quarta-feira, 29 de maio de 2024

CURTAS 74 - ANÁLISES (natureza x privataria; desserviço de religiosos)

 

Natureza: omissão e privataria

            Que as políticas para estancar a veloz progressão da mudança climática valem para o mundo todo, já sabemos. Mas é impossível ignorar os caminhos que foram trilhados pela política ambiental brasileira nos últimos anos.
            Antes do caso gaúcho, MG já era vítima da mineração indiscriminada, está salpicado de barragens sujeitas a transbordar rejeito tóxico que, antes, já soterrou centenas de vidas em Mariana e Brumadinho e arriscam em outros locais.
            O caso sulista nos reforça a lição que também demanda aprendizado de todos. Mas os ventos contrários – o da verdade, o das falácias e o da má politização – sopram por cima dessa necessidade e até da bela onda solidária.
            Nessa circulação toda, vale ressaltar um vento da verdade dos fatos: a política ambiental regional, valendo tudo.
            Omissão – naturalmente, em climas tropicais e subtropicais, os rios são muito sinuosos e ladeados por alúvios (planícies inundáveis) formadas por sedimentos das cheias. Em algumas regiões há alúvios muito amplos (aluviões).
            Nessas planícies surgiram muitas cidades brasileiras, que sofriam inundações. Comportas, canalização e barreiras de rios nas áreas urbanas mitigaram as enchentes antigas. Só que as autoridades não imaginariam o que viria depois.
            Para mitigar as enchentes, um imenso dique com comportas surgiu cercando parte de Porto Alegre em 1970. No evento de 1983, as comportas foram trocadas, com manutenção irregular que supostamente parou no fim dos 2010.
            Como prova da sujeição de Porto Alegre à piora climática, em 2020 a então candidata Manuela D'Ávila anunciou um sistema moderno de drenagem dos cursos d’água como meio preventivo. Eleito Sebastião Melo, a ideia foi enterrada.
            Desmonte – jovem e bem nascido, o gaúcho Eduardo Leite agrada o tucanato e a grande mídia com ideias de enxugar o Estado. Assim como o mineiro Romeu Zema, que mesmo sendo do Novo, pensa e age como o colega sulista.
            Ambos rasgaram as barreiras de licença ambiental para o mercado privado. Zema trocou 12 vezes a Secretaria estadual (SEMAD), para a mineração em área proibida. Leite alterou conceitos de áreas protegidas para ceder mais de 480 delas. E não fica só nisso.
            Mesmo melhor do que em 2019-22, o Brasil está mal no setor. No MA, voçorocas geram prejuízos urbanos. No norte de MT, a floresta amazônica se curva aos latifúndios venenosos. No PA, agrotóxicos envenenam igarapés e pessoas. E os respectivos governos parecem fechar os olhos.
            Se o governo federal quer agir pelo certo, o Congresso só agrava as coisas. Além das tensões fundiárias mal debatidas, há projetos de lei visando alterar o Código Florestal para reduzir as áreas mínimas virgens e explorar recursos de áreas degradadas em recuperação.
            Por tudo isso, o Brasil está muito aquém de contribuir na urgência do aviso das instituições de pesquisa de meio ambiente e climatologia – mesmo longe de estar entre os cinco maiores destruidores do planeta.
            Como melhorar? – para suprir satisfatoriamente tal demanda, o Estado brasileiro precisa se libertar das amarras do mercado privado e financeiro, que prega estado mínimo para quem dele mais precisa, para ter Estado máximo para si. Mas isso não basta.
            Uma vez se libertando desse sequestro neoliberal, seus políticos precisam desenvolver consciência ambiental e social e investir em ciência e tecnologia para resolver os problemas fatoriais da degradação generalizada.

Para saber mais
- Referências no YouTube: canais Meteoro Brasil, Desmascarando, Portal do José, A Voz Trabalhadora, O Historiador (fé e o desastre no RS)
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Líderes religiosos em desserviço

            Autor de Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval  Harari disse que o compartilhamento de mitos é consequente à Revolução Cognitiva, pela qual, há quase 100 mil anos atrás, eles converteram pedras e seixos cortantes e perfurantes em facas, marretas, quebra-nozes e pontas de lanças para caça.
            Mitos compartilhados – historicamente, o mito não foi só a forma de nossos ancestrais entenderem sua existência. Compartilhado, ele facilitou e ampliou a coesão social entre os indivíduos do grupo e facilitou novos saltos socioevolutivos.
            Assim foi até chegarmos ao nosso contexto atual. E mitos ancestrais se diversificaram em novos mitos a criar novos valores e culturas e controlar populações inteiras – que mesmo diversas seriam influenciadas pelos dominantes. Os mitos compartilhados são eficientes controladores sociais.
            Diversidade x monopólio – um exemplo notório é o Brasil, cujos mitos originários foram solapados em grande parte pela cristianização colonial. Hoje mesmo diversificado, o cristianismo é dominante, social e institucionalmente.
            O Brasil é Estado laico (protege todas as crenças e não crenças em equidade) e politicamente democrático. Mas a laicidade e a democracia têm limites bem definidos – que têm se estreitado nos últimos anos, com uma ajuda política.
            Extrema-direita volver! – o antipetismo enfiado goela abaixo pela midiatização da corrupção de terceiros propiciou correntes conservadoras ultracristãs, os já abordados MBL e o bolsonarismo. Ultracristãs? Sim. Por um fator religioso.
            Dissidência da Assembleia de Deus tradicional, o neopentecostalismo proporciona supremacia cristã armamentista, misógina, elitista, racista e homotranafóbica à extrema-direita, graças aos pastores que plantaram o antipetismo.
            Tornados bolsonaristas, esses pastores fazem pregações pseudomoralistas de refino escatológico e falacioso em redes sociais favorecendo a eleição presidencial de Bolsonaro e suas consequências. Nessa horda se consolida um líder.
            Silas – Silas Malafaia sabe que falácia, conspiração e pânico moral religioso penetram fundo. Com isso, ele promove o ex-presidente hoje inelegível a mártir com distorções criando supostos inimigos em rede social e em comícios.
            Ciente de tamanha capilaridade, Malafaia inspira uma leva de líderes cristãos influenciadores online, que replicam a rede de pânico moral a partir de eventos. E desta vez, o novo pano de fundo foi a desastrosa enchente gaúcha.
            Falsas acusações – governo federal “impede” a chegada de donativos. Antenas HAARP de novo “mudaram o clima” a pedido do governo dos EUA. E a enchente é castigo divino devido aos muitos “terreiros de macumba” no RS.
            Essas três falácias foram destaques. Se as duas primeiras inventam o governo e as antenas estadunidenses como inimigos, a última foi uma das mais abjetas expressões de racismo pela depreciação das fés afrobrasileiras.
            Desserviço – a recente enchente no sul brasileiro foi mais do que só mais um evento de fundo de “politização”. Ela foi o ápice da promoção de uma ideologia. Tanto é que muitos alegam ser errado politizar eventos como esse.
            Na prática, os líderes religiosos não politizaram propriamente o evento. Eles distorceram a politização. A atuação do governo no caso é, sim, um ato político salvacionista e de reconstrutivo, a partir da ampla apreciação crítica para geração de recursos públicos.
            Portanto, em nome da promoção da extrema-direita, os líderes religiosos e políticos aliados fizeram má politização do fato. Ao fomentarem desconfiança em milhares de solidários, eles fizeram um desserviço aos flagelados e à nação. Por esse desserviço, eles deveriam ser criminalizados e punidos conforme a lei.
            O problema é que esse desserviço tem mais apoiadores do que parece. E estes são dos altos escalões sociais e da política, e são os maiores transgressores da lei, com ajuda do compartilhamento de mitos.

Para saber mais
YouTube:
- https://www.youtube.com/watch?v=3vRwmyiK8LU (Meteoro Brasil – Malafaia chama Xandão de assassino de bebês)
- https://www.youtube.com/watch?v=EPI8re2rDFY (Reinaldo Azevedo – padre relaciona enchente do RS a satanismo)
 https://www.youtube.com/watch?v=UtMMyHlaD6g (Eduardo Moreira – em detalhes, o alcance da extrema-direita no Brasil)
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