O
que mudaria com Kamala?
Talvez inspirado no vigor
físico e mental de Lula (e do adversário Trump), Joe Biden bem que tentou a
reeleição, mas, visivelmente abalada, sua saúde despertava dúvidas entre seus
aliados sobre a chance de vitória.
Debate
pífio – o debate foi marcado pelo desfile de mentiras e
conspirações de Trump e pelas oscilações e “brancos” de Biden. Engolido pelo
republicano, Biden finalmente aceitou o conselho de aliados e comunicou ao
público sua saída de cena.
De fato, a saúde de Biden
tem oscilado nos últimos tempos. Agora, em seu lugar entra a sua vice Kamala
Harris, também democrata (lá, as chapas são puros-sangues). Afinal, ela é mais
jovem e saudável, além de ter certo carisma.
Tocou
a batuta – filha de indiana e jamaicano, Kamala Harris não é novidade: o negro Obama presidiu duas vezes. Mas ser mulher, sim. Os EUA nunca tiveram uma mulher presidente, apesar de tentativas anteriores.
Essa soma de personalidade e origem contribuiu para elegê-la vice de Biden. Ela foi tão
relevante quanto a C19 para a vitória democrata. Mesmo ofuscada na mídia pelo presidente, ela tocou a batuta governamental levando a era Biden a termo.
Ausência
de Trump – agora, Donald Trump não terá
mais um adversário claudicante para dobrar facilmente. Nesse novo haveria o
primeiro debate entre ele e Kamala. Mas ele rejeitou a agenda, o que foi
diversamente interpretado em várias mídias.
No canal da BandNews
no Youtube, Trump fugiu do debate; já segundo O Globo, ele alegou que Kamala
ainda não foi oficialmente nomeada pelo Democrata para disputar a eleição
presidencial.
Faz sentido. Com tempo relativamente curto,
é possível que o partido Democrata a oficialize candidata à disputa. O problema
é que a chapa ainda não foi oficialmente fechada.
Opostos
antípodas – Trump tem política
armamentista, anti-imigração e contrária a assinar acordos climáticos e
ambientais. Ele é racista, xenófobo e islamofóbico, expressando a extrema-direita anarcocapitalista.
Atribui aos imigrantes o
aumento da criminalidade armada. Acusa os acordos planetários de “antieconômicos”
e nega a ação humana que exacerba o aquecimento natural e o acordo climático. E
ainda foi indiferente à pandemia de C19.
Kamala atribui a criminalidade
ao descontrole do acesso a armas de fogo, crê na economia ecologicamente
correta e que somente o acordo de cessar-gases estufa com ações concretas de todos poderá conter o
avanço do descontrole climático global.
Ela reitera sua dura
crítica à aliança Trump-Bolsonaro na negação científica extensiva à pandemia de
C19 que alimentou os movimentos antivacina aqui e lá, e milhares de mortes.
A
hipotética era Kamala – antes da desistência de
Biden, Trump ameaçou que, se perder “haverá um banho de sangue”. Aqui a
fala reverberou mais nas redes do que nos jornalões, em torcida por alguém
diferente presidindo os EUA.
A torcida não impede a
ciência das dificuldades eleitorais para mulheres não brancas nos EUA. O que
não nos impede de imaginar como seria a hipotética era Kamala Harris.
Racismo/xenofobia – a população negra é a mais importante minoria, e alvo
histórico de uma grave crise social nos EUA. Para algumas minorias étnicas, Kamala
é esperança de implantação de política antirracista.
Mas, como vice, ela não apresentou posição antirracista, mas não teve adversidade contra minorias estrangeiras.
Economia – os EUA têm o capitalismo como um valor cultural por
excelência. Certamente por isso, não apostem que Kamala fará algo que fira a
cartilha que se sobrepõe ao establishment partidário.
Em relação aos países emergentes,
ela não mudará o protecionismo à hegemonia do dólar como moeda de base global
para medir a economia, e pode ver nos BRICS um problema.
Meio ambiente – é o tema em que Kamala poderá fazer diferença, se mantiver
sua posição, dada a preocupação de cientistas e alguns governos com o futuro da
biosfera global. Mas há um obstáculo.
A dominância capitalista se
baseia na economia predatória tradicional e mantém reféns governos de variados
matizes, mais ainda o estadunidense. Um teste dificílimo para Kamala.
Política externa – outro tema espinhoso para Kamala. Ela não se posicionou
contra o genocídio palestino cometido por Israel, nem contra o avanço da OTAN
na Ucrânia contra a Rússia. A relação com Cuba e Venezuela pode fazer a diferença. Ou não.
Fria
análise – é fácil se candidatar,
difícil é exercer o poder. São várias pressões, em especial as do mercado, jogando
o mais bem-intencionado em conflito com seus princípios ideológicos. Não esperemos muitas novidades.
Mas Kamala demonstra
preparo. Herdando a grana de campanha de Biden, ela disse ter delegados o
suficiente para se candidatar à presidência (lá tem esse pré-requisito, estranho
a nós).
Sua candidatura é que
ainda está indefinida: quem formará chapa com ela na posição de vice? O partido
terá até dia 5/8 para decidir. E ela está com pressa, quer ganhar tempo nessa
guerra.
Quer aproveitar tempo e
terreno para conquistar os Estados-chave, que decidem o eleito. Afinal, seu
lance não é Trump, e sim a sua condição feminina para mostrar força num país ainda
conservador e voraz, que não quer mudar.
Para saber mais
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A
obscura era Maduro
De fato, com Hugo Chávez,
seu fundador, o prosaico sovietismo latino melhorou alguns índices sociais,
como a menor desigualdade na oferta de serviços públicos. Mas, depois o regime
mudou.
Nova
era, nova face – no Brasil, o fim de um
governo às vezes dá lugar ao vice. Na Venezuela, também. Após a morte de Chávez no
fim de 2012, o seu vice Nicolás Maduro foi eleito e tomou posse em 2013.
Maduro foi parabenizado por
muitos governantes pelo mundo. O então presidente Barack Obama (EUA) o fez com
reserva, por considerar o regime “comunista”.
Maduro militarizou as
cúpulas institucionais, que se corrompem, e meteu mais juristas no STF do país.
Nos jornalões pipocam ainda hoje acusações de persecução a opositores políticos
e populares.
Na economia, a
hiperinflação, que bateu recorde absurdo superior a 120.000% em 2018, minou o
poder de compra. O limite de lucros a 30% imposto pelo governo, independente do
valor, afastou micro e pequenos empresários¹.
A militarizada petrolífera
PDVSA compensou a queda da sua produção com outras atividades como importação
de alimentos. Há evidência de muita corrupção com os lucros obtidos pelas
atividades da estatal.
Se houve alarde midiático
nas acusações negativas a Maduro, o mesmo não ocorreu com as intervenções
estadunidenses.
Sanção – há divergência sobre o início das sanções dos EUA.
Mas elas se seguiram à Lei 113-278 de Defesa dos Direitos Humanos na
Venezuela (2014) e à Ordem Executiva 13692 (2015), do governo
estadunidense.
Esses dispositivos legais são adaptações dos elaborados pelos EUA em 1960 contra Cuba, e criar o pânico que gerou as ditaduras militares sul-americanas nos anos 1960-80.
Sanção é um bloqueio
econômico motivado por divergência política externa, que condena o povo e não o
governante. A paralisação da economia externa do país foi impactou a
interna, com mais falta de produtos e serviços.
O seguimento das sanções engrossou a emigração massiva de venezuelanos para os países vizinhos. São famílias inteiras, carentes de emprego e comida.
Embora as sanções
permaneçam, houve acordo no México entre representantes dos governos dos EUA
e Venezuela de reabertura de exploração do petróleo venezuelano há uns 2 anos.
Eleições 2018 e 2024 – Maduro foi reeleito pela 1ª vez em 2018 e rendeu notícia devido aos protestos dos opositores liderados por Juan Guaidó. Este foi depois preso e tudo parou.
No pleito de julho/2024 se noticiou que Maduro foi de novo reeleito. Ou se reelegeu? A falta de observadores internacionais gerou desconfiança, inclusive de Lula. Já a oposição reivindica vitória de quase 70%.
Nicarágua e
Cuba acreditam na vitória “honesta” de Maduro. Mais reservados, Brasil, México e Colômbia cobram atas da instituição eleitoral venezuelana que, aparelhada, pode protelar.
Detalhe: o sistema venezuelano
é de voto impresso, mais suscetível à fraude – tão defendido pelos
bolsonaristas. E Bolsonaro, acreditem, disse que “Maduro fez certo”.
Fria
análise – se o chavismo inicial
teve característica mais próxima do sovietismo, a fase atual ficou mais próxima
aos regimes militares sul-americanos citados, podendo ser denominada Madurismo.
Sem resolver o grave problema socioeconômico interno e perseguindo opositores, o novo regime é autoritário e reacionário, ao favorecer uma elite local que se locupleta com a corrupção institucional e dos oligopólios que escapam às restrições.
Vale acrescentar, porém,
que aquela inflação bizarra de 2018 supostamente resulta, até prova contrária, do agravamento econômico
imposto pelas sanções estadunidenses.
Por sua nova caracterização,
o apoio da IURD de Macedo e o fogo de palha de Bolsonaro, o madurismo é um
sinal de que um regime muito duradouro um dia tende a “cansar” a patuleia, com ou sem
sanções.
A alternância de poder é uma tendência natural em democracias sólidas. Mas na Venezuela, a oposição liderada por Corina Machado ou Guaidó não deve diferir do madurismo em caráter e odor. Cabe aí uma análise mais profunda.
Pode parecer estranho, mas
um regime de esquerda democrática e reflexiva pode, quiçá, ser melhor para a Venezuela.
É do que a nação precisa. Mas, tal como o bolsonarismo, o madurismo vai ficar na ideia por muito tempo.
Nota da autoria
¹ micro e pequenas empresas
(MPEs) empregam mais e dão mais divisas internas. Na Venezuela, o limite ameaça
milhares de empregos.
Para saber mais
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