Há
1 mês atrás, o empresário do agro Ricardo Arantes disse, num podcast, que prevê
“o fim da fábrica de peões”, pois “os filhos dos peões não querem
mais aprender com os pais”. Culpou Lula por sua política de qualificação
tecnológica para jovens.
Quase
em seguida, novo assunto esquentou Brasília. A deputada federal Erika Hilton
(Psol-SP) se destacou de novo. Com raciocínio veloz e discurso eloquente, ela
apresentou o texto de seu projeto de emenda constitucional (PEC) que propõe
redução da jornada de trabalho, para debate.
Ela
salientou que o objetivo da PEC é reduzir a jornada para 4x3 (36h) ou o máximo
5x2 (40h) semanais sem afetar os salários, para melhorar a produtividade. “O
Brasil tem o segundo maior índice de burnout porque não há descanso suficiente,
a escala 6x1 é desumana”, explicou. Bastou para gerar um terremoto.
Oposição
e mídia – capitaneada pelos
bolsonaristas, a oposição se posicionou com tamanho barulho discordando da
proposta que o assunto ganhou mais visibilidade popular do que se imaginava.
Graças aos muitos recortes em redes sociais.
Um deles
foi Marcos Feliciano. Misturando passagens bíblicas com a “dignidade do
trabalho” e o também suposto nível de desenvolvimento alcançado pelo Japão, ele
defendeu que “o brasileiro deve trabalhar até a exaustão para desenvolver o
país”.
Especialista
em recortes com fake news nas redes sociais, Nikolas Ferreira tentou
meter o tabu entre os seus seguidores, ressaltando o “valor bíblico” do
trabalho duro e que a escala 6x1 é legítima. Mas não esperava o revés que
viria.
Foi
taxado de hipócrita devido à ênfase entre a escala 3x4 e salários de R$ 44 mil
+ penduricalhos dos congressistas, e a escala 6x1 e salários médios de R$ 2 mil
da patuleia em geral. Motivo: a maioria dos seguidores trabalha arduamente.
Em
paralelo, a imprensa noticiou o tema apontando os manifestos populares e uma
cachoeira de análises críticas sobre possíveis impactos na economia de mercado.
Érika foi entrevistada para explicar a sua PEC, mas outro nome roubou a cena.
Gatilho
carioca – o projeto de Erika foi
inspirado por um texto de teor parecido, apresentado por um jovem estreante na
carreira política no Rio de Janeiro, elegendo-se vereador na capital: Rick
Azevedo, do Psol, partido com nomes definitivamente à esquerda.
Estudante
universitário conhecido pelo ativismo no universo acadêmico, Rick teve muitos
votos de colegas e funcionários desse ambiente. Mesmo desconhecido no mundo da
política, ele conseguiu a cadeira pela cota mínima de votos para o Psol.
Antes
da deputada explodir nas redes, agora com apoio até da direita, Rick projetou o
assunto na Câmara de Vereadores a partir de movimento popular pelo descanso
semanal aumentado. É o Vida Além do Trabalho–VAT, objetivo central deste
artigo.
Mas
e se eu disser que o VAT também não é pioneiro no tema? Pois é: a jornada de
trabalho tem uma história.
Primórdios – a jornada de trabalho sempre vira notícia a cada
estudo do IBGE, DIEESE¹ ou OIT² comparando as cargas periódicas em diferentes
países. De fato, segundo o estudo mais recente, o Brasil ainda é o 4º país que
mais trabalha no mundo.
E já
foi pior: até 1930, os proletários trabalhavam até 18h/dia – um combo de
desnutrição, exaustão e longa exposição a agentes nocivos, facilitador de infecções
e/ou doenças ocupacionais. Sindicatos reivindicaram menor jornada, sem terem
resposta.
Ela
só veio na era Vargas (1930-45). A constituição de 1936 foi a primeira a prever
uma lei trabalhista de sentido amplo sobre salários mínimos e jornadas máximas
para diferentes profissões. E 7 anos depois, finalmente chega um decreto-lei.
CLT- estádio São Januário, 1/5/1943: Vargas assina a Consolidação
da Lei do Trabalho (CLT), que regulamenta direitos e deveres de empregados
e patronais, cria o salário-mínimo, tipos de profissões e jornadas máximas. Outros
direitos vieram depois.
Com
um púlpito no meio do campo de futebol, Vargas foi ovacionado pelo povo que lotou
as arquibancadas. Foi uma cena populista perfeita, mas a patuleia se sentiu
honrada – inclusive os que pereceram doentes, em lutas pretéritas.
Enfraquecida
pela reforma de 2017, que beneficiou a classe patronal em detrimento da trabalhadora,
especialmente em litígios judiciais, a CLT resiste aos 81 anos, ainda
garantindo direitos constitucionais pétreos – que os patrões não podem excluir.
Embora
algumas profissões tenham carga horária regulamentada para menos de 30 ou
40h/semana, alguns Estados fecham os olhos para sobrecargas patronais sobre os
funcionários sem garantir recompensação salarial correspondente.
VAT,
do ativismo à marca – surgido
inicialmente como pauta social legítima, o VAT ganhou importante espaço nos jornalões.
As críticas iniciais à PEC de Erika viraram elogios após um jornalão afirmar
que “o fim da escala 6x1 salva o capitalismo”. Surpreende: antes, a própria grande imprensa "previa" implicações negativas para a economia de mercado.
Isso
deu maior visibilidade à deputada federal e ao jovem eleito vereador, mas
atraiu olhares críticos. Como o de Rui Costa Pimenta, líder do Partido da
Causa Operária (PCO), autodeclarado de extrema-esquerda, convidado a falar
num podcast sobre o assunto do momento.
Segundo
Rui, “o VAT é uma farsa capitalista”. A afirmação é estranha, mas compreensível,
graças a um vídeo de Rick no Tik Tok convocando geral ir às ruas pelo VAT em
apoio à PEC, mas “sem levar bandeira partidária”, para “evitar
conflitos”.
O que
chama a atenção de Rui para a condição de “não levar bandeia partidária”
é o vazamento de suposta informação, pela qual Rick teria registrado o VAT como
marca de sua autoria exclusiva no Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI).
Fria
análise – a fala de Rick Azevedo parece
mesmo condicionar um movimento apartidário, ao invés de suprapartidário. Neste
último, bandeiras de diversos matizes ideológicos de mesmo espectro são normais
nos movimentos sociais em geral.
Entretanto,
não é intenção deste artigo acusar Rick de fazer merchandising do VAT. Quanto
ao condicionamento, a fala sempre revela a intenção do seu autor, mas decifrar qual
é a intenção nem sempre é tão simples de se acertar.
Já o
suposto registro do VAT como marca pessoal do futuro vereador é considerada
neste blog como especulação. A afirmação do líder do PCO não reflete obrigatoriamente
a opinião da autoria do presente artigo. Mas a fala dele é, sim, legítima.
Só o templo dirá a verdadeira intenção de Rick e seu VAT. O que pretendem os parlamentares de direita – que agora se põem como favoráveis à PEC após críticas dos seguidores – ao apreciarem criticamente o texto apresentado pela deputada Erika.
Só o templo dirá a verdadeira intenção de Rick e seu VAT. O que pretendem os parlamentares de direita – que agora se põem como favoráveis à PEC após críticas dos seguidores – ao apreciarem criticamente o texto apresentado pela deputada Erika.
No
mais, só nos resta torcer para que haja um final feliz para as classes proletárias
e à esquerda de hoje.
Notas da autoria
¹
Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos – seu método próprio revela
as realidades profundas.
²
Organização Internacional do Trabalho – entidade da ONU que reúne pesquisas das
realidades trabalhistas nos países signatários e aponta irregularidades.
Para saber mais
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