Jornalões: relações vergonhosas
Durante estágios de
aprendizagem e na experiência profissional adquirida, os profissionais da
psique estudam meticulosamente as expressões faciais corporais, e o tom de voz
e a dos seus pacientes, por mais monocórdios que estes quisessem ser em seus
diferentes relatos.
Enquanto que para
esses profissionais tal observação analítica é válida para determinar o método
certo de tratar ou orientar, nós, leigos, usamos naturalmente em nossas
relações interpessoais e sociais em diferentes momentos. Assim podemos observar
como se comportam os âncoras dos telejornais mais assistidos.
Os nossos telejornais
são todos dos jornalões. O JN é até hoje o de maior audiência, mas em todos percebemos
diferentes expressões dos âncoras. Sua expressão é grave, em velado reprove
quando reportam sobre o governo Lula; e parece mais à vontade sobre governantes
assumidamente neoliberais.
Com os EUA vem a
velha viralatice. Nossos jornalões os veem como exemplo de “grande nação de
Estado enxuto” que o Brasil deveria seguir. Fake news: até vir Trump
2, 20% da força ativa dos EUA eram do deep state (grupo de servidores de
carreira), e no Brasil são só 11%. OJN reportou de boaça a demissão massiva de
servidores por Trump 2.
Mas tal
especificidade não apaga a postura sem-vergonha dos nossos jornalões. A
degradação do deep state estadunidense é apenas uma das medidas do viés
nazista de Trump, cuja sequência é muito similar à executada na Alemanha
durante a era do Bigodinho (1933-45). Os âncoras pareciam falar de um
herói global.
Claro que cabe
assinalar que essa expressão tão simpática não é nenhuma novidade. Os vimos com
essa postura durante os governos Obama e Biden, e mais antigamente, ao
reportarem iniquidades como a torcida pela eleição de Collor em 1989, a
privataria de FHC e a bagunça de Paulo Guedes na era bolsonarista.
Acontece que essa
simpatia da Globo – e demais jornalões – pela ideologia neoliberal não é o
maior dos problemas. É vergonhoso estender o mesmo tom a um sujeito que anseia violar o
direito internacional para se apossar do mundo e reforçar seu campo de
concentração de Guantánamo, e ferrar seus “inimigos” – também
brasileiros.
No mínimo, a postura
deveria ser mais grave do que a relacionada a Lula. Deveria ser de franco
repúdio.
Para saber mais
Já conhecendo a popularidade
única de Lula e antevendo a sua derrota eleitoral em 2022, Jair Bolsonaro fez
todo tipo de falcatrua para vencer sem o mínimo de ética e dignidade. Seus
feitos estão nos artigos “atipicidades da eleição de 2022 – parte 1” e o
homônimo parte 2, deste blog.
Cada vez mais novas
provas de peso material surgem nas investigações da PF, desenvolvendo um
inquérito com mais de 270 páginas. Isso, só com a série de crimes
envolvendo uma orcrim do alto escalão civil-militar para alcançar
o golpe de Estado – o que pode condená-lo a mais de 30 anos de prisão.
Organização
criminosa, formação de quadrilha, atentado violento ao Estado democrático de
direito e golpe de Estado compõem o cerne criminal do inquérito de mais de 800
páginas inspirado numa CPMI e mais investigações posteriores. Mas isso é só um
pouco do total criminal de Bolsonaro.
Há o caso das
milionárias joias sauditas, dadas de presente para o acervo da União e não ao
então presidente e sua esposa. Ilegalmente extraviado para ser convertido em
dinheiro nos EUA, o presente foi recuperado com ajuda do FBI estadunidense (só
temo que Trump nazi se meta em nome do parça).
O super auxílio da
PEC Kamikaze que deu prejuízo de R$ 300 bi à Caixa devia merecer avaliação de
sua inconstitucionalidade pelos ministros do STF. Pago com orçamento secreto, o
Congresso aprovou aquilo em tempo recorde, 1 mês antes da eleição. Um crime eleitoreiro
contra a Constituição e à lei eleitoral.
Mais ainda: não podem
passar em branco os crimes contra a saúde pública que levaram à falta de
medicamentos para transplantados, HIV soropositivos, diabéticos, hipertensos e cardiopatas, congelamento salarial de servidores e seus serviços, e o genocídio que
ceifou 700 mil, induzido pela gestão negacionista durante a pandemia de C19.
Dada a gravidade do
conjunto criminal de Bolsonaro na presidência – sendo ele o comandante supremo
na história, – certamente a sua condenação mais acertada seria de prisão
perpétua, pena essa que o Tribunal Penal Internacional de Haia imporia em
julgamento por genocídio, seguindo denúncias em mãos.
É preciso que
Bolsonaro seja condenado por, pelo menos os mais graves crimes que atentaram
contra a dignidade e a vida do povo e das instituições nacionais. Não pode
haver anistia, nem a seus discípulos, e sim a morte política – que será vista
por ele como o seu próprio fim.
Já sabemos que Lula
tem uma vocação genuína para oratória popular envolvente, revelada desde as
greves dos metalúrgicos do ABC Paulista no fim dos anos 1970. Essa habilidade
pavimentou o inevitável caminho para a sua maior vocação: a política
profissional.
Na política, ele
superou o trauma antigo do preconceito por ser nordestino pobre e mal
escolarizado para atingir seu ápice como o presidente da República mais popular
da nossa história política do pós-ditadura, ao terminar o segundo mandato em
2010 com 87% de ótimo e bom.
Seu potencial e sua
vontade o ajudaram a se eleger em 2022, na “missão” de “reconstruir
este país” – lema de seu governo. Mas, esse terceiro mandato democrático,
com várias melhorias, tem estado aquém, abaixo dos 60% de aprove. A mais
recente* foi ainda pior: 24%, com aumento da rejeição*.
A queda vertiginosa
de 11% em relação à pesquisa anterior do Datafolha pareceu pior do que o
acidente doméstico que levou à submissão do presidente a duas cirurgias no
crânio. Essa queda muito estranha é perfeitamente explicável, pois ela já era
previsível.
Motivos
– a comunicação pública do governo tem sido quase nula, só melhorando
com Sidônio Palmeira no lugar de Paulo Pimenta no final de 2024. Se tal troca
tivesse ocorrido antes, tantas calúnias dos bolsonaristas não teriam um impacto
tão profundo na população.
Surfando na baixa popularidade de Lula, bolsonaristas falseiam novos fatos em temas sensíveis para a
geral, além da taxação do pix e da carestia do café por “má gestão do governo na
economia”, omitindo propositalmente a produção quase zerada em 2024 devido à severidade climática de então.
Sem confrontar os mentirosos de plantão, os jornalões também
têm culpa importante nesse processo. Eles reforçam a sua viralatice em relação a Elon Musk e
aos EUA, e mal velam a sua intencional omissão sobre a ação dos parlamentares
bolsonaristas contra Lula para piorar a pressão mercadológica no governo.
Além disso, vale
destacar que, para os jornalões, o melhor feito do governo foi a entrega de 4
hospitais federais a entes de direito privado (Ebserh, Grupo Hospitalar Conceição) e organizações
sociais (OSs) da prefeitura carioca, ameaçando piorar a precarização e demanda de
serviços do SUS. Omitem o quão péssimo é para os servidores de carreira.
Cabe notar que a
eficiência manipuladora da comunicação da mídia e dos bolsonaristas pesa bastante. Mas Lula 3 custo,
sim, a entender que o Brasil de 2016 já não era o mesmo de 20 anos atrás:
assumiu cristianismo fanatizado e ideologizado, mais violento e
com ódio à diversidade.
Essa queda atesta que
a Secom – o órgão da comunicação pública oficial do governo – ainda não
aprendeu a se comunicar com esse Brasil. Sidônio deve usar toda a sua habilidade para
remexer nisso e fazer com que o lulismo, mesmo tão contaminado pela direita, reconquiste o antigo espaço que perdeu.
* Fonte: Datafolha.
A definição de esquerda
e direita surgiu na tribuna da Assembleia Constituinte francesa
em 1791. Representantes da elite e da corte se sentaram à direita, e os do povo
à esquerda. Nos anos 1840, Marx e Engels refinaram essa dicotomia no contexto
capitalista industrial vigente pela luta de classes.
Nesse contexto vieram
os partidos políticos – organizações ideológicas oficiais em disputa
política democrática. O neomarxismo no séc. XX fez surgir várias frentes
ideológicas na dicotomia. Um exemplo na esquerda brasileira é virem, após o pioneiro
PCB, o PCdoB, o PT e outros.
Do PT ao Psol
– o socialdemocrata PT foi fundado em 1980 por trabalhadores, intelectuais e
católicos progressistas. Lula e outros nomes viraram políticos. O PT cresceu e,
com Lula presidente, teve uma crise interna que descambou na saída de alguns
nomes que fundaram, em 2004, outro partido.
O Partido Socialismo
e Liberdade (Psol) nasce como
reformista de esquerda, com várias correntes de diversidade no campo cultural e
político, cada uma com uma liderança. Hoje, é a sigla mais diversificada na
atuação política. Mas, a idealizada equidade entre correntes não durou.
Como no PT, um
conflito interno ocorreu. Liderada pela esposa do governista Guilherme Boulos,
a corrente pró-Lula se sobressaiu e assumiu direção do partido, não dando voz
às lideranças críticas das demais. Minoritárias, estas últimas acusaram
implosão na democracia interna.
Debandada
– crítico do rumo de Lula 3 e favorável às correntes minoritárias, David
Deccache foi demitido do Psol por externar a sua postura crítica ao rumo
neoliberal do governo Lula. Chico Alencar e outros ex-petistas se aproximam dos
dirigentes. Erundina, Glauber e Sâmia se afastam aos poucos do núcleo.
Essa debandada
inicial revela o auge da crise, ou o rumo desta ao ápice. Mesmo solidários ao
governo Lula, mas críticos ao seu rumo neoliberal, Glauber e Sâmia parecem
ameaçar sair do partido, conforme revelado na entrevista do deputado ao
repórter do Manhã Brasil.
Nesse ínterim, a
niteroiense Talíria Petrone foi eleita novamente pelo partido para assumir a
liderança do Psol na Câmara. Revelando-se solidária ao ameaçado governo Lula 3
mesmo não sendo governista, ela talvez tenha sido eleita por conta desse sentimento.
Fria análise final
– a crise do Psol é partidária. Revela que ser à esquerda não escapa das
competições de classe com vitória das alas moderadas que consideram as demais
radicais, nem de discriminações genéricas como machismo e jogar todos os
evangélicos no mesmo balaio, contrariando a pauta identitária.
A eleição de Talíria
Petrone como líder do Psol na Câmara federal é interessante. Ela não é
governista, mas solidária ao ameaçado Lula 3. E é próxima das correntes minoritárias
que têm seu forte no identitarismo. E não tem tido os mesmos holofote do que
sua colega Erika Hilton.
A eleição de Talíria
traduz a busca pelo fim da crise? Não sabemos. Mas suas qualidades parecem fornecer
equilíbrio entre duas forças contrárias no partido. Mas ela não resolve, e sim os
líderes das correntes e sua militância contra um possível fim do partido mais
representativo das classes trabalhadoras.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=AT_4cKB-f0c
(Jones Manoel-Manhã Brasil – entrevista a David Deccache)
- https://www.youtube.com/watch?v=4kg4FnZNR9M.
(Jones Manoel-Manhã Brasil – entrevista a Glauber Braga)
- https://www.youtube.com/watch?v=S_lH1v2XN2s
(Faixa Livre – entrevista a Glauber Braga sobre Deccache)
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Socialismo_e_Liberdade
(Wikipedia - Partido Socialismo e Liberdade)
Bônus
Bônus
A democracia relativa do Brasil
Muitos acreditam que nossa
ditadura “foi democrática” porque o povo “sempre votou”. Mas
havia a censura que a era Sarney derrubou, e legalizou os partidos de esquerda para
a atuação política. Foi aí que vimos nomes hoje conhecidos como José Dirceu, Flávio
Dino e Lula.
O ex-operário Lula
avançou e alcançou a presidência da República. Ele cravou o seu nome na
história ao ser o único presidente de origem popular, e ser o único também em
ser eleito pelo povo para o seu 3º e atual mandato, graças às lembranças de
suas políticas públicas.
Depois de dois
mandatos altamente populares e fortes, Lula vive o atual menos popular, devido
às transformações sociopolíticas dos últimos 10 anos, apesar dos feitos
positivos notórios na economia e no social, e também recuperar a boa e tradicional
diplomacia do país.
Se atentou às
eleições em vizinhos Peru, Argentina, Colômbia e Venezuela. Em entrevista sobre
a Venezuela, Lula disse: “se tem eleição, tem democracia. Lembrado dos poréns¹
e do autoritarismo de Maduro, ele emendou: “isso cabe ao povo venezuelano. É
uma democracia relativa”.
Apesar de chocar
nossos jornalões, Lula acertou. No Brasil há liberdade em candidato de qualquer
corrente sem risco de fraude. Mas isso não o livra de ser uma democracia
relativa, em variados exemplos tanto no ambiente político quanto na vida
social.
Na política
– a esquerda só chega à presidência se for permeável às pautas dominantes da
direita (mercado). O processo também se vê regionalmente. São as alianças de
apoio. Hoje, não é o PT no poder, é a Frente Ampla com a direita não
bolsonarista.
A nossa democracia é representativa
(políticos eleitos são nossos representantes). Há participação popular online
(projetos e petições em sites oficiais) ou presencial, por testemunho
direto de debate e votação nas casas legislativas. Os diálogos diretos são quase
impossíveis.
Na sociedade
– na vida social impera um relativismo cotidiano traduzido em desigualdades
visíveis nas relações de gênero/sexualidade, de raça/etnia, de religião/crença
e de classe/status social, na diferença de abordagem policial, tipificação
criminal e penalização dos réus.
Tais desigualdades
concordam com o princípio da liberdade absoluta de expressão nos EUA,
diferente do nosso, relativo. A compreensão desse princípio como verticalizador
nos debates nos leva a entender a necessidade responsável da nossa liberdade relativa
de expressão.
Assim se revela o
relativismo democrático no Brasil. Os exemplos acima mostram a sua dualidade: se
as relações são desvantajosas entre grupos distintos, ao menos a nossa grande
vantagem está na horizontalidade dialógica da liberdade relativa de expressão. A
democracia é naturalmente relativa.
¹ referentes às
eleições municipais na ditadura
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