quinta-feira, 1 de agosto de 2024

CURTAS 80 - ANÁLISES (Eleições EUA e Venezuela)

 

O que mudaria com Kamala?

             Talvez inspirado no vigor físico e mental de Lula (e do adversário Trump), Joe Biden bem que tentou a reeleição, mas, visivelmente abalada, sua saúde despertava dúvidas entre seus aliados sobre a chance de vitória.
            Debate pífio  – o debate foi marcado pelo desfile de mentiras e conspirações de Trump e pelas oscilações e “brancos” de Biden. Engolido pelo republicano, Biden finalmente aceitou o conselho de aliados e comunicou ao público sua saída de cena.
            De fato, a saúde de Biden tem oscilado nos últimos tempos. Agora, em seu lugar entra a sua vice Kamala Harris, também democrata (lá, as chapas são puros-sangues). Afinal, ela é mais jovem e saudável, além de ter certo carisma.
            Tocou a batuta  – filha de indiana e jamaicano, Kamala Harris não é novidade: o negro Obama presidiu duas vezes. Mas ser mulher, sim. Os EUA nunca tiveram uma mulher presidente, apesar de tentativas anteriores.
            Essa soma de personalidade e origem contribuiu para elegê-la vice de Biden. Ela foi tão relevante quanto a C19 para a vitória democrata. Mesmo ofuscada na mídia pelo presidente, ela tocou a batuta governamental levando a era Biden a termo.
            Ausência de Trump – agora, Donald Trump não terá mais um adversário claudicante para dobrar facilmente. Nesse novo haveria o primeiro debate entre ele e Kamala. Mas ele rejeitou a agenda, o que foi diversamente interpretado em várias mídias.
            No canal da BandNews no Youtube, Trump fugiu do debate; já segundo O Globo, ele alegou que Kamala ainda não foi oficialmente nomeada pelo Democrata para disputar a eleição presidencial.
            Faz sentido. Com tempo relativamente curto, é possível que o partido Democrata a oficialize candidata à disputa. O problema é que a chapa ainda não foi oficialmente fechada.
            Opostos antípodas – Trump tem política armamentista, anti-imigração e contrária a assinar acordos climáticos e ambientais. Ele é racista, xenófobo e islamofóbico, expressando a extrema-direita anarcocapitalista.
            Atribui aos imigrantes o aumento da criminalidade armada. Acusa os acordos planetários de “antieconômicos” e nega a ação humana que exacerba o aquecimento natural e o acordo climático. E ainda foi indiferente à pandemia de C19.
            Kamala atribui a criminalidade ao descontrole do acesso a armas de fogo, crê na economia ecologicamente correta e que somente o acordo de cessar-gases estufa com ações concretas de todos poderá conter o avanço do descontrole climático global.
            Ela reitera sua dura crítica à aliança Trump-Bolsonaro na negação científica extensiva à pandemia de C19 que alimentou os movimentos antivacina aqui e lá, e milhares de mortes.
            A hipotética era Kamala – antes da desistência de Biden, Trump ameaçou que, se perder “haverá um banho de sangue”. Aqui a fala reverberou mais nas redes do que nos jornalões, em torcida por alguém diferente presidindo os EUA.
            A torcida não impede a ciência das dificuldades eleitorais para mulheres não brancas nos EUA. O que não nos impede de imaginar como seria a hipotética era Kamala Harris.
            Racismo/xenofobia – a população negra é a mais importante minoria, e alvo histórico de uma grave crise social nos EUA. Para algumas minorias étnicas, Kamala é esperança de implantação de política antirracista.
            Mas, como vice, ela não apresentou posição antirracista, mas não teve adversidade contra minorias estrangeiras.
            Economia – os EUA têm o capitalismo como um valor cultural por excelência. Certamente por isso, não apostem que Kamala fará algo que fira a cartilha que se sobrepõe ao establishment partidário.
            Em relação aos países emergentes, ela não mudará o protecionismo à hegemonia do dólar como moeda de base global para medir a economia, e pode ver nos BRICS um problema.
            Meio ambiente – é o tema em que Kamala poderá fazer diferença, se mantiver sua posição, dada a preocupação de cientistas e alguns governos com o futuro da biosfera global. Mas há um obstáculo.
            A dominância capitalista se baseia na economia predatória tradicional e mantém reféns governos de variados matizes, mais ainda o estadunidense. Um teste dificílimo para Kamala.
            Política externa – outro tema espinhoso para Kamala. Ela não se posicionou contra o genocídio palestino cometido por Israel, nem contra o avanço da OTAN na Ucrânia contra a Rússia. A relação com Cuba e Venezuela pode fazer a diferença. Ou não.
            Fria análise – é fácil se candidatar, difícil é exercer o poder. São várias pressões, em especial as do mercado, jogando o mais bem-intencionado em conflito com seus princípios ideológicos. Não esperemos muitas novidades.
            Mas Kamala demonstra preparo. Herdando a grana de campanha de Biden, ela disse ter delegados o suficiente para se candidatar à presidência (lá tem esse pré-requisito, estranho a nós).
            Sua candidatura é que ainda está indefinida: quem formará chapa com ela na posição de vice? O partido terá até dia 5/8 para decidir. E ela está com pressa, quer ganhar tempo nessa guerra.
            Quer aproveitar tempo e terreno para conquistar os Estados-chave, que decidem o eleito. Afinal, seu lance não é Trump, e sim a sua condição feminina para mostrar força num país ainda conservador e voraz, que não quer mudar.

Para saber mais
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A obscura era Maduro

            Já abordado, o chavismo foi eleito para mitigar ou findar os profundos reveses sociais implantados pela colonização e nunca devidamente resolvidos pelos governos republicanos pós-independência.
            De fato, com Hugo Chávez, seu fundador, o prosaico sovietismo latino melhorou alguns índices sociais, como a menor desigualdade na oferta de serviços públicos. Mas, depois o regime mudou.
            Nova era, nova face – no Brasil, o fim de um governo às vezes dá lugar ao vice. Na Venezuela, também. Após a morte de Chávez no fim de 2012, o seu vice Nicolás Maduro foi eleito e tomou posse em 2013.
            Maduro foi parabenizado por muitos governantes pelo mundo. O então presidente Barack Obama (EUA) o fez com reserva, por considerar o regime “comunista”.
            Maduro militarizou as cúpulas institucionais, que se corrompem, e meteu mais juristas no STF do país. Nos jornalões pipocam ainda hoje acusações de persecução a opositores políticos e populares.
            Na economia, a hiperinflação, que bateu recorde absurdo superior a 120.000% em 2018, minou o poder de compra. O limite de lucros a 30% imposto pelo governo, independente do valor, afastou micro e pequenos empresários¹.
            A militarizada petrolífera PDVSA compensou a queda da sua produção com outras atividades como importação de alimentos. Há evidência de muita corrupção com os lucros obtidos pelas atividades da estatal.
            Se houve alarde midiático nas acusações negativas a Maduro, o mesmo não ocorreu com as intervenções estadunidenses.
            Sanção – há divergência sobre o início das sanções dos EUA. Mas elas se seguiram à Lei 113-278 de Defesa dos Direitos Humanos na Venezuela (2014) e à Ordem Executiva 13692 (2015), do governo estadunidense.
            Esses dispositivos legais são adaptações dos elaborados pelos EUA em 1960 contra Cuba, e criar o pânico que gerou as ditaduras militares sul-americanas nos anos 1960-80.
            Sanção é um bloqueio econômico motivado por divergência política externa, que condena o povo e não o governante. A paralisação da economia externa do país foi impactou a interna, com mais falta de produtos e serviços.
            O seguimento das sanções engrossou a emigração massiva de venezuelanos para os países vizinhos. São famílias inteiras, carentes de emprego e comida.
            Embora as sanções permaneçam, houve acordo no México entre representantes dos governos dos EUA e Venezuela de reabertura de exploração do petróleo venezuelano há uns 2 anos.
            Eleições 2018 e 2024 – Maduro foi reeleito pela 1ª vez em 2018 e rendeu notícia devido aos protestos dos opositores liderados por Juan Guaidó. Este foi depois preso e tudo parou.
            No pleito de julho/2024 se noticiou que Maduro foi de novo reeleito. Ou se reelegeu? A falta de observadores internacionais gerou desconfiança, inclusive de Lula. Já a oposição reivindica vitória de quase 70%.
            Nicarágua e Cuba acreditam na vitória “honesta” de Maduro. Mais reservados, Brasil, México e Colômbia cobram atas da instituição eleitoral venezuelana que, aparelhada, pode protelar.
            Detalhe: o sistema venezuelano é de voto impresso, mais suscetível à fraude – tão defendido pelos bolsonaristas. E Bolsonaro, acreditem, disse que “Maduro fez certo”.
            Fria análise – se o chavismo inicial teve característica mais próxima do sovietismo, a fase atual ficou mais próxima aos regimes militares sul-americanos citados, podendo ser denominada Madurismo.
            Sem resolver o grave problema socioeconômico interno e perseguindo opositores, o novo regime é autoritário e reacionário, ao favorecer uma elite local que se locupleta com a corrupção institucional e dos oligopólios que escapam às restrições.
            Vale acrescentar, porém, que aquela inflação bizarra de 2018 supostamente resulta, até prova contrária, do agravamento econômico imposto pelas sanções estadunidenses.
            Por sua nova caracterização, o apoio da IURD de Macedo e o fogo de palha de Bolsonaro, o madurismo é um sinal de que um regime muito duradouro um dia tende a “cansar” a patuleia, com ou sem sanções.
            A alternância de poder é uma tendência natural em democracias sólidas. Mas na Venezuela, a oposição liderada por Corina Machado ou Guaidó não deve diferir do madurismo em caráter e odor. Cabe aí uma análise mais profunda.
            Pode parecer estranho, mas um regime de esquerda democrática e reflexiva pode, quiçá, ser melhor para a Venezuela. É do que a nação precisa. Mas, tal como o bolsonarismo, o madurismo vai ficar na ideia por muito tempo.

Nota da autoria
¹ micro e pequenas empresas (MPEs) empregam mais e dão mais divisas internas. Na Venezuela, o limite ameaça milhares de empregos.
Para saber mais
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