se
mantém até hoje. E vai mais além.
Mata
antes, pergunta depois –
a PM pode matar o meliante em legítima defesa legalmente viável, se esgotadas todas
as negociações tentadas. Mas a contaminação cultural elitista alimentou um
caráter violento, seletivo e ilícito.
Já
abordada aqui, a autoria policial das mortes dos periféricos se consolidou
pelas chacinas em cinturões pobres que mancham a história e imagem da segurança
pública nas capitais brasileiras, com o pretexto de “resposta a tiros”.
A
síntese das chacinas pretéritas (ver link) revela números oficiais de mortos
pela PM. Acobertamentos são típicos, com mitigação enganosa da extensão das
tragédias. Típico também é classificar todas as vítimas como suspeitas.
Entre
2019-22 houve a narrativa da queda de homicídios por criminosos de fato.
Até foi verdade, mas o ritmo real continuou o mesmo, devido à ação do Estado.
As chacinas nas comunidades ficaram mais frequentes.
2023-4 – entre janeiro e junho/23, a PM cometeu 599
feminicídios. Entre julho e setembro (auge da crise no setor) matou 394 pessoas
em cinturões pobres. Houve 86 mil denúncias de violência de gênero. Tudo, só em
SP, RJ e BA, o que gerou forte debate.
Só
no 1º trimestre/24 em SP, a letalidade policial subiu 138% em relação à mesma
época de 23: de 75 para 179, já com câmeras oficializadas nas fardas. Faltou
pouco para atingir o recorde de 218 vítimas no início de 2020.
Violência
sim, inteligência não – a
violência policial é um velho problema que renova números. No Congresso veio a
PL 3045/2022, que propõe exigência de nível superior para entrar nas PMs e nos
Corpos de Bombeiros militares.
Recentemente
foi aprovada pelo parlamento e sancionada lei que obriga o uso de câmera nas
fardas da PM para combater erros nas operações. Mas tudo parece indicar que
esses dispositivos estão em baixa na prática.
Mas
o sucesso recorrente de vídeos de PMse civis matando “ladrões de galinha” nas
ruas reflete o extremismo que afetou a PM previamente contaminada pela
manutenção da cultura de violência imposta pela ditadura militar.
Para
o comandante da PMSP Cássio Araújo, a PM deve usar a “legítima defesa”
em trabalho. O comandante da Rota-SP Ricardo Augusto Araújo especificou: “o
tratamento nos Jardins deve ser diferente dado na comunidade”.
Além
das obrigatórias câmeras de farda, alguns Estados investem mais em inteligência
do que outros. Ainda assim há dúvidas sobre a prática. A fala do comandante
da Rota-SP nos dá a entender que seu uso depende do endereço.
E, como resposta a tudo isso, se insurge uma implicação secundária de grande, mas ignorada importância.
Saúde
mental – tudo isso gera
sobrecarga psicológica que afeta vítimas e policiais. A saúde mental é um campo frágil e complexo,
cuja dinâmica ainda não é totalmente compreendida, dada a plasticidade neural e
psíquica.
Mesmo
com psiquiatra e/ou psicólogo, a caserna tradicionalmente negligencia a ligação
entre distúrbios mentais e a rotina pesada de violência e dominação. O bom
tratamento forçado a ricos abusivos também os afeta.
Afastamentos
de policiais em geral por motivo psiquiátrico grave não são raros. Em 2014 foi
levantado índice de suicídios em torno de 33,3/100 mil, acima dos 21/100 mil da
patuleia. Se é uma cifra alta, se preparem agora.
Desde
então, a taxa de suicídios entre esses profissionais aumentou 66%, ou seja, para 55,2/100 mil, contra os 23/100 mil na população geral, segundo
um estudo de Fonte Segura de 2024.
Há
solução? – o debate que girou em
torno da violência policial piorada pela politização ocorrida nos últimos 10
anos termina com uma pergunta: é possível solucionar o problema? Depende, e
pode não ser simples.
A exigência
de nível superior para entrar na Polícia mais facilita a progressão no oficialato
do que resolve os males. O uso suspeito
de recursos tecnológicos chancela a violência seletiva contra cidadãos pobres
inocentes.
O caminho possível aí seria investir em amplo programa de reciclagem educativa de soldados a generais. É uma ideia para se efetivar a longo prazo, mas que pode ser travada por questões como liberação de recursos e a resistência de parte do quadro.
A
reeducação possibilita a desmilitarização, que ao contrário do que se pensa,
só combate a brutalidade das carreiras militares em geral. A ditadura que ainda impera nessas carreiras é incompatível com a democracia que desejamos. Mas tudo isso depende, também, da vontade política.
Para saber mais
https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/download/estudos/pspvolume6/o_comportamento_suicida_entre_profis_sp_prevencao_brasil.pdf
https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2024-04/letalidade-policial-no-brasil-preocupa-aponta-anistia-internacional
https://fontesegura.forumseguranca.org.br/a-magnitude-do-suicidio-policial-no-brasil-frageis-ou-falsas-evidencias/ (estudo sobre suicídios de policiais)
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