A
eficiente psicologia do extremismo
A extrema-direita não é só
conhecida pelas ditaduras que forjaram o viés político em nações do Sul Global
(América Latina, África e parte da Ásia). Ela também tem outro caráter
histórico: poder de cooptação.
Nos anos 1930, Hitler fez a
geral alemã acreditar que socialistas e comunistas fossem responsáveis pela
crise econômica global de 1939 e que seriam judeus. “Justificou” o seu
banimento antes e durante a II guerra.
Nazismo: antissemitismo e
arianismo – o antissemitismo europeu é secular e se relaciona à descrença judaica em Jesus como messias.
O suposto arianismo alemão se liga à história de um antigo povo, mesclada à
teoria racista do século XIX.
Arianos – povo indo-asiático de
aparência próxima à europeia e língua sânscrita (ariano = nobre). Alguns atribuem a eles serem os fundadores da
cultura pré-celta da Europa entre 7000-3000 a.C. A língua e o biótipo viraram
bases para a crença nazista.
Europeus nazificados escaparam,
mas os antinazistas céticos pararam em campos de concentração na Alemanha e
vizinhos tomados na guerra. A tragédia resultante deveria ser lição para não
mais ser repetida, mas o extremismo deixou legado.
Retorno para ficar – originada de especulação imobiliária nos EUA, a
crise econômica internacional de 2008 despertou temor de possível nova
depressão de 1929-32. Mas não foi a oscilação capital o único motivo desse medo.
Nesse ano houve eleições em
países americanos e europeus. Na Europa, partidários de extrema-direita foram
aos pleitos, nos quais alguns foram eleitos. Embora minoritária, sua presença
já ameaçava silenciosamente.
Por aqui, há mais de 60 anos os jornalões criticam o populismo apontando o mercado como a solução de nossos males. Nosso extremismo era ignorado, até que um nome deu sinais só levados em conta tarde demais.
Bolsonarismo – se refere a Jair Bolsonaro, um paulista que surgiu
no RJ inicialmente como militar e, após controversa saída, na bem-sucedida
carreira política iniciada como vereador, depois deputado federal e finalmente
presidente.
O então desprezado vereador
e deputado federal não tinha equipe de comunicação digna de nota. Orkut era a rede
social e MSN Messenger, o zap. Na TV, ele agitava programas de auditório de naipe
duvidoso, mas popular.
Momentos – sem alarde, Bolsonaro se aproveitou do desprezo de
colegas e presidentes para chegar lá e revelar o seu caráter e sua
história. A partir de 2014, o Brasil desceu sem freio até abrir o cadafalso nas
eleições de 2018.
Por sobrevivência, em 2022 o Brasil elegeu Lula. Em 2023, a Argentina elege
o extremista Milei, mais horrivelmente eficiente do que Bolsonaro ao instaurar o
caos social no país – que o capital aplaude.
Em 2024, por muito pouco a França escapou. O extremismo de Marie Le Pen era líder para ter a maioria das cadeiras parlamentares, mas a frente de centro-esquerda venceu. A massa lotou as ruas de Paris em festa.
Mesmo com tantas evidências
históricas pretéritas e atuais, por que a extrema-direita atrai simpatia?
Pump mental – o sucesso do ativismo extremista online é notável.
Como receita de bolo se junta psicólogo, político, líder neopentecostal e bom influencer farsesco de palavras-chave¹, e bate tudo na batedeira ideológica. O resultado é um pump mental coletivo.
O bolsonarismo até
economizou em pessoal: seu líder religioso é um psicólogo influencer de oratória
coercitiva. Jair Bolsonaro deve muito ao Silas por sua popularidade, mesmo com tantas provas criminais.
Essa mistura é
vital para a eficiência do discurso farsesco na captura mental da coletividade. Daí hoje o segmento
evangélico ser o mais avesso a Lula hoje nas pesquisas de popularidade.
Como meio de evocar
promessas sociais de impacto coletivo, o populismo foi bem usado por Bolsonaro
em seus eventos públicos e ainda faz efeito. O mesmo estilo, efeito e palavras de Hitler e Goebbels.
Há solução? – os esquerdistas são cientes do poder do ativismo extremista
em redes sociais, e daí assumem sua própria deficiência. Mas, como melhorar seu
desempenho nesse meio sem usar a farsa da frente oponente?
Mudança de linguagem – redes sociais e mensageiros instantâneos são meios
usuais de busca, partilha e debate de informações hoje. No ciberespaço, a
linguagem culta dá lugar a outra, coloquial, popular, direta.
A esquerda deve aprender a
superar essa dificuldade. Usar o gramscismo² intelectual com
linguagem populista adequada em favor do despertar da consciência de classe
entre o povo. Vide o exemplo Lula.
Por mais maçante que seja
seu discurso, Lula mantém seu carisma e um amplo público fiel de classes
baixas. Ele não teme usar o populismo a seu favor e exercer poder sobre seu
público. Graças à linguagem naturalmente popular. Está dada a cartada.
Nota da autoria
¹ Deus, pátria, família e trabalho, as mesmas palavras-chave do nazismo alemão.
² Relativo a Gramsci, pensador italiano de esquerda dos anos 1930.
Para saber mais
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A
função política da mentira
Como cumprimento da palavra dada, a honestidade
é uma virtude ética exigível em todas as relações humanas. A sinceridade
a integra enquanto coerência entre o feito e o dito.
Em oposição, a mentira integra a desonestidade.
Mas, ninguém é absolutamente sincero: somos contraditos, duais. Os antropólogos
estudaram a motivação da mentira e têm conclusão forte.
Conciliação social – no
livro Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval Harari diz que
leis e normas sociais são criações culturais a partir da crença partilhada,
que garante sociedades amplas e complexas.
Os preceitos da crença partilhada são bases de
valores éticos socialmente aceitáveis e, mais ainda, exigíveis. O que não
coaduna com a mentira, que fere bens preciosos como família, amor, amizades e
trabalho.
Mas – doce sabor da ironia – a mentira que pode
causar ruptura pode também salvar relações. Como bons advogados, convencemos o
outro com um argumento inventado que sela a paz. Mas a má intenção impera em
algumas situações.
Função (geo)política – a
mentira rola solta na política. Mas, quando ela virou símbolo político? Não
sabemos, mas há exemplos históricos, que favoreceram regimes extremistas em
diferentes épocas.
Falácias anticomunistas geraram regimes
nazifascistas militares na Europa entre 1923-45, e na América Latina entre
1964-90. As falácias de Stalin sobre os EUA endureceram o sovietismo pós-Lênin,
que caiu em 1991.
O governo da Coreia do Norte propaga a falsa
“maravilha de país” para camuflar o solapamento de direitos fundamentais criado
pela surreal ditadura, que deságua numa crise humanitária generalizada.
Mas não se usa a mentira política só para criar
ditaduras. Ela é comum também em democracias, em especial quando um governo
vigente desagrada em pontos sensíveis para o grande público.
Pseudomoralismo – no
Brasil, a nova extrema-direita emergiu nos anos 2010 seduzindo a patuleia com
discurso anticorrupção, moral cristã, armas para a geral e supremacia cristã.
Mas agora, a verdade se revela atroz.
Vários extremistas usam grana pública
indevidamente, são acusados de violência de gênero, tráfico de drogas em
empresas familiares, organização criminosa, formação de quadrilha, incentivo à
intentona de 8/1/23, Abin paralela e outros crimes.
Negacionismo –
a negação da ciência em vários temas (vacinas, clima, ambiente) por políticos
da extrema-direita atual forjou tragédias inevitáveis como na pandemia da C19 e
nos extremos climáticos recentes.
Vários parlamentares criam fake news
(notícias falaciosas) e conspirações (teorias surreais), atribuindo ações do
governo à iniciativa privada (que nada fez na real) no RS, e espalhando que as
antenas Haarp causaram as enchentes gaúchas.
O problema não é só nosso: Donald Trump foi
eleito presidente dos EUA em 2020 mentindo à larga, com apoio de Bolsonaro
aqui. E agora repete a dose contra Biden, revelando o seu caráter.
O atentado recente sofrido por Trump é similar
ao caso Bolsonaro (2018), inclusive na circunstância eleitoral, daí serem controversos
para os antibolsonaristas e antitrumpistas. Mas o efeito pode não ser o mesmo.
Em fria análise, a
mentira pode tanto ajudar a solidificar relações afetivas e evitar injustiças no
ambiente de trabalho, quanto atrapalhar tudo. Por isso, ela pode não significar
desonestidade, mas sim, ser a maior demonstração do quão contraditórios somos.
Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-47941465 (Sem
mentiras, o que aconteceria com as relações sociais?, enquete BBC Brasil)
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