Natureza: omissão e
privataria
Que
as políticas para estancar a veloz progressão da mudança climática valem para o
mundo todo, já sabemos. Mas é impossível ignorar os caminhos que foram
trilhados pela política ambiental brasileira nos últimos anos.
Antes
do caso gaúcho, MG já era vítima da mineração indiscriminada, está salpicado de
barragens sujeitas a transbordar rejeito tóxico que, antes, já soterrou
centenas de vidas em Mariana e Brumadinho e arriscam em outros locais.
O
caso sulista nos reforça a lição que também demanda aprendizado de todos. Mas
os ventos contrários – o da verdade, o das falácias e o da má politização – sopram
por cima dessa necessidade e até da bela onda solidária.
Nessa
circulação toda, vale ressaltar um vento da verdade dos fatos: a política
ambiental regional, valendo tudo.
Omissão – naturalmente, em climas tropicais e subtropicais,
os rios são muito sinuosos e ladeados por alúvios (planícies inundáveis)
formadas por sedimentos das cheias. Em algumas regiões há alúvios muito amplos
(aluviões).
Nessas
planícies surgiram muitas cidades brasileiras, que sofriam inundações. Comportas,
canalização e barreiras de rios nas áreas urbanas mitigaram as enchentes
antigas. Só que as autoridades não imaginariam o que viria depois.
Para
mitigar as enchentes, um imenso dique com comportas surgiu cercando parte de
Porto Alegre em 1970. No evento de 1983, as comportas foram trocadas, com
manutenção irregular que supostamente parou no fim dos 2010.
Como
prova da sujeição de Porto Alegre à piora climática, em 2020 a então candidata
Manuela D'Ávila anunciou um sistema moderno de drenagem dos cursos d’água como
meio preventivo. Eleito Sebastião Melo, a ideia foi enterrada.
Desmonte – jovem e bem nascido, o gaúcho Eduardo Leite agrada
o tucanato e a grande mídia com ideias de enxugar o Estado. Assim como o
mineiro Romeu Zema, que mesmo sendo do Novo, pensa e age como o colega sulista.
Ambos
rasgaram as barreiras de licença ambiental para o mercado privado. Zema trocou
12 vezes a Secretaria estadual (SEMAD), para a mineração em área proibida. Leite
alterou conceitos de áreas protegidas para ceder mais de 480 delas. E não fica
só nisso.
Mesmo
melhor do que em 2019-22, o Brasil está mal no setor. No MA, voçorocas geram prejuízos
urbanos. No norte de MT, a floresta amazônica se curva aos latifúndios venenosos.
No PA, agrotóxicos envenenam igarapés e pessoas. E os respectivos governos parecem fechar os olhos.
Se o governo federal quer agir pelo certo, o
Congresso só agrava as coisas. Além das tensões fundiárias mal debatidas, há
projetos de lei visando alterar o Código Florestal para reduzir as áreas
mínimas virgens e explorar recursos de áreas degradadas em recuperação.
Por
tudo isso, o Brasil está muito aquém de contribuir na urgência do aviso das
instituições de pesquisa de meio ambiente e climatologia – mesmo longe de estar
entre os cinco maiores destruidores do planeta.
Como
melhorar? –
para suprir satisfatoriamente tal demanda, o Estado brasileiro precisa se
libertar das amarras do mercado privado e financeiro, que prega estado mínimo
para quem dele mais precisa, para ter Estado máximo para si. Mas isso não basta.
Uma
vez se libertando desse sequestro neoliberal, seus políticos precisam
desenvolver consciência ambiental e social e investir em ciência e tecnologia para
resolver os problemas fatoriais da degradação generalizada.
Para saber mais
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Referências no YouTube: canais Meteoro Brasil, Desmascarando, Portal
do José, A Voz Trabalhadora, O Historiador (fé e o desastre
no RS)
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Autor
de Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval Harari disse que o compartilhamento
de mitos é consequente à Revolução Cognitiva, pela qual, há quase
100 mil anos atrás, eles converteram pedras e seixos cortantes e perfurantes em
facas, marretas, quebra-nozes e pontas de lanças para caça.
Mitos
compartilhados –
historicamente, o mito não foi só a forma de nossos ancestrais
entenderem sua existência. Compartilhado, ele facilitou e ampliou a coesão
social entre os indivíduos do grupo e facilitou novos saltos socioevolutivos.
Assim
foi até chegarmos ao nosso contexto atual. E mitos ancestrais se diversificaram
em novos mitos a criar novos valores e culturas e controlar populações inteiras
– que mesmo diversas seriam influenciadas pelos dominantes. Os mitos compartilhados são eficientes controladores sociais.
Diversidade
x monopólio – um exemplo notório é o Brasil,
cujos mitos originários foram solapados em grande parte pela cristianização
colonial. Hoje mesmo diversificado, o cristianismo é dominante, social e
institucionalmente.
O Brasil é Estado laico (protege todas as crenças e não crenças em equidade) e politicamente democrático. Mas a laicidade e a democracia têm limites bem definidos – que têm se estreitado nos últimos anos, com uma ajuda política.
O Brasil é Estado laico (protege todas as crenças e não crenças em equidade) e politicamente democrático. Mas a laicidade e a democracia têm limites bem definidos – que têm se estreitado nos últimos anos, com uma ajuda política.
Extrema-direita
volver! – o
antipetismo enfiado goela abaixo pela midiatização da corrupção de terceiros
propiciou correntes conservadoras ultracristãs, os já abordados MBL e o bolsonarismo.
Ultracristãs? Sim. Por um fator religioso.
Dissidência
da Assembleia de Deus tradicional, o neopentecostalismo proporciona supremacia
cristã armamentista, misógina, elitista, racista e homotranafóbica à extrema-direita,
graças aos pastores que plantaram o antipetismo.
Tornados
bolsonaristas, esses pastores fazem pregações pseudomoralistas de refino
escatológico e falacioso em redes sociais favorecendo a eleição presidencial de
Bolsonaro e suas consequências. Nessa horda se consolida um líder.
Silas – Silas Malafaia sabe que falácia, conspiração e pânico
moral religioso penetram fundo. Com isso, ele promove o ex-presidente hoje inelegível
a mártir com distorções criando supostos inimigos em rede social e em comícios.
Ciente
de tamanha capilaridade, Malafaia inspira uma leva de líderes cristãos influenciadores
online, que replicam a rede de pânico moral a partir de eventos. E desta vez, o
novo pano de fundo foi a desastrosa enchente gaúcha.
Falsas
acusações – governo
federal “impede” a chegada de donativos. Antenas HAARP de novo “mudaram
o clima” a pedido do governo dos EUA. E a enchente é castigo divino devido
aos muitos “terreiros de macumba” no RS.
Essas
três falácias foram destaques. Se as duas primeiras inventam o governo e as
antenas estadunidenses como inimigos, a última foi uma das mais abjetas
expressões de racismo pela depreciação das fés afrobrasileiras.
Desserviço – a recente enchente no sul brasileiro foi mais do
que só mais um evento de fundo de “politização”. Ela foi o ápice da promoção de
uma ideologia. Tanto é que muitos alegam ser errado politizar eventos como
esse.
Na
prática, os líderes religiosos não politizaram propriamente o evento. Eles distorceram
a politização. A atuação do governo no caso é, sim, um ato político salvacionista
e de reconstrutivo, a partir da ampla apreciação crítica para geração de
recursos públicos.
Portanto,
em nome da promoção da extrema-direita, os líderes religiosos e políticos
aliados fizeram má politização do fato. Ao fomentarem desconfiança em
milhares de solidários, eles fizeram um desserviço aos flagelados e à nação. Por
esse desserviço, eles deveriam ser criminalizados e punidos conforme a lei.
O problema
é que esse desserviço tem mais apoiadores do que parece. E estes são dos altos
escalões sociais e da política, e são os maiores transgressores da lei, com ajuda do compartilhamento de mitos.
Para saber mais
YouTube:
- https://www.youtube.com/watch?v=3vRwmyiK8LU (Meteoro Brasil – Malafaia chama Xandão de
assassino de bebês)
- https://www.youtube.com/watch?v=EPI8re2rDFY (Reinaldo Azevedo – padre relaciona enchente do RS
a satanismo)
- https://www.youtube.com/watch?v=UtMMyHlaD6g
(Eduardo Moreira – em detalhes, o alcance da extrema-direita no Brasil)
Notícias
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