O racha bolsonarista e a
esquerda
Mesmo com seus muitos
crimes políticos comprovados, Jair Bolsonaro tem um fã-clube refratário à
realidade vivendo um mundo paralelo. Copiada de Hitler, a técnica bolsonarista foi
sequestrada por uma nova liderança: Pablo Marçal.
O cara – goiano, Pablo Marçal foi a Sampa, onde se formou em
Direito, mas virou um bem-sucedido coach de motivação. É casado e tem 4
filhos. Declara-se cristão inespecífico, mas com viés neopentecostal.
Como coach, ele usava
passagens bíblicas para motivar. Como influencer, usou sua religiosidade para
endossar a rede de fake news bolsonaristas. Mas por trás de tudo isso,
seu currículo também é muito polêmico.
Roubo qualificado- integrou quadrilha liderada por um pastor evangélico
para golpear contas bancárias de idosos. Após muito tempo, foi condenado à
prisão, mas o crime havia prescrito.
Charlatanismo- tentou curar uma tetraplégica e ressuscitar dois
mortos com benzeção. Se vitimizou pelo fracasso mantendo a credulidade dos envolvidos
na sua “capacidade”.
Violações trabalhistas- como empresário, ele impôs aos funcionários
exercícios físicos sem supervisão médica, com ameaça de demissão. Dois deles
morreram, um deles de parada cardíaca em meio a maratona sem aviso prévio.
Na pandemia, foi acusado de
proibir o uso de máscaras e outras medidas profiláticas da OMS.
Pico dos Marins- ele liderou 32 pessoas na expedição. No caminho, uma
tempestade deixou o grupo em apuros, com uma morte. Sem alternativa, o Corpo de
Bombeiros foi acionado.
Os bombeiros denunciaram a
falta de profissionais habilitados como guia local experiente e socorrista, e
equipamentos inadequados do grupo. O resgate demorou 8h devido às inadequações
e às condições climáticas e ambientais.
Torneio de likes- ele promoveu um torneio entre seus seguidores. Quem
tivesse mais likes ganharia prêmio em dinheiro. O fato entrou na mira do PSB¹.
Marçal negou as acusações, mas o estrago já estava feito.
Calúnias- engrossou a fileira bolsonarista caluniando contra
Lula e seu governo criando mentiras sobre vários fatos, como as enchentes
gaúchas.
Aventura política – usando a mesma ideologia de pânico moral
bolsonarista, ele se aventurou na política. Em 2018 tentou ser deputado
federal, e em 2020, vereador, mas perdeu ambas. E tentou agora a corrida da
prefeitura.
Nas duas tentativas
anteriores ele não foi tão midiatizado quanto hoje. As calúnias contra o
governo Lula relativas às enchentes gaúchas, e sua participação em debates
foram trampolins para as alturas.
Marçal ofendeu
principalmente três adversários: Boulos (mentiras sobre drogas), Tábata (a
acusou pelo suicídio do pai) e Datena (o chamou de Jack, uma gíria moderna para acusa-lo de
estupro). Uma cadeirada em rede nacional foi a resposta.
Embora não impedisse o
sucesso de Marçal na grande mídia, a cadeirada de Datena o aquietou nos debates
seguintes, e ajudou muitos eleitores a mudar de ideia, tirando-o de disputar o
2º turno.
Reflexão final – o festival de baixarias protagonizado por Pablo
Marçal não impediu as emissoras de convidá-lo para debates. Pelo contrário: foi
o seu baixo nível o indutor de seu sucesso midiático.
Isso tem uma razão
mercadológica: para as emissoras, altos pontos de audiência significam altas
cifras de concessão pública e de manutenção de dominância no meio midiático. Os
holofotes sobre Marçal tiveram importância bem aí.
A âncora da Globo News
Daniela Lima criticou as emissoras, inclusive a Globo, por tanta atenção a
Marçal. Apesar da indiferença delas, a crítica foi razoável: ela pontuou o
risco de hipervalorização da violência política.
Posição da esquerda- a maior parte da esquerda repudiou a
inércia aparente do TRE-SP por não ter impugnado a candidatura de Marçal devido
à sucessão quase infinda de ofensas e calúnias.
Por outro lado, o candidato
Guilherme Boulos procurou ser conciliador, dizendo que os eleitores de Marçal “queriam
mudança na cidade”, uma crítica à postura do prefeito Ricardo Nunes
durante todo o mandato.
O pleito no 1º turno tirou
Marçal, mas este continua na mídia: “orientou” seus eleitores a votar em Boulos.
Ele se arrependeu das calúnias? Não: na prática, ele só se moveu por sua desafeição
a Nunes.
Eles disputaram o apoio
político do dividido Jair Bolsonaro – que Nunes agora repudia o acusando de traição,
após o ex-presidente revelar queda pelo ex-coach mesmo este tendo
roubado a cena naquele comício da Paulista.
Se houver, a desavença
pessoal pode ter sido expressada na pesada acusação de violência doméstica contra
o prefeito. Marçal o acusou de arrogância por não ter pedido desculpas ao público
pelo ato.
A acusação citada é real e
anterior à eleição do finado Bruno Covas, de quem Nunes foi vice e o sucedeu. Mas
a esposa teria retirado a queixa: é inegável a vantagem trazida pela carreira
política do marido.
Parece que a estranha “orientação”
de Marçal não foi seguida pelos eleitores: a última pesquisa revelou Nunes bem
à frente de Boulos – mesmo com o segundo apagão pós-temporal em Sampa, que
afetou mais pessoas do que o furacão Milton na Flórida.
O PSOL não se pronunciou
sobre a “orientação” de Marçal. Mas Boulos segue visitando as regiões apagadas
pelo mau serviço da Enel e desprezadas por Nunes. É um momento crucial: pode
aproximar os dois na corrida final. Quem ganhará: resta esperar.
Nota da autoria
¹ Partido Socialista
Brasileiro, centrista levemente inclinado à esquerda.
Para saber mais
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O
grande eleito em 2024
Enquanto
que em algumas cidades de médio porte e capitais as eleições foram resolvidas –
alguns casos inéditos –, outras tantas ainda só terão uma resposta definida no
segundo turno, no último domingo de outubro.
Ainda
assim, os primeiros resultados já nos dão um esboço de como será o rumo da política
municipal – com partidos isolados ou coligados a outras legendas –, antes mesmo
de o segundo turno chegar.
O
Centrão – na ditadura militar pós-AI-5, o MDB funcionou como
uma “oposição” dentro da própria direita, a dançar conforme a música. A era
Sarney (1985-9) “oficializou”, então, o que conhecemos como Centrão.
Ele
se difere do extremismo por ser a direita tradicional na prática. O superlativo
se deve por agregar a maioria do parlamento, por aprovar ou reprovar propostas
de governo e estipular valores de emendas.
Emendas
impositivas-
válidas na CF-1988, elas são pagas pelo Executivo ao Congresso para repassar
recursos às regiões de origem para efetivar políticas públicas. Daí elas não
serem o problema, e sim a conduta dos parlamentares.
Valores
bilionários favorecem a corrupção nos municípios e estados, e o cenário
econômico torna o Centrão tão privatista quanto os governos na privataria do
patrimônio público. Daí não poder culpar somente o Executivo.
À
parte – Jair Bolsonaro só não
foi deposto do poder porque pagou muita emenda sem transparência, o orçamento
secreto. O total reportado foi a quase
R$ 80 bilhões, mas a opacidade sugere um valor real maior.
Ilícita,
essa extorsão foi extinta pelo STF em 2023. Mas o poderoso chefe Arthur Lira
expôs um plano B. Surgiram as emendas PIX, alvo do STF (Flávio Dino)
para julgar sua licitude – o que determinou o seu bloqueio, irritando Lira.
A
validade do julgamento da emenda Pix reside na extrema liberdade desse modelo
de transação, que pode não aparecer no Portal da Transparência diferindo,
portanto, das contas bancárias dos emissores, intermediários e destinatários.
O
PIX tem uma denominação fixa, que pode ser pessoal (como número de CPF) ou
grupal (um e-mail, por exemplo). E pode ser manuseado até por WhatsApp. Tudo
isso só favorece a opacidade das transações.
Má
distribuição e eleições municipais –
por pix ou conta bancária, impositivas ou extras, as emendas parlamentares
foram para Estados e municípios em geral. Mesmo refletindo o tamanho das
bancadas no Congresso, a distribuição é ruim.
Mas
houve um doce sabor da ironia. Se a maior parte da bolada bilionária parou nos
partidos do Centrão, o hoje nanico PSDB de FHC e Aécio Neves recebeu mais grana
do que o PT de Lula , de maior porte hoje.
E
nas eleições municipais as emendas parlamentares tiveram peso especial. As
cidades com recepção das maiores quantias foram as que elegeram,
principalmente, candidatos dos partidos integrantes do Centrão.
Isso
se refletiu no ranking. Os partidos de maior ganho eleitoral foram o PSD do
cacique Kassab, o MDB de Renan Calheiros e o PP de Lira. Mais abaixo, o PL de
Bolsonaro e Costa Neto ultrapassou o PT, com mais de 700 municípios.
Na
esquerda – seguindo em pouco mais
de 250 cidades, o status eleitoral do PT irritou Lula, que culpou a cúpula de
seu partido de não permitir novos bons líderes, e o seu próprio governo, numa
reflexão sobre as pressões sofridas na fase final de sua carreira.
Enquanto
isso, o PSOL crava sua 2ª final em Sampa. Fundado por ex-petistas velha guarda
como Chico Alencar e Ivan Valente, o partido compensa o pequeno porte com coerência
ideológica e têmpera combativa. Mas há um problema.
O
multitemático identitarismo. Apesar de dar legítima visibilidade política
às minorias, ele assumiu caráter tão agressivo quanto a direita nazifascista, favorecendo
um feedback oponente pior do que o gatilho inicial do preconceito.
Não
por acaso, eleitoralmente alguns psolistas têm se precavido em alguns dos temas.
Mesmo legítima enquanto causa social, a pauta identitária é o maior alvo do pânico
moral extremista: ainda há muito de seus ecos.
Por
outro lado, o PT pisou na bola ao lançar projetos contraditos à proposta de
defesa do SUS, entregando a saúde pública para empresas ditas públicas, com passagens
duvidosas na gestão dos serviços. Com isso o Centrão ri de contente.
O que
resta ao petismo é rever a sua relação com as bases populares reassumindo linguagem
popular e defendendo serviços públicos executados por servidores públicos.
Afinal, Lula foi eleito por sobrevivência e não por adoração.
Se
não refletir adequadamente aí, Lula pode entregar o país nas mãos da
extrema-direita alimentada pelo Centrão. E isso, intimamente, ninguém – especialmente
servidores de saúde e educação – quer de novo. Nem nos municípios.
Para saber mais
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