sábado, 19 de outubro de 2024

CURTAS 82 - ANÁLISES (eleições 2024)

 

O racha bolsonarista e a esquerda

            Mesmo com seus muitos crimes políticos comprovados, Jair Bolsonaro tem um fã-clube refratário à realidade vivendo um mundo paralelo. Copiada de Hitler, a técnica bolsonarista foi sequestrada por uma nova liderança: Pablo Marçal.
            O cara – goiano, Pablo Marçal foi a Sampa, onde se formou em Direito, mas virou um bem-sucedido coach de motivação. É casado e tem 4 filhos. Declara-se cristão inespecífico, mas com viés neopentecostal.
            Como coach, ele usava passagens bíblicas para motivar. Como influencer, usou sua religiosidade para endossar a rede de fake news bolsonaristas. Mas por trás de tudo isso, seu currículo também é muito polêmico.
            Roubo qualificado- integrou quadrilha liderada por um pastor evangélico para golpear contas bancárias de idosos. Após muito tempo, foi condenado à prisão, mas o crime havia prescrito.
            Charlatanismo- tentou curar uma tetraplégica e ressuscitar dois mortos com benzeção. Se vitimizou pelo fracasso mantendo a credulidade dos envolvidos na sua “capacidade”.
            Violações trabalhistas- como empresário, ele impôs aos funcionários exercícios físicos sem supervisão médica, com ameaça de demissão. Dois deles morreram, um deles de parada cardíaca em meio a maratona sem aviso prévio.
            Na pandemia, foi acusado de proibir o uso de máscaras e outras medidas profiláticas da OMS.
            Pico dos Marins- ele liderou 32 pessoas na expedição. No caminho, uma tempestade deixou o grupo em apuros, com uma morte. Sem alternativa, o Corpo de Bombeiros foi acionado.
            Os bombeiros denunciaram a falta de profissionais habilitados como guia local experiente e socorrista, e equipamentos inadequados do grupo. O resgate demorou 8h devido às inadequações e às condições climáticas e ambientais.
            Torneio de likes- ele promoveu um torneio entre seus seguidores. Quem tivesse mais likes ganharia prêmio em dinheiro. O fato entrou na mira do PSB¹. Marçal negou as acusações, mas o estrago já estava feito.
            Calúnias- engrossou a fileira bolsonarista caluniando contra Lula e seu governo criando mentiras sobre vários fatos, como as enchentes gaúchas.
            Aventura política – usando a mesma ideologia de pânico moral bolsonarista, ele se aventurou na política. Em 2018 tentou ser deputado federal, e em 2020, vereador, mas perdeu ambas. E tentou agora a corrida da prefeitura.
            Nas duas tentativas anteriores ele não foi tão midiatizado quanto hoje. As calúnias contra o governo Lula relativas às enchentes gaúchas, e sua participação em debates foram trampolins para as alturas.
            Marçal ofendeu principalmente três adversários: Boulos (mentiras sobre drogas), Tábata (a acusou pelo suicídio do pai) e Datena (o chamou de Jack, uma gíria moderna para acusa-lo de estupro). Uma cadeirada em rede nacional foi a resposta.
            Embora não impedisse o sucesso de Marçal na grande mídia, a cadeirada de Datena o aquietou nos debates seguintes, e ajudou muitos eleitores a mudar de ideia, tirando-o de disputar o 2º turno.
            Reflexão final – o festival de baixarias protagonizado por Pablo Marçal não impediu as emissoras de convidá-lo para debates. Pelo contrário: foi o seu baixo nível o indutor de seu sucesso midiático.
            Isso tem uma razão mercadológica: para as emissoras, altos pontos de audiência significam altas cifras de concessão pública e de manutenção de dominância no meio midiático. Os holofotes sobre Marçal tiveram importância bem aí.
            A âncora da Globo News Daniela Lima criticou as emissoras, inclusive a Globo, por tanta atenção a Marçal. Apesar da indiferença delas, a crítica foi razoável: ela pontuou o risco de hipervalorização da violência política.
            Posição da esquerda- a maior parte da esquerda repudiou a inércia aparente do TRE-SP por não ter impugnado a candidatura de Marçal devido à sucessão quase infinda de ofensas e calúnias.
            Por outro lado, o candidato Guilherme Boulos procurou ser conciliador, dizendo que os eleitores de Marçal “queriam mudança na cidade”, uma crítica à postura do prefeito Ricardo Nunes durante todo o mandato.
            O pleito no 1º turno tirou Marçal, mas este continua na mídia: “orientou” seus eleitores a votar em Boulos. Ele se arrependeu das calúnias? Não: na prática, ele só se moveu por sua desafeição a Nunes.
            Eles disputaram o apoio político do dividido Jair Bolsonaro – que Nunes agora repudia o acusando de traição, após o ex-presidente revelar queda pelo ex-coach mesmo este tendo roubado a cena naquele comício da Paulista.
            Se houver, a desavença pessoal pode ter sido expressada na pesada acusação de violência doméstica contra o prefeito. Marçal o acusou de arrogância por não ter pedido desculpas ao público pelo ato.
            A acusação citada é real e anterior à eleição do finado Bruno Covas, de quem Nunes foi vice e o sucedeu. Mas a esposa teria retirado a queixa: é inegável a vantagem trazida pela carreira política do marido.
            Parece que a estranha “orientação” de Marçal não foi seguida pelos eleitores: a última pesquisa revelou Nunes bem à frente de Boulos – mesmo com o segundo apagão pós-temporal em Sampa, que afetou mais pessoas do que o furacão Milton na Flórida.
            O PSOL não se pronunciou sobre a “orientação” de Marçal. Mas Boulos segue visitando as regiões apagadas pelo mau serviço da Enel e desprezadas por Nunes. É um momento crucial: pode aproximar os dois na corrida final. Quem ganhará: resta esperar.

Nota da autoria
¹ Partido Socialista Brasileiro, centrista levemente inclinado à esquerda.
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O grande eleito em 2024

            Enquanto que em algumas cidades de médio porte e capitais as eleições foram resolvidas – alguns casos inéditos –, outras tantas ainda só terão uma resposta definida no segundo turno, no último domingo de outubro.
            Ainda assim, os primeiros resultados já nos dão um esboço de como será o rumo da política municipal – com partidos isolados ou coligados a outras legendas –, antes mesmo de o segundo turno chegar.
            O Centrão – na ditadura militar pós-AI-5, o MDB funcionou como uma “oposição” dentro da própria direita, a dançar conforme a música. A era Sarney (1985-9) “oficializou”, então, o que conhecemos como Centrão.
            Ele se difere do extremismo por ser a direita tradicional na prática. O superlativo se deve por agregar a maioria do parlamento, por aprovar ou reprovar propostas de governo e estipular valores de emendas.
            Emendas impositivas- válidas na CF-1988, elas são pagas pelo Executivo ao Congresso para repassar recursos às regiões de origem para efetivar políticas públicas. Daí elas não serem o problema, e sim a conduta dos parlamentares.
            Valores bilionários favorecem a corrupção nos municípios e estados, e o cenário econômico torna o Centrão tão privatista quanto os governos na privataria do patrimônio público. Daí não poder culpar somente o Executivo.
            À parte – Jair Bolsonaro só não foi deposto do poder porque pagou muita emenda sem transparência, o orçamento secreto.  O total reportado foi a quase R$ 80 bilhões, mas a opacidade sugere um valor real maior.
            Ilícita, essa extorsão foi extinta pelo STF em 2023. Mas o poderoso chefe Arthur Lira expôs um plano B. Surgiram as emendas PIX, alvo do STF (Flávio Dino) para julgar sua licitude – o que determinou o seu bloqueio, irritando Lira.
            A validade do julgamento da emenda Pix reside na extrema liberdade desse modelo de transação, que pode não aparecer no Portal da Transparência diferindo, portanto, das contas bancárias dos emissores, intermediários e destinatários.
            O PIX tem uma denominação fixa, que pode ser pessoal (como número de CPF) ou grupal (um e-mail, por exemplo). E pode ser manuseado até por WhatsApp. Tudo isso só favorece a opacidade das transações.
            Má distribuição e eleições municipais – por pix ou conta bancária, impositivas ou extras, as emendas parlamentares foram para Estados e municípios em geral. Mesmo refletindo o tamanho das bancadas no Congresso, a distribuição é ruim.
            Mas houve um doce sabor da ironia. Se a maior parte da bolada bilionária parou nos partidos do Centrão, o hoje nanico PSDB de FHC e Aécio Neves recebeu mais grana do que o PT de Lula , de maior porte hoje.
            E nas eleições municipais as emendas parlamentares tiveram peso especial. As cidades com recepção das maiores quantias foram as que elegeram, principalmente, candidatos dos partidos integrantes do Centrão.
            Isso se refletiu no ranking. Os partidos de maior ganho eleitoral foram o PSD do cacique Kassab, o MDB de Renan Calheiros e o PP de Lira. Mais abaixo, o PL de Bolsonaro e Costa Neto ultrapassou o PT, com mais de 700 municípios.
            Na esquerda – seguindo em pouco mais de 250 cidades, o status eleitoral do PT irritou Lula, que culpou a cúpula de seu partido de não permitir novos bons líderes, e o seu próprio governo, numa reflexão sobre as pressões sofridas na fase final de sua carreira.
            Enquanto isso, o PSOL crava sua 2ª final em Sampa. Fundado por ex-petistas velha guarda como Chico Alencar e Ivan Valente, o partido compensa o pequeno porte com coerência ideológica e têmpera combativa. Mas há um problema.
            O multitemático identitarismo. Apesar de dar legítima visibilidade política às minorias, ele assumiu caráter tão agressivo quanto a direita nazifascista, favorecendo um feedback oponente pior do que o gatilho inicial do preconceito.
            Não por acaso, eleitoralmente alguns psolistas têm se precavido em alguns dos temas. Mesmo legítima enquanto causa social, a pauta identitária é o maior alvo do pânico moral extremista: ainda há muito de seus ecos.
            Por outro lado, o PT pisou na bola ao lançar projetos contraditos à proposta de defesa do SUS, entregando a saúde pública para empresas ditas públicas, com passagens duvidosas na gestão dos serviços. Com isso o Centrão ri de contente.
            O que resta ao petismo é rever a sua relação com as bases populares reassumindo linguagem popular e defendendo serviços públicos executados por servidores públicos. Afinal, Lula foi eleito por sobrevivência e não por adoração.
            Se não refletir adequadamente aí, Lula pode entregar o país nas mãos da extrema-direita alimentada pelo Centrão. E isso, intimamente, ninguém – especialmente servidores de saúde e educação – quer de novo. Nem nos municípios.

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sábado, 5 de outubro de 2024

ANÁLISE: A ideologia do fogo

 

            A despeito de ser referência de maior biodiversidade do planeta abrigando a maior floresta equatorial, o Brasil tem experimentado constância variável no desmatamento. Veríamos novas altas a partir da breve era Temer, em 2016.
            O auge foi na era 2019-22, com incentivo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tornou o Brasil uma ameaça planetária. Lula 3 reduziu forte o desmate nos biomas florestais, mas neste 2024 vemos um inédito recorde incendiário pelo Brasil.

           Início – o país já passava por um forte calor e baixos níveis de umidade no ar. As mídias se atentavam na meteorologia, o escândalo envolvendo Silvio Almeida e a voadora de Xandão na rede social X no Brasil.
            Nesse contexto, o histriônico pastor bolsonarista Silas Malafaia usou o alarmista anúncio “o Brasil vai pegar fogo!”, em referência à passagem de Jair Bolsonaro para esquentar as campanhas bolsonaristas em São Paulo.
            Só que o sentido metafórico se tornou literal: os primeiros grandes incêndios foram noticiados quando Bolsonaro foi a SP com o governador Tarcísio, parlamentares aliados e Malafaia a tiracolo. Uma referência importante.

            Da seca ao crime – antes dos Bolsonaro em São Paulo, as primeiras notícias eram de focos dispersos e menores, ligados ao calorão seco do centro-sudeste ao norte do país. E então Bolsonaro entrou no estado e tudo mudou.
            Foi quando surgiram as primeiras notícias dos fogaréus imensos, no interior paulista. Para o país foi um pulo. Fotos da Nasa internacionalizaram as notícias, com fogo já na Colômbia, Peru, Equador, Peru, Bolívia (Amazônia) e Paraguai (Pantanal).
            Tamanha extensão afirmou o caráter criminoso. Após denúncias, alguns bois de piranha foram presos. Um deles acusou o PCC de mando, o que o governador Tarcísio negou – e olhos se viraram para o bolsonarismo.

            Historicidade – aprendemos na escola que a coivara (pequena queimada controlada de baixo impacto) já era praticada por indígenas e aprendida por outras populações¹ e pequenos posseiros para criar roças.
            Os incêndios extensos vieram com os latifúndios e a indústria, demandando grandes extensões de terras e impactando fundo o ambiente. E o bolsonarismo politizou muito mal a coivara para justificar o Dia do Fogo².
            O ex-presidente culpou os indígenas pelos incêndios que “impedem as operações do IBAMA”, mentira que só cola em seu bárbaro fã-clube. O eleitoral 2022 foi o ano bolsonarista mais incendiário.
            No seco 2023 de El Niño, os incêndios foram reduzidos. Neste 2024 seco, mas neutro, a nova “efeméride” do fogo surgiu clareando a suspeita geral contra um setor gigante no país. A mídia tem dito que as áreas mais atingidas foram as agrícolas. Mas as imagens desmentem revelando as áreas naturais.

            O agro à frente – o agronegócio atual emergiu na ditadura militar, com a qual se alinhou para inibir seus trabalhadores. Antes raríssimas, as multas e apreensões ferraram no petismo, o que pode ter alimentado a queda de Dilma Rousseff.
            Tendo 70% do Congresso, em parte fundida a bíblicos e armamentistas, a bancada do boi é a maior pressão sobre Lula 3, eleito por sobrevivência. Daí as propostas deste governo terem aprove bem difícil.
            Essa maioria modifica tanto os textos que estes perdem sua intenção original inibindo os avanços necessários. Seu lobby político-econômico a torna imune a tributos e punições. Menos de 5% das multas é arrecadada pelo Tesouro.
            Pode ter ajudado os milicos nas 8350 mortes indígenas. Na democracia é o maior protagonista de homicídios sobre os líderes de povos tradicionais e de ambientalistas. Pode ter financiado a intentona de 8/1 e o fogaréu atual.
            Não, o agro definitivamente não é pop. E muito pouco põe alimentos na sua mesa.

            Consequências – durante seu úmido mandato, o então presidente Bolsonaro declarou que “na Amazônia não pega fogo porque ela é úmida”. Claro que essa afirmação teve oportunas omissões.
            Naturalmente, Amazônia e Mata Atlântica juntas criam bolsões úmidos atmosféricos que se fundem e se estendem a outras regiões, como os rios voadores para o centro-sudeste-sul do Brasil. Mas estão sujeitas a ciclos sazonais e climáticos.
            Influenciados por El Niño (aquece águas do Pacífico central e seca o norte-nordeste) e La Niña (o contrário), os ciclos são meio regulares e variam de duração e força – e se desequilibram com a ação humana, gerando extremos perigosos.
            Desequilíbrio- desde 2023, a Amazônia vive a sua pior seca, sem os rios voadores para molhar o Centro-Sul chamuscado pelas chamas. A onda quente e seca possibilita incêndios naturais mediante combustão espontânea de vegetação seca. Sim, possibilita: só incêndios criminosos são consequências obrigatórias.
            Incêndios naturais tendem a apagar com as primeiras chuvas da época úmida. Mais extensos, os criminosos persistem e criam feedback com a seca ferrando a integridade ambiental natural.
            Calor extremoos principais gases estufa naturais são gás carbônico e metano. Os emissores respectivos são vulcões, combustão e atividades humanas, e decomposição de matéria orgânica e produção bacteriana.
            Levamos séculos para saber que tais gases aumentam o calor médio. Mas há compostos que, além disso, reconfiguram a química atmosférica – o que pode pode aumentar o perigo térmico.
            Mais radiação solar- o Sol emite raios UV entre 10 e 16 h, dando a sensação de queimadura mesmo em dias amenos. Mas a Terra tem um escudo natural na estratosfera: a camada de ozônio .
            A 25-30 km acima da superfície terrestre, o ozônio breca a maior parte da radiação UV. Se só um pouco já nos incomoda quando nos expomos, imaginem o total: nem estaríamos aqui. Mas, até essa importante camada é nossa vítima.
            Por décadas houve um tipo de clorofluorcarbono (CFC) na refrigeração e sprays de pressão, proibido após a ciência provar sua relação química com o grande buraco na camada de ozônio.
            Na real, o buraco é a zona menos espessa, medida em Dobson Units (DUs). As zonas normais ultrapassam 400 DUs (4mm). O grande buraco do hemisfério Sul mede menos de 200 DUs.
            Mas outros produtos têm CFCs na composição, como alguns agroquímicos, o que os torna proibidos em alguns países, inclusive aqui. Mas aqui aa lei não funciona a contento.
            Crise hídrica e alimentaros principais países produtores (Brasil é um deles) exportam grandes volumes de alimentos. Mas com a modificação climática global, a produtividade está seriamente ameaçada.
            A crise hídrica devida ao calor seco longo é o maior fator. E a seca quente diminui o volume d’água ameaçando muitas atividades (energia, agricultura, todo tipo de indústria, data centers³, etc.).
            Saúde- a seca atípica desse ano revelou níveis de umidade tão baixos que em alguns pontos foram menos do que a do Saara (12%). Isso causou uma verdadeira epidemia de doenças respiratórias.
            Além do ar muito seco, a devastação ambiental pode liberar vírus perigosos, como o hantavírus. Natural das Américas, ele tem variante capaz de causar a febre hemorrágica americana, parecida com a do africano Ebola.
            Afetada pelos extremos climáticos, a Europa acendeu alerta na OMS ao identificar casos infectados com o vírus Marburg. O temor geral se justifica: este vírus é um dos mais mortais que se conhece.
            Africano de origem, o Marburg sempre foi um vírus silvestre. Mas a devastação colonial do passado o liberou para infectar colonizadores e nativos, e depois foi levado à Europa, sendo identificado pela primeira vez na Alemanha, daí o seu nome.
            O recuo das geleiras também poderá liberar vírus desconhecidos que ficaram inertes por milhares de anos. Seu potencial patogênico sobre a espécie humana é ainda desconhecido.
            Inabitabilidade- não havendo contenção das emissões de gases estufa e da degradação, algumas regiões hoje prósperas ou paradisíacas poderão se tornar inabitáveis em um tempo inesperadamente curto.
            Um estudo revelou que parte do Brasil poderá inabitável ou improdutiva em algumas décadas, se continuado o ritmo destrutivo, devido a calores extremos capazes de matar.

            Fria análise final – a grande mídia tem noticiado o agronegócio como maior vítima dos crimes ambientais. Meia verdade: as vítimas mais imediatas são os que põem alimentos em 75% das mesas brasileiras: os agricultores familiares.
            O agronegócio pode experimentar perda em parte de suas lavouras, mas é uma elite com isenções fiscais e tem seguros contra incêndios e outros fatores de prejuízos – ao contrário dos que de fato nos alimentam.
            Os jornalões pecam feio, no exagero às supostas perdas do agronegócio e omissão de prejuízo sofrido pelos pequenos produtores com a destruição ambiental. Mas isso reflete a ideologia do mercado financeiro que os controla.
            Golpe?- se o fogaréu no interior paulista com a ida de Bolsonaro rememora o desmonte da política ambiental em 2019-22, o fogo no parque de Brasília e o nas imediações do Palácio do Planalto evidenciam outra faceta: a de um segundo golpe.
            Golpe, sim, porque o governo Lula tem focado nesse tema – a despeito da contradição na defesa da indústria petrolífera – e por resistir a alguns desmandos da oposição.
            Parece teoria conspiratória, mas não é. Como citado, o governo Lula sofre forte pressão da bancada do boi – a mesma que esteve ao lado do ex-mandatário Bolsonaro em 2019-22 e cujo sindicato criou o Dia do Fogo.
            Os jornalões criticam Lula como pessoa e governo, e apoiam o agronegócio mesmo sutilmente. Que o diga a publicidade da Globo, que de tão criticada está hoje só no fechado Globo News, acessível apenas por assinatura.
            As mídias independentes fazem a sua parte revelando que os candidatos às prefeituras neste ano não apresentam política ambiental proposta. Já houve quem justificasse que “falar de meio ambiente não cola no povo”.
            Quem disse que falar de meio ambiente “não cola” pode estar com a razão. Mas é irrazoável omitir o tema da política. Pode-se trocar o termo, como “saúde na praça”, como disfarce – ou juntando com ações de saúde pública mesmo.
            Doenças derivadas de devastação ambiental/mudanças climáticas revelam a intimidade entre saúde e meio ambiente. Portanto, uma política ambiental integral é tão urgente quanto a emergência numa UPA hospitalar.
            A política ambiental integral agrega a criação e manutenção de áreas de preservação permanente, recuperação de áreas degradadas, agroecologia, gerenciamento adequado de lixo, criação de meios de mitigação de poluentes e educação ambiental.
            É uma necessidade difícil, dada a resistência – e a $edução – dos setores econômicos de grande impacto. Mas, se enfrentar isso já é complicado, por outro lado, a própria economia global minará por falta de recursos e inabitabilidade ao fim da devastação.
            Estamos no ponto de bifurcação da via de destino. Ou transformamos a visão política em meio ambiente e clima, ou vamos para o nosso próprio fim. Esqueça a colonização noutro planeta: não estaremos mais aqui para tanto.

Nota da autoria

¹ colonos portugueses, escravos, quilombolas, pequenos agricultores familiares, caiçaras (cultura mestiça do litoral).
² em 10/8/19 um grupo latifundiário promoveu surto incendiário na Amazônia, cuja fumaceira escureceu São Paulo em 12/8. O surto matou 1,5 bilhão de árvores.
³ centros que agregam maquinário gigantes de TICs que armazenam grandes volumes de informações e sugam milhões de litros d’água.

Para saber mais
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...